Sobre transtornos contextuais

Nem a timidez e nem a introversão são transtornos mentais. Mas, contextualmente falando, os mais introvertidos, que tendem a ser mais tímidos, especialmente em sociedades em que há uma preferência quase patológica pela extroversão, como o Brasil e os EUA, tendem a apresentar maiores dificuldades de adaptação no meio social e mesmo profissional em que se encontram, aumentando o risco de que desenvolvam transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão. Por isso que, nesses casos, pode-se dizer que não são transtornos que expressam diretamente alguma condição congênita, tal como o TDAH* e o autismo, porque resultam de contextos, isto é, de uma combinação individual de traços de personalidade, ou de maneira geral, de intrinsicidades, incluindo outros traços, com os ambientes de criação e vivência. Em outras palavras, é uma soma de fatores que resulta em um contexto desfavorável. Por exemplo, um indivíduo introvertido que vive sua infância acuado em um ambiente hostil à sua presença e que, ao longo do tempo, acaba apresentando um quadro de ansiedade social.

* Apesar de ser considerado um transtorno mental de natureza mais intrínseca, existe um estudo muito interessante que descobriu que, portadores de TDAH

(https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-biology-of-human-nature/202211/did-adhd-evolve-to-help-us)

se adaptam melhor em certos ambientes, sugerindo que, talvez, também seja um transtorno mais contextual.

Infelizmente, parece que a ignorância em relação a esse tipo de transtorno predomina entre profissionais da saúde mental, incluindo pesquisadores, já que, além de não ser plenamente diferenciado da categoria de condições de natureza mais congênita, como o autismo, em que o contexto não é o fator mais relevante para se manifestar (apesar de também ser importante para a capacidade de adaptação do portador), ainda é tratado como um desajuste absolutamente ajustável à normalidade e que, portanto, o melhor "tratamento", juntamente com uma intervenção medicamentosa precoce ou compulsória, é o incentivo à imitação de comportamentos normativos, desprezando a natureza psicológica do "'paciente", como que o seu contexto o está influenciando, como ajudá-lo a se ajustar de acordo com as suas possibilidades e não de acordo com um modelo convencional de adaptação, que não é capaz de incorporar. Na verdade, um transtorno mental contextual seria uma maneira que o indivíduo encontrou para se adaptar a um contexto desfavorável, diga-se, uma maneira mais reativa, subconsciente, preventiva e/ou defensiva. Como conclusão, é necessário entender o que acontece, contextualmente, para, então, propor intervenções que realmente busquem ajudar o indivíduo a se adaptar da melhor maneira, de acordo com os seus potenciais e limites. Primeiramente, de reconhecer que esse tipo de transtorno ou de diferença existe.