O inabitual como susto: o cético pantomima

Obs: o texto abaixo foi publicado no blog Polymath Sirius ASociety, que é do próprio autor.

Data (publicação): 01/09/2015 Hora: 00:52 (Horário de Brasília)

Autor: Álvaro Vinícius de Souza Silva

Não é difícil perceber que a formulação conceitual de um método - method, met, "depois", hódos, "caminho"-, atualiza sistematicamente um conjunto de diretrizes experimentais sobre o qual repousava alguns prognósticos rudimentares. Como consequência, esboça-se naturalmente um método por meio de identificadores de regularidade (parâmetros) numa dada observação. Em razão disso, surge a necessidade de testá-lo para hipóteses, hypothesis, hypo -- sob --, com thesis, proposição, propositio, proponere, a fim de estabelecer a configuração lógica, logikê, logikós, logia, que findará na aproximação conceitual entre method e logia, isto é, numa metodologia [1]. Para o cético mimético, um "cabeça oca" que anseia por preludiar a dúvida como o fim supremo, a evidência científica seria sempre o desdobramento da metodologia para a qual fixou um padrão de questionamento específico, baseando-se numa formuleta ginasial que esgarçaria noções muito limitadas e estapafúrdias, ainda que aparentemente justificáveis. Vejamos o seguinte exemplo: a evidência da aceleração dos corpos pela lei galileana -- o conceito matemático referente à queda livre dos corpos-- tem consonância com a observação ou indução (eixo qualitativo) a partir da geometrização da realidade física (eixo de abstração lógica), em que a noção posicional dos corpos corresponde às relações analíticas entre pontos em uma dada referência. Caso um cético pantomima queira jorrar sua capacidade de duvidar unicamente pela síntese da aplicação metodológica galileana, procurando respaldar toda a ciência física nessa forma de avaliar os fenômenos, ele logrará para si apenas a segurança do método para as situações cujos resultados foram plenamente confirmados, todavia criará algum obstáculo teórico para situações que apresentem explicações insustentáveis pelo método [2]. Por uma inabalável fidelidade ao método, tenderá assim a simplificar os fenômenos ou fichá-los em ad hoc. Uma maneira de entender isso é perceber a diferença intuitiva que procederia da interpretação entre a simples representação geométrica dos corpos em movimento e a relação entre variações infinitesimais em diferentes momentos da representação geométrica desses corpos. Nesse último caso, teríamos uma explicação física por base da teoria newtoniana, descrita matematicamente pela concepção de cálculo de Gottfried Leibniz. Através dessa abordagem Newton-Leibniz, amplia-se satisfatoriamente o número de situações abarcadas em um novo arranjo teórico, especialmente nos casos em que ocorre a variação da aceleração gravitacional, o que difere obviamente das previsões galileanas [3]. Devido à refundação das próprias ferramentas teóricas, propicia-se uma crise (crisis) no binômio teoria-método e os limites da previsão galileana se tornam claramente evidentes. Nota-se, então, o aparecimento de um novo instrumental teórico -- o cálculo diferencial--sem o rígido auspício lógico da antiga metodologia físico-matemática, uma vez que os próprios fundamentos teóricos foram reestruturados. Não houve um desenvolvimento direto da aplicação da lei na experiência, capaz assim de ratificar uma generalização para outras situações.

Mas o cético pantomima, ao exercitar a meditação do Asno Buridan, talvez ainda acredite em um método fabuloso, em um critério umbilical, em sua conduta de questionamento, que deriva do apego íntimo ao método predileto e da respeitabilidade que alguma abordagem metodológica consolidou ao longo do tempo; ou, quem sabe, o cético pantomima ainda insiste em sua honra de duvidar pelo método e sob o método; enfim, nada mais!

Para a leitura da Parte 1:

"O inabitual como susto: de Feyerabend a Charles Richet"

(Autor: Álvaro Vinícius de Souza Silva)

Notas:

1-Dicionário etimológico. Link: http://www.dicionarioetimologico.com.br/

2-Esse raciocínio que desenvolvi sobre a segurança do método como um fetiche intelectual, o qual pode obstaculizar o avanço de novas ferramentas teóricas, advém das leituras da obra Against Method (Contra o Método), de Paul K. Feyerabend.

Consulta bibliográfica:

FEYERABEND, Paul K. Contra o Método; tradução Cesar Augusto Mortari.-2.ed.-São Paulo: Editora Unesp, 2011.

Atenção: caso haja interesse nesse texto para algum trabalho, é preciso solicitar a permissão do autor.

Álvaro Vinícius de Souza Silva
Enviado por Álvaro Vinícius de Souza Silva em 11/09/2015
Reeditado em 11/09/2015
Código do texto: T5377969
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