TEORIA DA CONSPIRAÇÃO ou A HORA DA SENSATEZ?
A questão que mais aflige os ambientalistas de plantão nesta transição de governo ao final de 2018 é a do desmatamento, particularmente na Amazônia. Refletindo sobre o tema não tenho receio em afirmar: desmatar com responsabilidade é necessário; o Brasil precisa urgentemente melhorar seu desempenho econômico, equilibrar suas contas, buscar superávits e aumentar a empregabilidade. Sem usar seus recursos naturais isso é praticamente impossível e é absurdamente incomum se encontrar gigantes na economia (exemplos de Cingapura e Hong Kong) que sejam pobres nesses recursos.
Poderia ainda mencionar Gibraltar, Taiwan, Suíça e até mesmo Bélgica e encerrar aqui com um “tudo bem, são países muito pequenos, cujas economias são baseadas em produção e exportação de alta tecnologia ou em explorar recursos turísticos”. Mas aí vem o exemplo do Japão, sólida e respeitada potência econômica mundial assentada num crescimento industrial consistente. O país tem um dos mais altos padrões de vida do mundo, mesmo com recursos naturais limitadíssimos, paupérrimo na produção de hidrocarbonetos, completamente insuficiente em recursos hídricos e carente de reservas de minerais metálicos – logo esse país, consagrado por poderosa indústria naval e automobilística.
O Brasil teria essa mesma capacidade? Esqueçam. Herdamos da tradição ibérica a sanha de buscar na terra e não nos cérebros os caminhos do desenvolvimento. Durante séculos vivemos explorando pau-brasil, cana de açúcar, ouro, diamantes (e agora os minérios de ferro e nióbio) para pagar as contas, sem investir em justiça social, desenvolvimento, cultura e tecnologia. E este é o nosso legado.
Dentre meus interlocutores mais esclarecidos a variedade alcança desde os conformados até os exaltados, passando pelos preocupados. As duas questões que pontuam com maior ênfase decorrem naturalmente da importância da agropecuária brasileira e da produção de gases de efeito estufa. Ambas estão na rota de colisão com pronunciamentos de Bolsonaro: o presidente eleito vem afirmando que não quer um xiita no comando da pasta do Meio Ambiente e nem ver o Ibama multando a torto e a direito. São afirmações extremamente vagas, diria mesmo pontuais, para um problema muito complexo.
O ministro anunciado da área já chega sob fogo cruzado, muito antes do discurso de posse. Desagrada aos contestadores por tudo, desde por sua formação (advogado) até o apoio da banca ruralista. Culmina o fato de ser réu por improbidade administrativa e de, alegadamente, não ter sido bem sucedido como Secretário de Meio Ambiente de São Paulo. Mas quem afirma isso é a imprensa, sempre de mau-humor em relação a qualquer coisa. A conservadora ONG WWF-Brasil se mantém na sensata posição de esclarecer o papel que cabe ao Ministério do Meio Ambiente (e portanto ao titular da pasta): diálogo com a sociedade, haja vista que “o direito a um meio ambiente saudável se aplica a todos”.
A questão que se levanta para “despreocupar os preocupados” é que as nuvens que pairam em seus espíritos são as mesmas que têm existido desde sempre no Brasil apesar dos acordos assinados: o desmatamento na Amazônia tem cheiro de ilegalidade e sobrevive por causa da impunidade. A justiça brasileira tem andado muito ocupada nos últimos anos, mas não exatamente com isso. Mesmo assim, só quem convive com a intimidade do Meio Ambiente nas últimas duas décadas entende como as coisas melhoraram. Muito disso em razão das multas, sim. É a única lição pedagógica que alcança os brasileiros, desde o trânsito até a malversação de recursos públicos.
Estou entre os que acreditam que os gases de efeito estufa podem ser considerados fatores importantes na elevação da média de temperatura terrestre – o objetivo do Acordo de Paris é limitar este aumento a 1,5ºC acima dos níveis existentes na sociedade pré-industrial, final do século XVIII. Se tivéssemos uma política de desenvolvimento consistente e não oportunista e casuística, entenderíamos que há muitas evidências no sentido de demonstrar a correlação entre poluição atmosférica e aumento de temperatura.
Outros, os signatários das teorias conspiratórias, preferem pagar para ver. São estes os que enxergam que tudo é manipulação, como se ainda vivêssemos no mundo de ingênuos e mal informados da primeira metade do século XX. Temos o sensato direito de adotar a precaução em caso de dúvida e até mesmo por falta de provas em contrário – dentre as quais se discute a falta de dados climáticos e um melhor entendimento do paleoclima.
O Brasil não é uma pobre galinha pintadinha no meio de poderosos falcões poluidores. Não está pareado com os grandes, mas também não se afasta muito deles. Quando se listam os dez maiores, lá está ele, acompanhando EUA, China, Rússia, Índia, Japão, Alemanha, Canadá, Coréia do Sul e México. Juntos, “nós” somos responsáveis por 18% das emissões globais. E o que isso tem a ver com o desmatamento?
Entra aí a tal da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada em 1992 durante a RIO92, talvez a mais importante Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento já realizada. O Brasil a reconheceu em 1994 através do Decreto Legislativo nº 2, onde estabeleceu sua aprovação no Artigo 1º. Pois bem, no parágrafo único desse artigo está escrito que quaisquer atos que resultem em revisão da referida Convenção estarão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. Sim, isso não está na vontade do Presidente, do Ministro ou de quem quer que seja – a menos que o Congresso decida em contrário ao que está convencionado.
É verdade que logo na sua introdução a CDB estabelece que “os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos”, o que justifica um pouco tanta preocupação; mas também estabelece que “os Estados são responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela (sua) utilização sustentável”.
Mais ainda: com inegável clareza demonstra preocupação com a sensível redução da diversidade biológica causada “por determinadas atividades humanas”. Quais? O recado não cai em absoluto vazio, pois o primeiro vilão já consta da lista negra desde a nossa Constituição de 1968: a Mineração. E, atualmente, sobejamente superada pela Agropecuária. E aí residem duas graves preocupações decorrentes do “desmatamento irresponsável”: a fragmentação dos corredores ecológicos e as alterações climáticas.
Antônio Nobre, ilustre pesquisador do INPA e do INPE atribui à Floresta Amazônia um papel de relevo na manutenção do clima ameno no coração do continente sul-americano. E, particularmente quanto ao sudeste brasileiro, as condições climáticas só puderam ser sustentadas após a destruição da Mata Atlântica graças à existência da ainda significativa preservação daquele bioma, cujo funcionamento como “regulador do clima” é incontraditório.
É claro que a diversidade biológica tem imenso valor agregado e só os muito tolos não conseguem entender tal importância. No conhecimento humano ainda há muito que aprender sobre as relações da DB com a ecologia, genética, socioeconomia e ciências da natureza. Ademais a diversidade biológica também está presente na Educação Ambiental e nas artes cênicas e pintura, na recreação e turismo em parques naturais, na fotografia e na contemplação. A sua conservação deveria ser, de fato, uma preocupação de todos os homens. Mas acredita-se que no mundo atual não há mais razões para duvidar que a humanidade assuma o compromisso irresponsável de destruí-la.
O Brasil é visto, com rara expectativa mundial, de se transformar em celeiro do mundo e, conscientemente, não pode abrir mão dessa prerrogativa. O primeiro passo de um país rico e próspero é começar por uma agropecuária forte e organizada; grande geradora de empregos e renda, excepcional multiplicadora dos fatores de produção, é uma das poucas coisas no Brasil que podem ser chamadas de sucesso. Por que destruí-la? O avanço da fronteira agrícola que foi iniciada nos anos 1970 com o Ministro Alysson Paulinelli é decantado como a segunda etapa (logo após a fundação de Brasília) da interiorização do país. A riqueza do Brasil profundo não existiria sem essas iniciativas, mas com uma ressalva: elas quase destruíram o Cerrado brasileiro.
Ademais, as questões geopolíticas que levaram os governos militares a uma ocupação desordenada da Amazônia brasileira com medo de sua internacionalização parecem preocupações superadas. Um punhado de ONGs picaretas sobrevive por lá, muitas tratando de atividades clandestinas e mal fiscalizadas, ora praticando biopirataria, ora mapeando recursos minerais, atividades que deveriam estar sendo pesquisadas pela CPRM e fiscalizadas pelo DNPM.
O mundo já não comporta mais os gestos de irresponsabilidade. Tudo na vida é uma questão de estratégia, mas nas ciências da natureza as falhas estratégicas repercutem e reverberam por longos ciclos de tempo até que se perdem as relações com a origem os fatos e todos se perguntam: “mas o que foi que aconteceu?”
Poderia ainda mencionar Gibraltar, Taiwan, Suíça e até mesmo Bélgica e encerrar aqui com um “tudo bem, são países muito pequenos, cujas economias são baseadas em produção e exportação de alta tecnologia ou em explorar recursos turísticos”. Mas aí vem o exemplo do Japão, sólida e respeitada potência econômica mundial assentada num crescimento industrial consistente. O país tem um dos mais altos padrões de vida do mundo, mesmo com recursos naturais limitadíssimos, paupérrimo na produção de hidrocarbonetos, completamente insuficiente em recursos hídricos e carente de reservas de minerais metálicos – logo esse país, consagrado por poderosa indústria naval e automobilística.
O Brasil teria essa mesma capacidade? Esqueçam. Herdamos da tradição ibérica a sanha de buscar na terra e não nos cérebros os caminhos do desenvolvimento. Durante séculos vivemos explorando pau-brasil, cana de açúcar, ouro, diamantes (e agora os minérios de ferro e nióbio) para pagar as contas, sem investir em justiça social, desenvolvimento, cultura e tecnologia. E este é o nosso legado.
Dentre meus interlocutores mais esclarecidos a variedade alcança desde os conformados até os exaltados, passando pelos preocupados. As duas questões que pontuam com maior ênfase decorrem naturalmente da importância da agropecuária brasileira e da produção de gases de efeito estufa. Ambas estão na rota de colisão com pronunciamentos de Bolsonaro: o presidente eleito vem afirmando que não quer um xiita no comando da pasta do Meio Ambiente e nem ver o Ibama multando a torto e a direito. São afirmações extremamente vagas, diria mesmo pontuais, para um problema muito complexo.
O ministro anunciado da área já chega sob fogo cruzado, muito antes do discurso de posse. Desagrada aos contestadores por tudo, desde por sua formação (advogado) até o apoio da banca ruralista. Culmina o fato de ser réu por improbidade administrativa e de, alegadamente, não ter sido bem sucedido como Secretário de Meio Ambiente de São Paulo. Mas quem afirma isso é a imprensa, sempre de mau-humor em relação a qualquer coisa. A conservadora ONG WWF-Brasil se mantém na sensata posição de esclarecer o papel que cabe ao Ministério do Meio Ambiente (e portanto ao titular da pasta): diálogo com a sociedade, haja vista que “o direito a um meio ambiente saudável se aplica a todos”.
A questão que se levanta para “despreocupar os preocupados” é que as nuvens que pairam em seus espíritos são as mesmas que têm existido desde sempre no Brasil apesar dos acordos assinados: o desmatamento na Amazônia tem cheiro de ilegalidade e sobrevive por causa da impunidade. A justiça brasileira tem andado muito ocupada nos últimos anos, mas não exatamente com isso. Mesmo assim, só quem convive com a intimidade do Meio Ambiente nas últimas duas décadas entende como as coisas melhoraram. Muito disso em razão das multas, sim. É a única lição pedagógica que alcança os brasileiros, desde o trânsito até a malversação de recursos públicos.
Estou entre os que acreditam que os gases de efeito estufa podem ser considerados fatores importantes na elevação da média de temperatura terrestre – o objetivo do Acordo de Paris é limitar este aumento a 1,5ºC acima dos níveis existentes na sociedade pré-industrial, final do século XVIII. Se tivéssemos uma política de desenvolvimento consistente e não oportunista e casuística, entenderíamos que há muitas evidências no sentido de demonstrar a correlação entre poluição atmosférica e aumento de temperatura.
Outros, os signatários das teorias conspiratórias, preferem pagar para ver. São estes os que enxergam que tudo é manipulação, como se ainda vivêssemos no mundo de ingênuos e mal informados da primeira metade do século XX. Temos o sensato direito de adotar a precaução em caso de dúvida e até mesmo por falta de provas em contrário – dentre as quais se discute a falta de dados climáticos e um melhor entendimento do paleoclima.
O Brasil não é uma pobre galinha pintadinha no meio de poderosos falcões poluidores. Não está pareado com os grandes, mas também não se afasta muito deles. Quando se listam os dez maiores, lá está ele, acompanhando EUA, China, Rússia, Índia, Japão, Alemanha, Canadá, Coréia do Sul e México. Juntos, “nós” somos responsáveis por 18% das emissões globais. E o que isso tem a ver com o desmatamento?
Entra aí a tal da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada em 1992 durante a RIO92, talvez a mais importante Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento já realizada. O Brasil a reconheceu em 1994 através do Decreto Legislativo nº 2, onde estabeleceu sua aprovação no Artigo 1º. Pois bem, no parágrafo único desse artigo está escrito que quaisquer atos que resultem em revisão da referida Convenção estarão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. Sim, isso não está na vontade do Presidente, do Ministro ou de quem quer que seja – a menos que o Congresso decida em contrário ao que está convencionado.
É verdade que logo na sua introdução a CDB estabelece que “os Estados têm direitos soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos”, o que justifica um pouco tanta preocupação; mas também estabelece que “os Estados são responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela (sua) utilização sustentável”.
Mais ainda: com inegável clareza demonstra preocupação com a sensível redução da diversidade biológica causada “por determinadas atividades humanas”. Quais? O recado não cai em absoluto vazio, pois o primeiro vilão já consta da lista negra desde a nossa Constituição de 1968: a Mineração. E, atualmente, sobejamente superada pela Agropecuária. E aí residem duas graves preocupações decorrentes do “desmatamento irresponsável”: a fragmentação dos corredores ecológicos e as alterações climáticas.
Antônio Nobre, ilustre pesquisador do INPA e do INPE atribui à Floresta Amazônia um papel de relevo na manutenção do clima ameno no coração do continente sul-americano. E, particularmente quanto ao sudeste brasileiro, as condições climáticas só puderam ser sustentadas após a destruição da Mata Atlântica graças à existência da ainda significativa preservação daquele bioma, cujo funcionamento como “regulador do clima” é incontraditório.
É claro que a diversidade biológica tem imenso valor agregado e só os muito tolos não conseguem entender tal importância. No conhecimento humano ainda há muito que aprender sobre as relações da DB com a ecologia, genética, socioeconomia e ciências da natureza. Ademais a diversidade biológica também está presente na Educação Ambiental e nas artes cênicas e pintura, na recreação e turismo em parques naturais, na fotografia e na contemplação. A sua conservação deveria ser, de fato, uma preocupação de todos os homens. Mas acredita-se que no mundo atual não há mais razões para duvidar que a humanidade assuma o compromisso irresponsável de destruí-la.
O Brasil é visto, com rara expectativa mundial, de se transformar em celeiro do mundo e, conscientemente, não pode abrir mão dessa prerrogativa. O primeiro passo de um país rico e próspero é começar por uma agropecuária forte e organizada; grande geradora de empregos e renda, excepcional multiplicadora dos fatores de produção, é uma das poucas coisas no Brasil que podem ser chamadas de sucesso. Por que destruí-la? O avanço da fronteira agrícola que foi iniciada nos anos 1970 com o Ministro Alysson Paulinelli é decantado como a segunda etapa (logo após a fundação de Brasília) da interiorização do país. A riqueza do Brasil profundo não existiria sem essas iniciativas, mas com uma ressalva: elas quase destruíram o Cerrado brasileiro.
Ademais, as questões geopolíticas que levaram os governos militares a uma ocupação desordenada da Amazônia brasileira com medo de sua internacionalização parecem preocupações superadas. Um punhado de ONGs picaretas sobrevive por lá, muitas tratando de atividades clandestinas e mal fiscalizadas, ora praticando biopirataria, ora mapeando recursos minerais, atividades que deveriam estar sendo pesquisadas pela CPRM e fiscalizadas pelo DNPM.
O mundo já não comporta mais os gestos de irresponsabilidade. Tudo na vida é uma questão de estratégia, mas nas ciências da natureza as falhas estratégicas repercutem e reverberam por longos ciclos de tempo até que se perdem as relações com a origem os fatos e todos se perguntam: “mas o que foi que aconteceu?”