Os significados dos Mitos
O Mito é um conceito de significado muito abrangente. Tanto pode designar uma moda passageira, um astro pop decadente ou um discurso. É uma “narrativa especial” (ROCHA, 1996). Qualquer dicionário pode colocá-lo até mesmo no patamar de uma fábula. Como as palavras possuem valores diversos em cada época, e portadoras de cargas semânticas variados, o termo acaba com diferentes aplicações. O Mito do cotidiano não é o mesmo das Ciências Humanas.
A terminologia da palavra Mito remonta aos gregos antigos, Mythos pode ser tanto “palavra”, como “o que se diz” e mesmo “narrativa”. Logo, esses eventos com ares fantásticos, onde animais e elementos da natureza passam por um processo de antropoformização eram repassados através da oralidade como narração de outrora. Esse era o recurso que os povos ágrafos dispunham para dar continuidade as suas tradições, costumes e regras. É uma explicação do mundo, das relações entre o homem e a natureza, e das relações humanas de modo geral (SÀEZ, 2002).
Com a evolução do processo civilizatório (formação de sistemas sociais complexos, com diversos níveis de estruturas e surgimento do Estado), muitos desses mitos passaram a ser coligidos em escritos. Os pioneiros a registrarem os seus próprios mitos foram os sumérios. Não à toa, A epopeia de Gilgamesh até hoje é estudada e lida como peça clássica da literatura universal. Outro bom exemplo desse registro é o Mahabharata, um poema épico hindu escrito em dísticos. O mesmo Mito pode surgir em diferentes sociedades, com pequenas variações: o dilúvio de Noé na Torá, e o dilúvio da mitologia grega.
Os mitos podem ter significados vários a partir do seu sistema de interpretação. Para um naturalista, o Mito é uma tradução poética da natureza; um historicista vê o Mito como crônica de um evento existente no tempo e no espaço; na Escola do Mito e do Ritual, ambos estão clivados; um funcionalista compreende o Mito através de sua função social; a psicanálise busca os traços do inconsciente contido nele etc. (Idem, 1996).
O estruturalismo, proposto pelo antropólogo Lévi-Strauss, analisa os mitos as luzes do seu sistema. De acordo com ele, o Mito, independente da tradução, permanece o mesmo (Idem, 1996). A estrutura básica define os valores de seus elementos particulares. A análise aqui parte do pressuposto dedutivo. É impossível entender o Mito sem encarar o seu todo. Para os historiadores contemporâneos, o Mito é uma fonte historiográfica. Paul Veyne credita-lhe um sentido aitiológico, ou seja, remonta a origem de algo ou alguém. Faz referência a eventos passados, fatos que realmente ocorreram, mas que são transmitidos por fábulas e alegorias, passadas de geração a geração pela oralidade.
Sendo o Mito registro de fatos passados, transmitidos a posterioridade de modo oral ou registrados em escrita, modo de interpretação da realidade e do homem, deve ser encarado e analisado sob outro viés que não o do binômio mentira/verdade. A Era Pós-Moderna cria os seus próprios mitos, embora esses sejam mais passageiros e esquecíveis. O Mito é uma forma possível de interpretar o mundo e estabelecer reflexões sobre a realidade que nos cerca.
Referências bibliográficas
BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Portugal: Publicações Europa América, 1983.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales 1929-1989: A revolução francesa da historiografia. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
REIS, José Carlos. A História, Entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo: Editora Ática, 1996.
ROCHA, Everardo. O que é mito. Editora Brasiliense, 1996.
SÁEZ, Oscar Calávia. A variação mítica como reflexão. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, vol. 45, nº 1, p. 07 – 36, 2002.
VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos? Ensaio sobre a imaginação constituinte. São Paulo: Brasiliense, 1984.