O povo precisa de engenharia

O povo precisa de engenharia

Alexandre Santos*

Há engenharia por toda a nossa volta. Nas casas, nos móveis, nos talheres, nos alimentos, nas ruas, nos transportes, enfim, em tudo. Naturalmente, numa sociedade mercantil como a nossa, o acesso à engenharia requer a disponibilidade de recursos e, nesta perspectiva, os mais ricos conseguem adquirir os produtos da engenharia em maior quantidade e melhor qualidade e, assim, desfrutar melhores condições de vida. De qualquer forma, independente da posição na escala social, todas as pessoas têm direito a patamares básicos de salubridade, segurança e conforto. Por isso, a exemplo do que ocorre nas áreas jurídica e de saúde, os pobres também precisam ser amparados nestas questões e ter garantido acesso a alguns bens de engenharia.

Acolhendo as linhas gerais deste princípio, depois de muita luta, a sociedade conseguiu que, em 24 de dezembro de 2009, o governo federal sancionasse a lei 11.888 – também chamada de Lei da Assistência Técnica Gratuita – , que, com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), garante às famílias com renda mensal de até três salários mínimos assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de ‘habitações de interesse social’.

Infelizmente, a Lei da Assistência Técnica Gratuita ainda é tabu em grande parte do País e o direito social à moradia previsto no art. 6º da Constituição Nacional permanece letra morta, condenando os mais pobres a desconfortos e riscos desumanos. Esta condição fica mais evidente por ocasião das catástrofes, quando a banda pobre da sociedade é a primeira a padecer e a última a reconstruir a vida.

Vale lembrar que, embora só as grandes catástrofes – como as provocadas pelo humor cíclico das intempéries – causem comoção geral, pequenas tragédias – como incêndios e alagamentos localizados – são frequentes e, sem que a maioria perceba, podem provocar prejuízos irreparáveis aos atingidos, especialmente aos miseráveis, que, em muitos casos, junto com a moradia, perdem os documentos, a cama, o colchão, o fogão, o bujão, a geladeira – vendo, de uma hora para outra, desaparecer tudo o que conseguiram acumular na vida. Nunca é demais lembrar que, embora em ambos os casos a reparação dos danos físicos requeiram a aplicação de engenharia – arte que dispõe instrumentos para a construção e reconstrução de rodovias, barragens, obras d’arte, casas, móveis, eletrodomésticos, etc. – nem sempre a reconstrução ocorre, pois, ao contrário do que ocorre nas grandes catástrofes quando a comoção geral mobiliza esforços e recursos para financiar obras e serviços, nas pequenas [catástrofes], talvez em função da menor dimensão e da grande frequência como ocorrem, as tragédias costumam passar desapercebidas na mídia e, incorporadas ao cenário social, os desditados ficam entregues a um deus-dará que afronta a dignidade da Pessoa Humana e o quadro de destruição perdura anos a fio.

Na realidade, tendo em vista o caráter previsível e reincidente das pequenas catástrofes – como incêndios provocados por curto-circuitos em gambiarras improvisadas, o alagamento de casas construídas em terrenos alagadiços ou a debacle de encostas nuas e íngremes –, muitas vidas seriam mantidas e muitos prejuízos evitados se a engenharia fosse aplicada corretamente, pois faíscas incendiárias não brotam de instalações elétricas bem feitas e casas não disputassem lugar com águas revoltas ou se equilibrassem em encostas perigosas.

A engenharia tem solução para a maior parte dos problemas, constituindo um elemento essencial para a conquista e preservação do bem estar social. Cabe, portanto, à sociedade exigir dos círculos decisórios a sua aplicação em quantidade e qualidade suficientes para garantir o desfrute mínimo dos bens de engenharia a todas as pessoas, independentemente da condição social.

Na atual quadra da história brasileira, sem prejuízo de outras medidas igualmente importantes, como a vistoria periódica das construções, a sociedade deve exigir o fiel cumprimento da Lei de Assistência Técnica Gratuita, abrindo caminho para uma vida mais confortável, segura e salubre para todos.

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural