A beleza das obras de engenharia

A beleza das obras de engenharia

Alexandre Santos*

As obras de engenharia possuem uma beleza especial. Por esta razão, mesmo quando se inserem na paisagem do cotidiano e ganham invisibilidade - fenômeno, de certa forma, injusto com aqueles que as conceberam e construíram -, permanecem vivas, como que animadas por algum tipo de alma. Este encanto decorre da beleza, interna e externa, que as obras de engenharia trazem desde o nascedouro (quando ainda estão na imaginação dos idealizadores e pranchetas dos projetistas) e desenvolvem ou adquirem à medida que ganham forma e uso. De fato, embora alguns só consigam atinar os fundamentos científicos e tecnológicos que as prendem ao mundo hermético da lógica, as obras de engenharia apresentam formas especiais de beleza, cumprindo padrões estéticos que associam o Belo, não apenas à plástica, mas, também, a outros atributos que lhes são inerentes.

A primeira das belezas percebidas nas obras de engenharia (especialmente pelo grande público) é consequência direta dos projetos arquitetônicos e diz respeito ao padrão estético que vincula o Belo àquilo que agrada aos sentidos. Por este critério, uma obra bonita é aquela que 'enche os olhos' do observador. É o caso, por exemplo, de construções como o Palácio do Planalto, em Brasília, o casario antigo do Recife Antigo e do sítio histórico de Olinda, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o museu Guggenheim, em Madri, obras cuja beleza enleva as pessoas e atrai turistas de todas as partes do mundo, servindo de cenário e pano-de-fundo para fotografias e cartões postais.

Naturalmente, embora possam ser caracterizadas pela beleza plástica, as obras de engenharia cumprem propósitos definidos - o que descarta, prontamente, a possibilidade objetiva da existência de uma impensável 'engenharia parnasiana' -, criando a ambiência na qual germina um outro tipo de beleza, talvez a mais apreciada pelos usuários. O tipo de beleza vinculada aos objetivos a que as obras de engenharia se propõem atende a padrão estético que define o Belo com base na funcionalidade e utilidade das coisas, estando, em maior ou menor escala, presente em todas elas, sendo decisiva para adjetivar construções como, por exemplo, o túnel Calais-Dover, que liga a França à Inglaterra sob o Canal da Mancha, no Atlântico Norte, e o sistema de metrô de Nova York, que, embora como um grande iceberg só se deixe ver nos pontos que aflora nas estações, rasga o subsolo da cidade metros abaixo do terrível congestionamento da superfície dando mobilidade à metrópole.

Nunca é demais lembrar que a construção de qualquer obra de engenharia envolve certo grau de dificuldade. Umas, como a construção de casas sobre terrenos planos e firmes, são de feitura simples, outras, no entanto, como a construção de estradas em regiões pantanosas ou montanhosas ou a instalação de plataformas de petróleo em mares profundos e revoltos, são extremamente complexas. Surge, então, um tipo de beleza associado a este aspecto, indicando ser a obra de engenharia tanto mais Bela quanto maiores forem os obstáculos vencidos para torná-la realidade. Numa outra forma de observar a obra de engenharia, o Belo pode ser relacionado, não à complexidade operacional, mas à complexidade científica dos cálculos que viabilizam tecnicamente a sua construção, indicando ser a beleza função do refino científico e tecnológico dos métodos construtivos. Neste caso, uma obra de engenharia será bela em função do nível de dificuldade vivido pelos calculistas que possibilitaram a sua construção, como expressa, por exemplo, a cúpula do senado federal, em Brasília.

Outros aspectos podem ser tomados como paradigma do Belo e usados para definir a beleza de uma obra de engenharia. O Belo pode, por exemplo, ser associado àquilo que aproxima o presente do futuro e, sob este prisma, a obra de engenharia será tanto mais bela quanto mais futurista for o seu projeto, como nos casos da Torre Eifel, em Paris, e a Burj Khalifa Bin Zayid, em Dubai.

Naturalmente, ao contrário da apuração de indicadores técnicos, a apreciação do Belo e, portanto, a elaboração de juízo de valor sobre a beleza de uma obra de engenharia, não está plantada no terreno previsível da lógica e, sim, no vasto campo da estética, assumindo, pois, um caráter passional intrinsecamente ligado às paixões individuais, que, por sua vez, refletem preferências em intensidades peculiares. Por isso, dificilmente há unanimidade sobre 'a obra mais bonita', especialmente se o universo de consulta for amplo e contemplar amostra diversificada da sociedade com a participação de técnicos e leigos, de beneficiários e não-beneficiários, etc. Aliás, além do fascínio exercido diferentemente sobre as pessoas, como consomem recursos sempre insuficientes para atender a todos os reclamos, independentemente do eventual portfólio de belezas nelas reconhecido, as obras de engenharia costumam estimular controvérsias, suscitando, no mínimo, críticas baseadas em custos de oportunidade que as confrontam com empreendimentos alternativos.

De qualquer forma, em meio às incertezas próprias das valorações não quantitativas sobre o patamar de excelência estética, não há qualquer dúvida de que, a depender do aspecto apreciado - apresentação plástica, objetivo, nível de complexidade técnica, grau de dificuldade operacional, inovação científica, avanço tecnológico, etc. etc. - as obras de engenharia apresentam belezas de diversos tipos, acolhendo e estimulando muitos conceitos e expressões do Belo. Para vê-las, basta olhar em volta, pois, misturadas às belezas naturais, o Planeta está pontilhado de belas obras de engenharia em diferentes graus das diversas manifestações do Belo. Umas são bonitas, outras são úteis, outras são futuristas, outras são ousadas, outras inovadoras, algumas, fruto de combinações mais largas ou mais estreitas de diversas expressões do Belo, chocam pela beleza múltipla ou escondem a beleza sutil carregada sob um manto de realidade. Tal como a obra de Deus, a obra do homem contribui para o embelezamento do universo, agregando ao legado herdado do Criador o quantum de virtude correspondente a cada uma das coisas que ele próprio constrói, pois, como respalda a definição do affair dos engenheiros, a engenharia tem o propósito de modificar as condições básicas da criação para ajustá-la aos interesses e conveniências do homem.

Nesta perspectiva, os engenheiros são parceiros menores do Criador e adicionar beleza à natureza, talvez seja a mais bela das missões cumpridas pelas engenharias.

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco e da Associação Brasileira de Engenheiros Escritores