COVID-19 e Gravidez

Desde dezembro de 2019, o surto da nova infecção por coronavírus (COVID-19) se tornou uma grande ameaça epidêmica na China, e de lá se espalhou para o mundo. Sendo o grande assunto de 2020, a COVID-19 se tornou alvo de várias pesquisas acadêmicas – uma das questões de maior preocupação eram os riscos da doença para grávidas (QIAO, 2020).

Um dos mais importantes estudos feitos no primeiro trimestre de 2020 foi o de David Schwartz (2020), que investigou os relatórios de 38 grávidas com COVID-19, das quais nenhuma delas apresentou pneumonia grave ou morte materna, embora algumas tivessem comorbidades anteriores à COVID-19, como pré-eclâmpsia, hipertensão induzida pela gravidez, cicatrizes uterinas, diabetes gestacional e atonia uterina. Também não foi detectado o vírus causador da COVID-19 (SARS-CoV-2) nos recém-nascidos.

Ainda segundo Schwartz (2020), no início da pandemia houve dois relatos de infecção neonatal por SARS-CoV-19. Um envolvia uma criança diagnosticado aos dezessete dias de vida com histórico de contato próximo com dois infectados (mãe e babá), e o outro era um recém-nascido em que foi detectada a doença 36 horas após o parto. Para ambos os bebês não havia evidência direta de transmissão vertical (quando mãe contagia feto), de modo que a possibilidade de uma infecção pós-parto não pode ser descartada.

Uma missão conjunta da Organização Mundial de Saúde composta por 25 especialistas viajou para as regiões afetadas da China no final de Fevereiro, investigando 147 mulheres grávidas (64 casos confirmados, 82 suspeitos e 1 assintomático com COVID-19). Entre essas mulheres, 8% tinham doença grave e 1% teve condições críticas. A missão conjunta concluiu que mulheres grávidas não têm maior risco de desenvolver as formas graves da COVID-19 (SCHWARTZ, 2020).

Um artigo publicado em julho (GUPTA et al., 2020) manteve a conclusão de que a gravidez e o parto não mostraram alterar substancialmente a suscetibilidade ou o curso clínico da infecção por SARS-CoV-2. Os dados até aquele momento indicavam que a taxa de internação de gestantes em UTIs é semelhante à da população não grávida, e não foi relatado que mulheres grávidas com COVID-19 apresentassem complicações maternas graves. Entretanto, conforme Gupta et al., alguns estudos indicaram que havia um risco maior de parto prematuro. Nesse momento a possibilidade de transmissão vertical ainda era considerada incomum, mas havia alguns relatos.

Em dezembro, uma pesquisa realizada em 6 maternidades com casos de COVID-19 localizadas na Lombardia, norte da Itália (RONCHI et al., 2020), afirmou que a transmissão vertical ainda era discutida. Seu propósito era avaliar a segurança de manter mães e recém-nascidos juntos em caso da mãe ser testada positivo para a doença. A conclusão foi de que nenhuma evidência suporta a hipótese de que o alojamento conjunto e a amamentação são fatores de risco para a transmissão pós-natal do SARS-CoV-2 da mãe para o bebê.

Dos 62 recém-nascidos que participaram da pesquisa, só um deles testou positivo para COVID-19 até 20 dias depois do parto. Na maternidade, todas as mães tiveram que praticar métodos de prevenção e controle de infecção, como a lavagem das mãos, uso de máscara cirúrgica durante a amamentação e distanciamento físico (2 m) do bebê em todos os outros momentos. Conforme Kaufman e Puopolo (2020), nesse sentido, os estudos mais recentes corroboram a orientação da Associação Americana de Pediatria de permitir que mães potencialmente infectadas com COVID-19 possam cuidar de seus bebês (se tiverem condições físicas) no pós-parto se forem tomadas todas as medidas de proteção cabíveis.

A pandemia também mudou certas praticas relacionadas à gravidez e ao parto. Segundo PACHECO-ROMERO (2020), na medicina, e especialmente em obstetrícia e ginecologia, as consultas presenciais foram reduzidas ao mínimo. Consultas e exames pré-natais de rotina devem ser adiados em pacientes com suspeita ou confirmação de COVID-19 até após o período de auto-isolamento recomendado, mas, quando possível, devem ser feitas normalmente. Exames eletivos de ultrassonografia não devem ser realizados. Após o parto e para limitar a exposição, a alta acelerada pode ser apropriada quando a mãe e o bebê estão saudáveis. Os serviços de maternidade devem oferecer uma combinação de acompanhamento pós-natal presencial e remoto, de acordo com as necessidades da mãe e do recém-nascido.

Pacheco-Romero observa também que em alguns países, como o Peru, foi detectado um aumento da taxa de natimortos durante a pandemia, mas não é possível estabelecer uma conexão direta com a COVID-19. Efeitos indiretos da doença devem ser considerados também, como relutância em ir ao hospital quando era necessário ou a diminuição de exames e consultas pré-natais.

Segundo Alexandrova et al. (2021), até janeiro desse ano não há evidência suficiente para afirmar categoricamente a contaminação via leite materno. Embora o SARS-CoV-2 tenha sido detectado no líquido amniótico, no sangue do cordão umbilical e nas placentas de mulheres infectadas, a capacidade desse vírus de sofrer transmissão intrauterina ou transplacentária de grávidas infectadas para seus fetos não foi confirmada. Apesar disso, é preciso tomar cuidado com a forte possibilidade parcialmente demonstrada pelas pesquisas da infecção por SARS-CoV-2 estar relacionada com complicações graves na gravidez e um risco aumentado de morte fetal.

ALEXANDROVA, Radostina et al. The virus that shook the world: questions and answers about SARS-CoV-2 and COVID-19. Biotechnology & Biotechnological Equipment, v. 35, n. 1, p. 74-102, 2021.

GUPTA, Aakriti et al. Extrapulmonary manifestations of COVID-19. Nature medicine, v. 26, n. 7, p. 1017-1032, 2020.

KAUFMAN, David A.; PUOPOLO, Karen M. Infants Born to Mothers With COVID-19—Making Room for Rooming-in. JAMA pediatrics, 2020. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/2773307>.

SCHWARTZ, David A. An analysis of 38 pregnant women with COVID-19, their newborn infants, and maternal-fetal transmission of SARS-CoV-2: maternal coronavirus infections and pregnancy outcomes. Archives of pathology & laboratory medicine, v. 144, n. 7, p. 799-805, 2020.

QIAO, Jie. What are the risks of COVID-19 infection in pregnant women?. The Lancet, v. 395, n. 10226, p. 760-762, 2020.

PACHECO-ROMERO, José. La incógnita del coronavirus, la gestante, su niño–Continuación. Revista Peruana de Ginecología y Obstetricia, v. 66, n. 3, 2020.

RONCHI, Andrea et al. Evaluation of rooming-in practice for neonates born to mothers with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 infection in Italy. JAMA pediatrics, 2020. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/2773311>.