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As placas tectônicas ajudaram a tornar a Terra habitável, mas processo ainda é misterioso
 
Joshua Stevens, Sandwell, D. et al., NASA via The New York Timespinit_fg_en_rect_red_28.png
 
Mapa de placas tectônicas no Oceano Índico baseado em dados do campo gravitacional da Terra, mostrando anomalias gravitacionais do fundo do marImagem: Joshua Stevens, Sandwell, D. et al., NASA via The New York Time
"EXCLUSIVO PARA ASSINANTES UOL"-TRANSCRIÇÃO.

Natalie Angier
19/12/2018 00h01
A teoria das placas tectônicas é um dos grandes avanços científicos de nossa era, ao lado da teoria da evolução de Darwin e da teoria da relatividade de Einstein.
A ideia de que a crosta da Terra está dividida em pedaços gigantes de um quebra-cabeça, ou placas, todas deslizando sobre um tipo de esteira transportadora de rocha quente e mole, aqui se erguendo do manto que se encontra por baixo, ali mergulhando de volta nele, explica muito sobre a estrutura e comportamento de nosso planeta: as montanhas e os desfiladeiros nos oceanos, os terremotos e vulcões, a própria composição do ar que respiramos.
Mas o sucesso não é uma garantia contra a crise da meia-idade, de modo que meio século após os mecanismos básicos das placas tectônicas terem sido elucidados, os geólogos estão confrontando lacunas surpreendentes em seu entendimento básico de um conceito que se encontra nas fundações de sua profissão.
Eles estão discutindo quando, exatamente, todo o sistema de placas móveis teve início. Ele é quase tão antigo quanto o próprio planeta, isto é, aproximadamente 4,5 bilhões de anos, ou um jovem de 1 bilhão de anos, ou algo intermediário?
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Estão perguntando o que fez a crosta rachar para começar, e como teve início a industriosa reciclagem da crosta terrestre.
E comparam a Terra com seu planeta irmão, Vênus. Os dois mundos são aproximadamente do mesmo tamanho e feitos de material rochoso semelhante, porém a Terra tem placas tectônicas e Vênus não. Os cientistas querem saber por quê.
"Nos anos 60 e 70, quando as pessoas apresentaram a noção das placas tectônicas, elas não pensaram em como era no passado distante", disse Jun Korenaga, um geofísico da Universidade de Yale.
"As pessoas estavam tão ocupadas tentando provar as placas tectônicas olhando para a situação presente, ou estavam absortas aplicando o conceito aos problemas em seu próprio campo. A questão da origem é um debate bem mais recente."
Os pesquisadores também estão explorando o elo entre as placas tectônicas e a evolução da vida complexa. Colisões continentais oportunas podem ter fornecido nutrientes cruciais em momentos chave de inventividade biológica, como a lendária explosão Cambriana há 500 milhões de anos, quando os ancestrais das formas de vida modernas surgiram.
"A conexão entre os processos profundos da Terra e a biologia na superfície da Terra não foi pensada claramente no passado, mas isso está mudando", disse Aubrey Zerkle, uma geoquímica da Universidade de Saint Andrews, na Escócia.
Está cada vez mais óbvio que "é preciso de placas tectônicas para sustentar a vida", acrescentou Zerkle. "Se não houver uma forma de reciclar o material entre o manto e a crosta, todos os elementos que são cruciais para a vida, como o carbono, o nitrogênio, fósforo e oxigênio, acabam presos nas rochas e permanecem ali."
Robert Stern, um geocientista da Universidade do Texas, em Dallas, argumenta que se estivermos à procura de outro planeta para colonizar, vamos querer evitar aqueles com sinais de atividade de placas tectônicas. Esses são os lugares onde a vida provavelmente terá evoluído além de "seres unicelulares ou em estágio de verme, e não vamos querer lutar com outra civilização tecnológica pelo planeta dela".
'Uma forma relativamente benigna da Terra dissipar calor'
A ideia de que os continentes não são fixos, mas sim peregrinam pelo globo, data de vários séculos atrás, quando os cartógrafos começaram a notar como as várias massas de terra eram complementares, por exemplo, a forma como a protuberância do nordeste da América do Sul parece poder se encaixar na costa em concha do sudoeste da África.
Mas foi apenas em meados do século 20 que a noção genérica da "deriva continental" foi transformada em uma teoria plena, completa com evidência de um motor subterrâneo movendo essas odisseias continentais.
Os geólogos determinaram que a camada externa da Terra está dividida em oito ou nove grandes segmentos e cinco ou seis menores, uma mistura de placas oceânicas densas, relativamente finas, se movendo por baixo, e placas continentais mais espessas, mais leves, balançando acima.
Em grandes fissuras no leito oceânico, a rocha derretida do manto por baixo se ergue, se somando às placas oceânicas. Em outros pontos de fratura na crosta, as placas oceânicas mergulham de volta para dentro, ou em subducção, com sua massa devorada pelas entranhas quentes do manto.
As placas continentais acima são igualmente sacudidas pela atividade do magma abaixo, deslizando em um ritmo médio de cerca de 2,5 cm a 5 cm por ano, às vezes se chocando para formar, digamos, a cadeia montanhosa dos Himalaias, ou se separando no Vale da Grande Fenda na África.
Toda essa convecção borbulhante e reciclagem entre crosta e manto, essa destruição criativa e reconstrução de partes ("tectônica" vem da palavra grega para construir) é a forma da Terra seguir a segunda lei da termodinâmica. O movimento dissipa no frio do espaço o vasto calor interno que o planeta armazenou desde sua violenta formação.
E apesar de se moverem, as placas podem parecer inerentemente não confiáveis, uma fundação ruim na qual criar uma família, porém o resultado final oferece um grau surpreendente de estabilidade. "As placas tectônicas são uma forma relativamente benigna da Terra dissipar calor", disse Peter Cawood, um cientista da Terra da Universidade Monash, na Austrália.
"Você tem alguns eventos catastróficos em áreas localizadas, como terremotos e tsunamis", ele acrescentou. "Mas o mecanismo permite que a Terra mantenha de forma geral um ambiente mais estável e mais benigno."
A água é constantemente reciclada entre o manto e a crosta
No lado oposto do debate da origem está Stern, que argumenta que as placas tectônicas têm apenas um bilhão de anos ou menos, e que a Terra passou seus primeiros 3,5 bilhões de anos com uma simples "tampa única" como sua camada externa: uma crosta repleta de vulcões e outros meios de ventilação do calor, mas sem placas móveis, sem subducção, sem reciclagem entre o interior e o exterior.
A maioria dos geólogos opta por uma ideia intermediária. "A ciência é um processo democrático", disse Michael Brown, um geólogo da Universidade de Maryland e editor de uma edição sobre o tema, "e a visão predominante é que a Terra começou a exibir comportamentos que parecem de placas tectônicas entre 2,5 bilhões a 3 bilhões de anos atrás".
De forma significativa, essa cronologia descasa as placas tectônicas da origem da vida na Terra: evidência dos primeiros organismos unicelulares data de mais de 3,6 bilhões de anos. Todavia, os cientistas veem as placas tectônicas como vitais para a evolução sustentada dessa vida primordial.
A atividade das placas tectônicas não ajudou apenas a estabilizar o sistema de gestão de calor da Terra. O movimento manteve um fornecimento constante de água viajando entre o manto e a crosta, em vez de evaporando gradualmente na superfície.
Ela bloqueou o acúmulo perigoso de gases do efeito estufa na atmosfera, ao sugar o excesso de carbono do oceano e o levando por subducção para o subsolo. Ela abalou montanhas e pulverizou rochas, liberando minerais e nutrientes essenciais como fósforo, oxigênio e nitrogênio para uso no crescente carnaval da vida.
 
Tradutor: George El Khouri Andolfato