AMBIENTES VIRTUAIS
 
Não argumento contra a existência de alguma coisa que apreendo pelos sentidos ou pela reflexão. O que os olhos vêm e as mãos tocam existe; existe realmente, não nego.
Berkeley
 
O ciberespaço se torna cada vez mais um meio de exploração dos problemas, de discussão pluralista, de evidência de processos complexos, de tomada de decisão coletiva e de avaliação dos resultados mais próximo das comunidades envolvidas.

Sobre a realidade virtual, Abbagnano assim a conceitua:

 
(...) Expressão que surgiu na informática americana a partir dos anos de 1980, para aludir à realidade perceptiva induzida pela aparelhagem cibernética capaz de substituir o funcionamento fisiológico normal dos sentidos. Tal realidade “artificial” é chamada “virtual” porque não diz respeito a objetos, mas a “imagens” computadorizadas de objetos. Modificando a capacidade perceptiva dos homens, a realidade virtual destina-se a suscitar importantes problemas teóricos e éticos. (ABBAGNANO, 2007, 1998)
 
Embora tragam implicações éticas e teóricas, como aponta Abbagnano, que nos fazem refletir sobre as implicações dos usos sem critérios dessas novas tecnologias que leva a pensar sobre o que é a realidade e de que maneira ovirtual interfere nos nossos tradicionais modos de ser e de estar no mundo; o fato é que a realidade virtual vem se firmando como uma nova maneira de dialogarmos com o que temos por realidade.

DICOTOMIA VIRTUAL X REAL

Félix Guattari e Pierre Lévy são dois filósofos que veem o virtual como possibilidade de humanização e subjetivação. Em suas análises, pode-se perceber que há possibilidades positivas neste processo de virtualização crescente, mas há de haver também certa prudência com essa nova perspectiva ontológica, para a qual estar conectado é a condição.

Em Lévy, o virtual é um conceito que existe como potência e não se oporia ao real, mas ao conceito atual. A atualização seria uma criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades. Na virtualização, tem-se um deslocamento de entidade no espaço. Lévi percebe o virtual como “busca de hominização” , que seria um dos principais vetores de criação de realidade. Numa perspectiva negativa, esse processo pode aprofundar ainda mais a alienação do indivíduo, diante de uma sociedade do espetáculo, da fragmentação e do consumo global. Destarte, numa perspectiva esperançosa do atual estágio, segundo Lévy pode-se pensar em:
Coletivos inteligentes: recriação do vínculo social mediante trocas de saber, reconhecimento, escuta e valorização das singularidades, democracia mais direta, mais participativa, enriquecimento das vidas individuais, invenção de formas novas de cooperação aberta para resolver os terríveis problemas que a humanidade deve enfrentar, disposição das infraestruturas informáticas e culturais da inteligência coletiva. (LÈVY, 1997,118)
 
Nesta perspectiva, pode-se pensar nas amplas possibilidades que se abrem à formação/educação dos indivíduos.
Como ainda observa Lévy:

 
Essa midiateca é povoada, mundial e aumenta constantemente. Ela contém o equivalente a livros, discos, programas de rádio, revistas, jornais, folhetos, curriculum vitae, vídeo games, espaços de discussão e de encontros, mercados, tudo isso interligado, vivo, fluido. (LÉVY, 2000, 260)
 
Numa perspectiva pessimista, o filosofo francês Félix Guattari (1930-1992) irá fazer uma análise do virtual, tendo como objeto a máquina e suas conexões exteriores, seja o ser humano, seu criador, ou outros aparelhos, a partir de um sistema autopoético, autoreferencial, em que os elementos se autoproduzem num processo de retroalimentação, como num circuito fechado onde ocorrem desterritorializações.Ele denomina o computador e suas conexões de equipamentos coletivos. Félix Guattarri observa que a revolução das novas tecnologias de informação e de comunicação conduz a duas tendências:
 
As transformações tecnológicas nos obrigam a considerar simultaneamente uma tendência à homogeneização universalizante e reducionista da subjetividade e uma tendência heterogenética, quer dizer, um reforço da heterogeneidade e da singularização de seus componentes.(GUATARRI, 2008,15)
 
Para ele “A produção maquínica de subjetividade pode trabalhar tanto para o melhor quanto para o pior”. Diante desse diagnóstico ele vê duas possibilidades de uso desses equipamentos coletivos:uma apocalíptica e outra esperançosa:
Existe uma atitude antimodernista que consiste em rejeitar maciçamente as inovações tecnológicas, em particular as que estão ligadas à revolução. Entretanto, tal revolução maquínica não pode ser julgada nem positiva nem negativamente; tudo depende de como for sua articulação com os agenciamentos coletivos de enunciação. O melhor é acriação, a invenção de novos Universos de referência; o pior é a mass-midialização embrutecedora, à qual são condenados hoje em dia milhares de indivíduos. Numa perspectiva esperançosa ele dirá que:

 
As evoluções tecnológicas, conjugadas a experimentações sociais desses novos domínios, são talvez capazes de nos fazer sair do período opressivo atual e de nos fazer entrar em uma era pós-mídia, caracterizada por uma reapropriação e uma re-singularização da utilização da mídia. (acesso aos bancos de dados, às videotecas, interatividade entre os protagonistas. ( GUATARRI, 2008, 16)

Jean Baudrillard (1929-2007), numa perspectiva platônica anuncia que vivemos numa época de simulações e de simulacros, a hiper-realidade se sobrepõe a própria realidade. Para ele, a imagem televisiva, bem como as imagens de síntese, (jogos eletrônicos) ao contrário da imagem-foto ou da imagem-cinema, rompeu com qualquer ligação com a história, na medida em que “se autoproduzem sem referência a um real ou a um imaginário, virtualmente sem limite, esse engendrar-se sem limite produz a informação como catástrofe.”

Para Paul Virilio, arquiteto e urbanista francês, em seu livro O espaço critico (1993), a produção do espaço na modernidade dá-se a partir deum “rearranjo”espaço-temporal (1993, 8-9). Uma das características daquilo que ele denominará de “ruptura de continuidade” é o uso das TICs na intermediação das relações entre as pessoas. Sobre o processo de virtualização ocasionado pelo uso das TICs, ele vai afirmar que é o que conduz à “implosão do espaço-tempo,” causador da crise da percepção na medida em que a velocidade de transmissão de dados se torna o referencial mediador das relações entre as pessoas nos mais diversos níveis de socialização .

A desterritorialização da velocidade, ocasionada pelas TICs, entrelaçada ao poder político e aos interesses econômicos baseados na competitividade, caracteriza uma sociedade denominada por Virilio de “dromocrática”, que impõe uma tirania do deslocamento e umacondição de emergência constante. O deslocamento não ocorre somente no espaço territorial, dá-se também no espaço virtual. O encurtamento dos espaços propiciado pelas novas tecnologias em suas redes de informações instantâneas,possibilitam o surgimento de um estado de urgência e com ele uma economia política das riquezas concomitante à velocidade da circulação da informação; quem controla a velocidade tem o controle do espaço e da informação . Nessa perspectiva, a educação baseada nas TICs transforma-se num dos dispositivos que liga velocidade a política e a economia.

Javier Echeverría (1999) vê o ambiente virtual, que ele denomina de terceiro entorno, como um novo espaço que surge com as tecnologias de comunicação e informação características das sociedades atuais. É o lugar onde corre as trocas comunicacionais e os fluxos globais de informação, permitindo inúmeras ações humanas. É também nessa nova configuração social, que surgem velhas formas de poder, de controle e concentração de riqueza, que se dão não mais no espaço físico, mas em torno dos ambientes virtuais. Os novos mandatários, os “grandes senhores do ar” são governos, corporações, instituições, empresários individuais que com uma “boa ideia” aplicada aos ambientes virtuais tornam-se da noite para o dia “bilionários da rede”. Desse modo, essas novas classes tendem a controlar não só os conteúdos veiculados como os próprios fluxos de informação, que são feitos por corporações globais e pelo governo americano, que tem a posse e o controle dos satélites e das linhas de cabos óticos que possibilitam à rede funcionar globalmente. Essas classes que detém a posse desses novos meios de produção de subjetividade e de interação limitariam o caráter livre e democrático da rede. Embora veja com pessimismo a rede de comunicação global em função dos novos poderes ali estabelecidos, Echeverría vê como passível de humanização o terceiro entorno, a partir das possibilidades globais de comunicação, de entendimento, de aplicação e de usos destes meios, que podem favorecer o aperfeiçoamento da humanidade.

Destas análises podemos concluir que a dicotomia real/virtual é necessária para a compreensão do fenômeno, mas, pensá-lo como realidades distintas e equidistantes entre si, levaria ao que Jean Baudrillard observa como desrealização ; destarte, faz-se necessário entender como é que a via que conduz do atual para o virtual pode nos conduzir ao processo de humanização. Assim,as interações do ser humano com o mundo virtual, através das novas tecnologias de comunicação, podem se constituir numa importante ferramenta, se absorvidas de modo crítico e criativo pela sociedade.

O conjunto das atividades que ocorrem na rede, ou em decorrência dela, apontam para formas cada vez mais importantes em relação à atividade econômica, interações sociais, educacionais, culturais e políticas, enfim, a era da sociedade em rede, também chamada sociedade do “conhecimento” ou sociedade da “informação”. Embora seja ainda questionável alguns conceitos que tentam definir as sociedade atuais pautadas pela comunicação instantânea, pensamos que essa rede global tem enorme potencial educativo pelas suas características inovadoras de comunicação se utilizada de modo que possibilite a emancipação dos
indivíduos.
Labareda
Enviado por Labareda em 07/06/2015
Reeditado em 08/06/2015
Código do texto: T5268805
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.