O TEMA DA JUSTIÇA E INJUSTIÇA NA SUMA TEOLÓGICA DE TOMÁS DE AQUINO
O tema da justiça e injustiça é tratado na segunda parte da Secunda (secunda secundae II-II) da Suma Teológica. Tomás de Aquino dedica a maioria das questões dessa parte, sendo mais preciso, 66 questões ao total, para tratar desse tema. A partir disso, percebe-se a sua importância.
Para apresentar o conceito de justiça e injustiça, Tomás quase que acompanhou integralmente a doutrina Aristotélica, mais precisamente do livro V da Ética a Nicômaco, pois muitos dos seus elementos foram condensados na questão 58 sobre a justiça (VALDARES, 2010). Percebe-se isso quando o aquinatense diz que a justiça é uma virtude e o meio termo entre o excesso e a carência é a justa medida (BITTAR; ALMEIDA, 2012). É o que afirma o aquinatense:
Por isso, o meio-termo da justiça consiste em certa igualdade de proporção da realidade exterior com a pessoa exterior. Ora a igualdade é realmente o meio-termo entre o mais e o menos, como diz Aristóteles. Logo, a justiça comporta um meio-termo real. (AQUINO, 2005, p.73).
Nader (2014) afirma que a definição de Justiça apresentada por Tomás de Aquino nada mais é que uma reprodução à de Ulpiano com o pequeno acréscimo da palavra hábito, pois ela não é um ato insolado: “Hábito pelo qual, com perpétua e constante vontade, se dá a cada um o que lhe é próprio.” Ou seja, nada mais e nada menos do que lhe é devido. Vejamos: “Como propriedades essenciais da justiça, São Tomás indicou a alteridade e o devir. A presença do outro estaria implícita no valor do justo, que pressupõe sempre uma relação de pessoas, isto é, alteridade.” (NADER, 2014, p. 167).
A justiça é a relação de igualdade entre pessoas. Esse “próprio de cada um”, não nos mostra uma simples igualdade entre coisas ou entre coisas e pessoas, mas entre pessoas, sendo que esta como virtude geral está orientada para o bem comum (BITTAR; ALMEIDA, 2012). É o que percebemos no texto da Suma Teológica:
Assim o bem de cada virtude, quer ordene o homem para consigo mesmo, quer o ordene a outras pessoas, comporta uma referência ao bem comum, ao qual orienta a justiça. Dessa maneira, os atos de todas as virtudes podem pertencer à justiça, enquanto esta orienta o homem ao bem comum. (AQUINO, 2005, p. 63).
No texto da Suma Teológica, Tomás de Aquino afirma que o ato de justiça para que seja virtuoso deve ser voluntário, constante e perpétuo, demostrando uma firmeza nesse ato. Isto quer dizer que não basta querer respeitar a justiça em apenas um momento ou situação, é preciso, sempre, ter essa vontade de observar a justiça. Rampazzo comenta sobre o apresentado:
Mas para que o ato seja virtuoso, é necessário que seja voluntário, estável e firme. A esse respeito, ele cita Aristóteles, para quem o ato de virtude exige três condições: que o sujeito o pratique da maneira consciente, com livre escolha para um fim devido; e de maneira constante. Mas a primeira destas condições está incluída na segunda, pois, sempre segundo Aristóteles, o que fazemos por ignorância é involuntário. Por isso, para definir a justiça, primeiro enuncia-se a vontade. Em seguida, a constância e a perpetuidade designam a estabilidade de tal ato. (RAMPAZZO, 2017, p. 13).
A injustiça, assim como todos os vícios, opõe-se ao bem comum, portanto, é um vício oposto à justiça. A igualdade é o objeto da justiça, assim o objeto da injustiça é a desigualdade. O Santo Doutor refere-se ao exposto, dizendo: “Como a igualdade nas coisas exteriores é o objeto da justiça, assim o objeto da injustiça é a desigualdade, no sentido de atribuir a alguém mais ou menos do que convém.” (AQUINO, 2005, p.79).
É importante destacar aqui que Tomás de Aquino, a partir do que assegura Aristóteles, afirma que alguém pode fazer algo de injusto, sem ser, no entanto, injusto. Isso pode acontecer de dois modos, como podemos verificar:
Por isso, se alguém comete uma injustiça, sem visá-la intencionalmente, por ignorância, por exemplo, sem pensar fazer algo de injusto, não comete formal e propriamente injustiça, mas só por acidente fazendo materialmente o que é injusto. [...] praticar a injustiça, por intenção e livre escolha, é próprio do injusto, no sentido em que se diz que injusto é o que tem o hábito da injustiça. Mas, praticar algo de injusto, sem intenção e por paixão, pode acontecer a quem não tenha o hábito da injustiça. (AQUINO, 2005, p. 79-80).