James Webb, compensa os 10 bilhões de dólares gastos?
Sim, por que ainda "olhamos para cima", citando o filme do Netflix sobre a vinda de um meteoro avassalador sobre a Terra e a capacidade de nossa civilização de se organizar moralmente e politicamente para evitá-lo.
O telescópio espacial James Webb, lançado no dia 25 de dezembro de 2021, provavelmente revolucionará nossos conhecimentos a respeito da origem do universo e mesmo as tecnologias e know-how para o desenvolvimento de instrumentos de introspecção espacial. Sem querer entrar em detalhes a respeito de seus benefícios e tão pouco questioná-los, é preciso pensar em termos civilizacionais.
Primeiro vamos pensar o que seria 10 bilhões de dólares hoje para efeitos comparativos:
- 10 bilhões de dólares é quantia que um grupo britânico pretendia investir em infraestrutura no Brasil em 2020. 1*
- Receita da empresa Intel em 2021 com divisão de lucros .
- Investimento da empresa Meta (ex-Facebook) no chamado Metaverso, realidade virtual em 3D.
- Meta de doadores internacionais para ajuda a refugiados da Síria e de outros países vizinhos.
- Em torno de 30 por cento da arrecadação do Governo Federal (Brasil) em 2021: 157,34 bilhões de reais (31 bilhões de dólares).
-Menos de 10 por cento da arrecadação federal do EUA em 2021: 284 bilhões de dólares.
-Em torno de 0,5% dos gastos militares no mundo em 2019: US$ 1,9 trilhão.
-1,30% dos gastos militares dos EUA: 778 bilhões em 2020.
- PIB do município de Recife em 2017: em torno de 51 bilhões de reais. 13º entre as cidades brasileiras e um aproximado do valor gasto no telescópio. Os outros 5557 municípios pesquisados arrecadaram menos que este valor.
- Custo estimado de todas as operações da ONU para combate a fome via Programa Mundial de Alimentos para 2020.
Outros valores poderiam ser levantados para análise, mas visto que o desenvolvimento do projeto teve seu custo dividido entre as agências canadense, europeia e a NASA e os custos elencados, não seria uma quantia absurda comparado a outros gastos de Estado. Para uma iniciativa internacional os custos e a relevância compensam. Ao considerar os gastos militares, aumento global mesmo no período de pandemia, o custo com o telescópio se encontra até mais justificável, mas há um outro ponto que é preciso considerar.
Ao contrário do que muitos cientificistas( não necessariamente cientistas), que acreditam que a política e a ideologia interferem no desenvolvimento da ciência, não seria o crédito social, nível educacional e o valorização da ciência que junto aos cidadãos que ainda permitem legitimar tais gastos? Chegaremos em breve em tal nível de degradação educacional, político e cultural em que a pesquisa se reduzirá somente a aplicações imediatistas e para fins econômicos?
O empobrecimento curricular, falta de governabilidade em relação a qualidade do ensino e a redução do ensino a fiador de promessas no mercado de trabalho não serão responsáveis por cidadãos bitolados em seus trabalhos, incapazes de refletir sobre o mundo em que vivem e indiferentes ao pensamento teórico e científico?
Em um mundo em que pessoas assim predominasse, qual valor que teria pesquisas astronômicas, sociológicas e matemáticas caso estas não tivessem o alcance de gente sem capacidade de abstração ou negligente com o que acontece no mundo? Pessoas estas que elegeriam políticos e seriam também eleitas.
A superficialidade e liquidez das relações hoje nos dará um contexto em que pessoas inteligentes possam e queiram desenvolver seus potenciais? A corrupção e burrice política dos cidadãos permitirão que os meios educacionais façam frente aos novos desafios colocados ainda para este século. Na minha visão, pelo menos no Brasil, a corrupção e a limitação intelectual e política do cidadão comum não permitirão avançarmos educacionalmente e continuaremos dependentes de tecnologias e avanços obtidos em outros países há um preço muito maior.