Quem vigia os vigilantes?

Ontem estive conversando com um amigo sobre filmes, documentários, etc... E falamos do documentário "O dilema das redes", disponível e produzido pela Netflix.

Já havia assistido há algum tempo atrás e decidi reassistir, porque querendo ou não, nossa mente vai apagando as coisas com o tempo, não é mesmo?! E ao reassistir levei novamente o golpe de realidade que levei da primeira vez: Quanto tempo da minha vida, do meu dia, eu passo em frente à tela do celular?

Você, alguma vez já parou pra pensar sobre isso? Já quis se desvincular do telefone e não conseguiu? A que ponto chegamos para nos tornarmos escravos de um aparelho eletrônico criado por nós mesmos?

Porque caralh*s não é aterrador saber que engenheiros de diversas empresas estudam e monitoram seu comportamento, suas atividades, locais que frequenta e coisas que você consome, desde comida à música? Quem é seu "crush" da faculdade e o que você gosta de fazer nas horas vagas. Quantos segundos você observa uma foto aqui nesse feed em que vos falo, seja no insta ou no facebook. E que todo esse monitoramento é feito com a finalidade de te prender cada vez mais e manipular suas ideias, seus sonhos, pensamentos e comportamentos para ganhar mais e mais dinheiro.

Cada vez que se afasta, esse aparelho dá um jeito de notificar qualquer coisa, apenas para que você volte a ficar online. Porque não estamos discutindo sobre isso?

Porque é perfeitamente aceitável que sejamos controlados como zumbis por um cérebro extracorpóreo e artificial? Estamos em busca de quê? Popularidade? Aceitação? Auto-afirmação? Sim para todos. A necessidade de socialização do ser humano é biológica. Estamos a todo o tempo buscando a aprovação dos nossos semelhantes e as redes sociais viabilizaram e comercializaram a facilidade de interações pessoais.

É ótimo poder conversar com um parente em outro estado sem gastar uma fortuna em ligação. Incrível conhecer pessoas de outros países. Tudo isso é mágico e tudo tem um custo. O custo é termos nos tornado escravos da modernidade. Há quantos anos você não escreve uma carta pra alguém?

Me senti completamente estranha ao começar o rascunho desse texto em um caderno. Procurei papel apenas pelo simples fato de que quando o pensamento está "à milhão" só a caneta acompanha. Porém, não nego que a sensação de segurar uma caneta em frente às pautas me assustou um pouco. Quantos dos nossos hábitos foram alterados? Somos uma espécie que tem milhares de anos de evolução e ironicamente, pela primeira vez em todo esse tempo entramos numa involução voluntária e assistida.

A aceitação é um dos instintos humanos mais perigosos, pois nos leva a agir de maneira inconsequente muitas vezes. Até assistir esse documentário, eu não fazia a menor ideia de que existe uma condição psicológica chamada "dismorfia snapchat" onde as pessoas procuram cirurgiões plásticos para ficarem parecidas com elas mesmas usando filtros de aplicativos. Você pode observar isso claramente com a modinha da harmonização facial. Qual a finalidade desta merda de procedimento se não, deixar todas as mulheres como uma boneca Susi (nem Barbie, porque é muito mais bonita) e todos os homens com maxilares quadrados e marcados com queixos de afundar o Titanic? Olha pro lado: Quantos famosos fizeram e não ficou horrível?

Porque não te assusta pensar que essa tecnologia nos bombardeia com designs e cores a ponto de mudar nossa percepção de nós mesmos? A ponto de nos fazer questionar nossos valores como seres humanos com a métrica de likes?

Se você tem 1M de seguidores você pode ser a bosta de um babuíno adestrado que faz dancinhas no TikTok e não tem nada além disso pra oferecer. Mas seus milhares de seguidores te acham fod@ e você é f0da, porque no final, as marcas te chamam pra fazer publicidade. Mas vem cá, o quê que você escreve no seu currículo? "Formado em trends"? "Especialista em dancinha viral"?

Não vou criticar avidamente pelo simples fato de que adoro esse tipo de conteúdo, consumo e produzo também. Mas fica, até mesmo para mim, o questionamento: Quais são os valores, as qualidades que eu possuo fora desse universo paralelo?

A que ponto, o conteúdo que estou consumindo afeta direta ou indiretamente o meu caráter?

Enquanto escrevia esse texto, meu celular vibrou ao menos, vinte e cinco vezes. Ressaltando que levei cerca de quarenta minutos até a conclusão da narrativa. Todas as vezes em que ele vibrou, eu senti vontade de olhar e conforme fui me negando, o volume de notificações foi aumentando gradativamente, como se eu não pudesse passar uma hora sequer sem estar alienada da vida off. Apenas testem e reflitam: Porque falamos tão pouco sobre isso?

Uma das frases que mais me chamou atenção, apesar de haverem várias frases impactantes, foi: "o algoritmo foi escrito por uma pessoa, mas ele tem vontade própria. É como uma máquina que modifica e aprimora a si mesma." Sinceramente? Isso me parece muito assustador, porque demonstra uma única coisa: Os próprios desenvolvedores de softwares possuem apenas uma pequena ilusão de controle. Se os desenvolvedores de tudo o que consumimos não tem mais noção de tudo, somos nós apenas as marionetes das marionetes nas mãos de um "Godfather"?

Chego apenas a pequena, porém necessária alusão: Quem vigia os vigilantes?