O Direito da Força Versus a Força do Direito Aeroespacial

​Em abril de 1998 o governo norte-americano divulgou o Plano de Longo Prazo do Comando Espacial Estadunidense (U.S. Space Command’s Long Range Plan - LRP) elaborado pelo Comando Espacial Estadunidense ( U.S. Space Command - USSC), Organização Militar sediada na Base Aérea de Peterson.- Colorado e comandada pelo General Howell M. Estes III. Não se trata, portanto, nem o plano, nem a OM, de ficção científica. Se o Direito, historicamente precede a Força, esta tacitamente já se concretizou. O plano pretende proteger a valorosa frota de artefatos orbitais que representa substancial parcela dos investimentos norte-americanos, e, por extensão, proteger a “mãe terra” (Harvesting Opportunity for Mother Earth - HOME www.missionhome.org).

​O LPR está disponível: www.spacecom.af.mil/usspace e congrega centenas, senão milhares de páginas, mas, em resumo, pretende, até 2020, que os EUA possam rotineiramente acessar o espaço orbital terrestre, proteger seus artefatos espaciais, impedir quaisquer ameaças a seus aliados, promover efetiva vigilância espacial do globo terrestre, prevenir ameaças naturais e humanas, e negar o acesso espacial aos inimigos, isto é, destruir outros artefatos.

​Manes criou na Pérsia do século III uma seita que convertida em doutrina influenciou filósofos e civilizações — “o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto e o mal absoluto ou o Diabo”.

​O maniqueísmo é patente: — Eu sou o bem e devo ser preservado, assim como meus amigos; quem não for meu aliado pertence ao mal e deve ser destruído.

​Vejamos o artigo de William B. Scott, de Colorado Springs, publicado na revista Aviation Week & Space Technology, de 13 de abril de 1998, pg. 30:

“PLANO CONFRONTA QUESTÕES DO CONTROLE ESPACIAL

​Revelado aqui na semana passada, o Plano de Longo Prazo do Comando Espacial Estadunidense não é apenas a primeira diretriz militar abrangente para moldar a capacidade de guerra espacial para o ano 2020, mas, também, uma clara declaração que o espaço tem se tornado o “centro de gravidade” da economia nacional que precisa ser protegido.

​O Plano de Longo Prazo (LRP) identifica os recursos, organizações, conceitos operacionais e tecnologias passíveis de escolha que devam ser desenvolvidos e disponíveis para apoiar os futuros planos de guerra dos Chefes do Estado-Maior Conjunto. Em harmonia com o papel do Comando Espacial Estadunidense (USSC), o plano apresenta o que é necessário e quando deve estar disponível para garantir a desejada capacidade no ano 2020, mas não especifica esquemas de implementação. Os mecanismos reais — o “como fazer” para inabilitar um satélite de reconhecimento inimigo, por exemplo, — são deixados para que os componentes espaciais do Exército, Marinha e Força Aérea desenvolvam e operem.

​O LRP enfatiza a necessidade de:

Integra as forças espaciais, terrestres, navais e aéreas.

Garantir que os EUA e seus aliados terão acesso ao espaço, bem como a liberdade de nele operar, assim como negar a um adversário o mesmo.

Aplicar a força a partir de e através do espaço.

Parceria com entidades comerciais, civis e industriais para alavancar e ampliar os sistemas espaciais militares.

​O LRP ostensivo é muito claro ao tratar — via linguagem áspera e direta — de assuntos até recentemente considerados politicamente muito sensíveis para o diálogo público. O texto do plano declara:

​“O tempo tem enfatizado, entre os guerreiros e os legisladores de política nacionais, a emergência do espaço como centro de gravidade para ( o Departamento de Defesa) e para a nação. Nós devemos consignar suficientes planejamento e recursos para proteger e intensificar nosso acesso ao espaço, bem como sua utilização. Embora tratados e dispositivos jurídicos internacionais possam refrear alguns dos conceitos e iniciativas do LRP, nossas habilidades espaciais manter-se-ão em pleno desenvolvimento à medida que nós nos devotarmos a esses importantes assuntos internacionais de ordem legal e política.”.

​De fato, a equipe que elaborou o LRP nele incluiu uma seção intitulada “Fora da Nossa Rota”, a qual lista 19 políticas, tratadas e acordos que precisam ser redefinidos antes que o Comando Espacial Estadunidense - USSC possa desincumbir-se de suas responsabilidades subordinadas ao Plano de Comando Unificado Estadunidense. Essa equipe recomendou ações que variam desde a revisão do tratado do Míssil Antibalístico objetivando permitir mais amplos tratados de “alerta-compartilhado” com outras nações e aliados de guerra para o estabelecimento de uma Política Internacional de Soberania Espacial (grifo nosso).

​O último tratado pretende definir o que se constitui numa “interferência nos sistemas espaciais” — sejam eles militares ou comerciais — e identificar como os EUA a ela responderiam. Outra política proposta orientaria como as forças militares fariam para “neutralizar” uma ameaça aos EUA e aos sistemas espaciais aliados. Essas políticas ajudariam a “condicionar a comunidade internacional a aceitar a existência de armamentos-baseados-no-espaço (grifo nosso) para a defesa face ameaças, em conformidade com a política nacional dos EUA,” como preceitua o LRP.

​O plano foi preparado segundo uma arquitetura que pressupunha as emergentes mudanças políticas, militares e tecnológicas fazendo do espaço um interesse vital para a nação norte-americana, e do comércio espacial um elemento crítico para a economia global. Seus escritores mencionaram que os EUA possuem cerca de US$ 100 bilhões investidos hoje no espaço, e, pelo ano 2000, outros US$ 500 bilhões serão mundialmente investidos. Mais de 1.100 empresas comerciais em 53 países estão desenvolvendo, manufaturando e operando sistemas espaciais.

​Esse explosivo crescimento dos empreendimentos comerciais espaciais é a energia diretora que moldará as políticas e forças espaciais estadunidenses (grifo nosso) a executá-los e dominá-los por volta do ano 2020. “No século XX, o óleo combustível (o construtor de riquezas) e as máquinas de guerra... e, então nós queríamos proteger os oleodutos para manter nossas indústrias (e economia) funcionando,” disse o Brigadeiro-General do Exército Alan D. Johnson, Diretor de Planejamento do USSC. “O século XXI será a era da informação. ‘Óleo’ é agora ‘informação’ e o espaço é o oleoduto. E nós precisamos estar preparados para manter esses oleodutos abertos simples e energicamente. Este é o conceito que fundamenta o controle espacial.” Johnson comandou a equipe de 18 homens/ano do projeto de desenvolvimento do Plano de Longo Prazo do Comando Espacial Estadunidense durante os últimos 10 meses.

​O LRP é construído sobre quatro conceitos operacionais:

Controle Espacial, que assegura aos EUA e seus aliados poderem acessar e operar livremente o espaço, enquanto nega a um adversário a mesma liberdade. Acesso assegurado requererá um confiável, rápido sistema de reabastecimento e lançamento, um veículo de operações espaciais (antigamente chamado de espaçonave militar), um sistema global de controle de tráfego espacial, uma rede de revezamento baseada no espaço para acessar qualquer satélite — qualquer que seja sua posição. “Negação”, o eufemismo para neutralizar uma capacidade do inimigo relativa ao espaço, pode variar desde ataques convencionais a uma estação de superfície até um preciso golpe contra um satélite. Dispositivos interferentes e de raios laser baseados no espaço e armas a microondas de alta potência são algumas das mais flexíveis opções para se degradar ou destruir um satélite, tanto temporária como permanentemente.

Emprego Global. Isso requer vigilância global para assegurar aos comandantes um “alerta situacional mundial” Também deve incluir defesa por míssil e uma “limitada habilidade para aplicar a força oriunda do espaço contra alvos de alto valor e sensíveis quanto ao fator tempo” conforme preceitua o LRP. Instrumentos de aplicação da força incluem extensão de sistemas de mísseis de defesa agora em desenvolvimento, Veículos de Operações Espaciais e plataformas espaciais equipadas com armamentos de microondas de alta potência. Cerca de 30% dos efeitos desejados dessas armas seriam não letais. Esta área necessitaria uma revisão na política nacional.

Integração Total da Força. Desde a educação de soldados, marinheiros e soldados da aeronáutica sobre as possibilidades espaciais, logo no início de suas carreiras, até o estabelecimento de novas políticas e doutrinas, o Departamento de Defesa integrará o espaço nas operações terrestres, navais e aéreas. Exercícios e modelagem/simulações deverão incorporar elementos espaciais e “significativos eventos espaciais… para incrementar o entendimento e a proficiência dos guerreiros sobre o que o espaço oferecerá para o combate,” declara o plano.

Parcerias Globais. Um tema recorrente em todo planejamento espacial militar nos dias de hoje, o conceito de “parceria” com entidades espaciais civis, comerciais e internacionais é baseada nas simples realidades tributárias — o Pentágono não pode suportar o financiamento de suas necessidades bélicas extra-orçamentárias e o segmento comercial do setor espacial está em florescimento.

Quando trabalhavam com agências governamentais e companhias comerciais, os elaboradores do LRP reconheceram que a parceria é um “excitante novo conceito,” disse o Gen. Johnson. Comentários sobre o LRP são bem-vindos, e estão dispostos por completo no website da USSC na Internet: www.spacecom.af.mil/usspace.

​Para que não haja dúvidas sobre os objetivos do Plano de Longo Prazo, seria pertinente e importante investir nossa atenção na leitura de um artigo assinado pelo próprio Comandante-em-Chefe do Comando de Defesa Aeroespacial Norte-americano e do Comando Espacial Estadunidense e Comandante do Comando Espacial da Força Aérea, sediada na Base Aérea de Peterson, Colorado, General Howell M. Estes III, escrito sob convite da Missão HOME (Harvesting Opportunity for Mother Earth, algo como oportunidade de colheita de resultados para a Mãe Terra), uma iniciativa nacional para reacender o entusiasmo dos empreendedores espaciais norte-americanos (www.missonhome.org).

Protegendo os Investimentos Americanos no Espaço

Espaço. As possibilidades são infinitas — mas lá existem perigos. À medida que exploramos as máximas possibilidades do espaço, devemos, também, estarmos prontos para ali proteger nossos interesses e liberdade.

Quando o Presidente Kennedy proferiu seu famoso compromisso de por um homem na Lua, nós não podíamos imaginar quão longe o espaço nos levaria. Hoje, nós estamos explorando os planetas exteriores e construindo uma estação espacial internacional, enquanto centenas de satélites circulam o globo.

Cerca da metade desses 600 ou mais satélites são norte-americanos. Eles representam um investimento de mais de US$ 100 bilhões. O U.S. News and World Report estima que nós gastaremos mais de US$ 250 bilhões no espaço pelo ano 2000, e outros 1.800 satélites estarão em órbita ao final da próxima década. Este “skyrocketing” (vertiginoso) investimento deve ser protegido — contra ameaças naturais e humanas, acidentais e intencionais.

Além dos aspectos econômicos, nós, os que vestimos a farda, passamos a aquilatar completamente o valor do espaço durante a Guerra do Golfo. Nós utilizamos os satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS) para guiar armamentos de precisão e navegar em terreno desconhecido, frequentemente descaracterizados (sem pontos de referência). Satélites com telescópios infravermelhos enxergavam o débil calor dos mísseis SCUD a mais de 22.000 milhas de distância, permitindo-nos, assim, alertar nossas tropas e aliados. Satélites meteorológicos, de comunicações e de inteligência contribuíram em muitas e inestimáveis maneiras para o sucesso de nossas operações pelo mundo afora.

Os satélites fazem muito mais hoje do que apenas nos ajudar a defender os interesses norte-americanos. Satélites comerciais de comunicações mantêm nossas instituições financeiras conectadas... e trazem a Super Bowl (Super Copa de Basquete) para nossos lares. Satélites meteorológicos nos dizem quando tempestades violentas ameaçam nossas casas e entes queridos... e para quando devemos planejar o piquenique da família. As imagens dos satélites monitoram as variações climáticas... e auxiliam os fazendeiros a melhor usarem suas terras para produzir comida para nossas mesas. Os mesmos satélites do GPS que dizem às nossas forças militares exatamente onde elas se encontram em qualquer lugar do mundo, também mantêm as aeronaves comerciais na rota... e mapeiam a direção para os motoristas em nossas auto-estradas.

O espaço nos provê de tantos serviços que agora estamos confiantes nele. Posto simplesmente, o espaço esta se tornando um interesse vital para a nação — na era da informação que estamos entrando, não é menos importante que o petróleo o é para o nosso mundo de hoje. E, assim como a disponibilidade de petróleo foi usada contra este país durante o embargo de petróleo nos anos 70, esta nova fonte de força nacional também pode se tornar uma vulnerabilidade.

Qualquer ameaça contra nosso uso do espaço é uma ameaça à nossa segurança nacional. É aqui que os militares norte-americanos devem realizar um importante papel: assim como nós temos mantido a segurança nacional e econômica, na terra, no mar e no ar, por mais de 200 anos, nós devemos estar preparados para defender nossos interesses no espaço amanhã.

Nós precisamos desenvolver meios de proteger nosso investimento no espaço contra as ameaças que se desenvolvem rapidamente. Desde os golpistas de computadores (hackers) intrometendo-se com satélites, passando pela interferência eletrônica de sinais de satélite, até os armamentos anti-satélite propriamente ditos — já existem métodos criados pelo homem para desafiar a América no espaço.

Nossos satélites também enfrentam uma diferente ameaça — escombros espaciais. Existem mais de 8.000 objetos orbitando a Terra a 17.000 milhas por hora. Noventa por cento disso é lixo. Hoje nós podemos ver e rastrear objetos do tamanho aproximado de uma bola de softbol ou maiores que isso. À medida que o numero de satélites cresce, o dispendioso prejuízo causado por colisões entre os custosos satélites em serviço e o imprestável lixo espacial torna-se inevitável.

O primeiro passo para a proteção de nossos satélites deve ser o de melhorar nossa habilidade de enxergar o que esta acontecendo no espaço. Nós precisamos detectar e monitorar objetos com pelo menos a metade do tamanho daqueles que podemos ver atualmente. Nossos satélites precisam ser aptos a sobreviverem após colisões com sucatas que não podemos ver — e desviarem da rota daqueles entulhos que nós já conseguimos enxergar. Hoje, a primeira indicação de que um satélite sofreu uma avaria é somente obtida quando ele para de funcionar. Nós precisamos instalar neles sensores que nos digam se os satélites foram danificados por raios solares, escombros ou por alguém da Terra.

Para que possamos proteger nossos ativos espaciais e assegurar que nós recebamos a nossa recompensa do espaço, as comunidades espaciais militares, civis, comerciais e internacionais devem trabalhar juntas. Nós já saboreamos os frutos dos sistemas espaciais e temos desenvolvido um voraz apetite por eles. (sic). Mas nenhum de nós possui uma contracorrente bancária suficientemente grande para pagar a conta sozinho.

Com as Forças Armadas, outras agências governamentais, o mundo empresarial e os nossos aliados trabalhando todos juntos como parceiros, nós poderemos alavancar mutuamente nossos investimentos para reduzir o custo do espaço para cada um de nós.

Nós devemos e iremos continuar explorando e desenvolvendo o espaço — trazendo para casa os benefícios para nos ajudar aqui na Terra. Mas enquanto assim fizermos, não podemos nos esquecer de alocar alguns recursos limitados — não muito diferente de quando compramos uma apólice de seguros — para proteger nosso investimento.

​A reflexão sobre esse fato — a necessidade norte-americana de domínio espacial — pode gerar as mais diversas reações, exceto a indiferença. Civilizados que temos a pretensão de assim nos rotular, buscamos nos princípios basilares do Direito os fundamentos filosóficos ou jurídicos que possam lastrear o LPR.

​O Direito Espacial emergiu do campo da ficção e da visão profética dos pioneiros — como o advogado Mandl que na década de 1930 já defendia a sua futura existência — com a criação do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Cósmico - COPUS. Seu comitê jurídico desenvolveu 7 doutrinas a respeito.

​Nossa geração assiste a alucinante marcha dos acontecimentos que particularmente afetam a ocupação espacial: confronto EUA versus URSS (1980), Projeto Guerra nas Estrelas (1983), nova liderança soviética (1985), desaparecimento da URSS (1991), Guerra do Golfo (1991) e, agora, o Long Range Plan.

​A corrente monista do Direito o entende como sendo uno e universal. O Direito Interno Público e Privado tem total supremacia sobre o Direito Internacional. Fundamentado no conceito de poder jurisdicional, o povo renuncia a parcela substancial de seu poder individual entregando-o ao Estado. Este, segundo Montesquieu, detém um poder-dever, cuja jurisdição vai até onde possa o Estado estender o seu Direito.

​Poderia um Estado submeter o Direito Interno de seus cidadãos que pretendam lançar à órbita terrestre um satélite geoestacionário projetado sobre seu próprio território a uma clearence do Departamento de Defesa de um outro Estado? Nesta linha de pensamento, por precaução, as teses acadêmicas sobre a mecânica celeste deveriam obter o competente nihil obstat duma Universidade daquele outro Estado. E, por que não selar o Manual de Operações daquele hipotético satélite de coleta de dados científicos com o imprimatur da Imprensa Técnica do já citado outro Estado?

​Por outro lado, a corrente dualista defende a existência e supremacia do Direito Externo sobre o Direito Interno somente quando o Estado, através de sua Corte Suprema, emite o exequatur (CF88, art. 102) ou se torna signatário de Convenções Internacionais, sejam elas bi ou multilaterais. Em suma, cada Estado é um ente de per si. A efetividade de uma decisão é limitada à sua jurisdição.

​Segundo essa corrente de pensamento jurídico, um poderoso Estado não poderia restringir o uso, nem impor sanções penais a quem se aventurasse no espaço sideral, salvo se sua jurisdição se estendesse aos confins do Cosmo, ao Infinito, indo muito Além da Imaginação...

​Se o tema é infinito, este artigo não pode sê-lo. Valho-me das palavras da eminente Dra. Paula Miranda da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial - SBDA para interromper temporariamente esse indigno exercício da arte de pensar:

“ É fundamental que nossa sociedade

desperte para a importância da

comercialização das atividades espaciais

no Brasil, reconhecendo as amplas

perspectivas que ela representa para

o desenvolvimento

econômico, científico,

jurídico e social

para a

humanidade.”“.