Virtualidade e Tecnologia
 
Luiz Carlos Pais
 
A orientação de alguns trabalhos acadêmicos com o objetivo de pesquisar o uso das tecnologias digitais na educação escolar levou-me ao conceito de virtualidade e suas relações com o mundo contemporâneo. Assim, procurei apropriar-me de algumas ideias propostas pelo filósofo francês Gilles Deleuze, cuja produção inclui reflexões sobre a virtualidade e suas relações com a atualidade. O referido filósofo prenunciou os desafios da segunda metade do século XX e suas implicações para o espírito humano. Para ele os dois termos dizem respeito ao tempo e não à matéria. O virtual é o oposto ao atual e não à condição da materialidade perceptível pelo corpo humano. Por serem categorias temporais, os dois conceitos não devem ser confundidos como ideias referentes à realidade ou à possibilidade, que dizem à matéria. A exploração desses quatro conceitos - virtual, atual, possível e real – permite então uma maneira de entender as condições e os desafios decorrentes do acesso das mídias digitais.
 
O tema é muito importante do ponto de vista educacional porque predomina, em certa vertente do mundo marcado por máquinas computacionais, o pensamento superficial de que cada pessoa deve curtir o momento e esquecer o passado ou o futuro, como se somente houvesse o aqui e o agora. Essa visão do prazer imediato tende a negar o tributo legado pelo passado, inclusive as bases científicas que permitiram a produção dos modernos aparelhos computacionais. Não devemos esquecer que tantas práticas e saberes do passado serviram, além de criar recursos tecnológicos, para expandir a nossa própria condição humana e dependência do coletivo social no qual cada um está inserido. Há várias maneiras de aproveitar o dia de hoje. A liberdade de escolha de cada um é um presente recebido pela graça divina e as consequências decorrentes do caminho seguido nem sempre são entendidas com clareza.
 
Em um livro que publiquei há alguns anos, voltado para entender as implicações das redes de informática na educação escolar, eu procurei tratei desse assunto. Desde o início desse estudo percebi que uma das dificuldades consistia em redimensionar a visão predominante no senso comum, quando as pessoas tendem a contrapor a virtual ao real. Em outras palavras, como se uma imagem virtual vista na tela do computador fosse alguma coisa irreal, imaginária ou ilusória. Esse entendimento revela a antiga visão de que existe apenas uma única realidade, aquela como os tijolos, as pedras ou os móveis que estão diante dos nossos olhos. A realidade do mundo virtual da internet, das informações, desafios e possibilidades, deve ser ainda melhor entendida para redimensionar o papel dos recursos tecnológicos na educação.
 
As redes de computadores começaram a expandir no início da década de 90, a partir de uma serie de conexões mediadas por equipamentos. Teve início então a criação de uma complexa estrutura tecnológica que permitiu o funcionamento da grande rede mundial de computadores, conhecida hoje como Internet. Se quisermos analisar essa estrutura, do ponto de vista educacional, e discutir suas potencialidades, devemos pensar no chamado espaço virtual. Especialistas do assunto afirmam que os próximos anos assistirão um avanço sem precedentes no domínio da realidade virtual. Com o advento qualitativo dos aparelhos digitais, diferentes tipos de relacionamento tendem a passar por profundas mudanças. Entretenimento, trabalho, informação, produção artística e diferentes tipos potenciais de aprendizagem podem ser alterados com as novas máquinas computacionais do mundo virtual.
 
Minha formação docente leva-me a refletir sobre as várias possibilidades e desafios decorrentes da inserção crescente das realidades virtuais que estarão cada vez mais presentes no mundo contemporâneo. Entretanto, não podemos pensar que estamos entrando num mundo mirabolante ou intergaláctico, como se a única realidade fosse aquela proporcionada pelas máquinas e suas coloridas e inspiradoras telas. Seria profundamente ilusório pensar que todos saberes legados pelo passado do bem, pelas ciências humanas e sociais. Todos os saberes criados no tempo pretérito pertencem ao mundo virtual. Contemplar uma bela imagem virtual na tela do computador é interagir com o mundo virtual, com as tantas boas produções daqueles que nos precederam neste mundo. Atrás de todos esses recursos do mundo moderno ainda predomina a singularidade de cada pessoa.
 
A liberdade permite escolher a melhor maneira de usar os recursos do mundo digital. Infelizmente, pessoas se lançam em usar esses modernos recursos para trapacear, criar estratégias maldosas e levar vantagens indevidas. Tudo isso circula na Internet, além das tantas coisas boas que podemos nela usufruir. Mas a máquina em si mesmo não é nem boa ou ruim. Tudo depende das pessoas e das intenções que suportam a utilização deseja e praticada. Por certo, podemos ampliar as condições de acesso à informação, apropriar de novos saberes, construir novas amizades e também vivenciar o eterno retorno às memórias e produções do passado.