Entre Telas e Telinhas: o Comportamento da Sociedade no Uso do Celular
"Poderíamos pensar a Internet como uma enorme célula que se alimenta, expande e transforma continuamente, multiplicando incessantemente o seu poder de alcance e disseminação. Como um grande cérebro que constrói as suas sinapses e cadeias, de uma forma prodigiosa e precisa. Magnífica e tentadora, como uma bela mulher insinuante e cheia de predicados. Perigosa e reservada, como aqueles que não se mostram totalmente. Intensa, magnífica e exuberante nos seus propósitos de grande dama. Sempre na moda, usando uma maquilhagem reluzente ou sóbria, de acordo com os momentos ou situações. Exigente, ciumenta e possessiva para todos aqueles que não lhe dão a devida atenção ou manifestam o seu interesse. Uma poderosa máquina agregadora, que exige a presença de todos, sem exceção. Navegar pela Internet é poder cruzar, quase instantaneamente todos os oceanos ao mesmo tempo. Uma verdadeira odisseia fantástica e inconcebível, quase capaz de suplantar as velhas e ilustres caravelas do nosso passado remoto e glorioso". (MONGIARDIMSARAIVA, Recanto das Letras, Internet, p.1)
O celular é a principal ferramenta responsável pelo acesso facilitado a essa poderosa máquina viciante e exigente. Durante todo o dia não somos mais capazes de deixá-lo de lado e muito menos esquecê-lo. É através dele que nos conectamos uns aos outros e com o mundo. Conseguimos saber coisas mirabolantes sobre a vida dos outros e informamos, através dele, muitas coisas que acontecem conosco.
Com isso, gera-se uma dependência dificílima de eliminar, já que o nosso cérebro habitua-se a receber notícias constantemente e com isso, passa também a procurá-las avidamente. Funciona como se nós nos alimentássemos alienadamente e sem parar de um imenso jornal coletivo do cotidiano, do qual fazemos parte.
Estudos realizados, apontam que esses dispositivos eletrônicos agem como uma espécie de pacotinhos de prazer, através das novidades que são endereçadas ao nosso cérebro. A dopamina, substância estimulante que é produzida, encarrega-se de gerar uma sensação de satisfação que faz com que fiquemos subjugados a essa rotina.
E assim, algumas pessoas tornam-se dependentes, a ponto de brigar para não perder oportunidades de conexão ou aparelhos que trazem um bem estar efêmero, precioso e inadiável. Ou em outras situações, tomando atitudes verdadeiramente inusitadas por extravio dessas máquinas gerando até, nalguns casos, a perda de voos agendados e/ou compromissos inadiáveis.
Em algumas situações, segundo estudos efetuados por psicólogos, o aparelho celular pode funcionar como uma espécie de alívio ou terapia para aquelas pessoas que sofrem de ansiedade, já que é suposto perceber que quem se vicia já traz consigo algum tipo de problema...
No caso dos adolescentes, o comportamento é especialmente preocupante, visto que eles adquirem hábitos que arrastarão para a fase adulta. Segundo pesquisas, 15% acabam por ler menos livros, em virtude do tempo que gastam ao estar conectados. A maioria dos adolescentes reconhece que está viciada. Por razões biológicas, esses jovens têm menos controle sobre os seus impulsos e por isso, maior dificuldade para dosar o uso dos seus aparelhos. Como o desenvolvimento cerebral é processado por etapas, acontece que a última região a maturar é o córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrole, o que deixa o adolescente ainda mais à mercê do hábito viciante.
Para além dos aspetos negativos e perigosos, é justo também referir algumas vantagens relevantes e objetivas. Os celulares possuem o poder de nos conectar a um mundo que está ativo 24 horas por dia, o que por si só já é um fator de enorme sucesso. Eles contribuem também para dissolver alguns problemas emocionais graves do ser humano, como a solidão. O smartphone tornou-se uma espécie de espaço individual aconchegante. Ele funciona na zona de conforto, principalmente para aquelas pessoas que vivem nas grandes metrópoles. O seu potencial é enorme quando se trata de estabelecer e alimentar relacionamentos, mesmo que seja através da frieza e artificialidade da sua rede e estrutura.
Diante de toda essa realidade, é lícito perguntar qual será o futuro da humanidade que parece cada vez mais não abrir mão de um estilo de vida compartilhado, atraente e prático, mas que ao mesmo tempo parece comprometer profundamente a sua capacidade de criar laços naturais, profundos e duráveis. Inclusivamente quando a célula familiar, tão importante para a manutenção da espécie, parece dar graves sinais de fragilidade e balança por falta de capacitação e aproximação entre os elementos que a compõem.
É habitual, nestes casos, apelar-se para o bom senso, como último reduto para uma saída razoável e sustentável. Mas será que não é um pouco tarde?