PESQUISAS COM ANIMAIS

Immanuel Kant (1724-1804), embora analisasse o sentido da existência dos animais em função de sua relação com o homem, contudo pode ser considerado um filósofo defensor dos animais. Pois, para ele, quem é cruel com os animais torna-se rude em seu trato com os homens. E o coração do homem pode ser julgado pelo trato que dá aos animais. Além disto, Kant também ensinava que os animais não eram puros autômatos, como dizia Descartes. Para Kant, o fato de aos animais zelarem, inclusive, muitas vezes, com o sacrifício da própria vida pelo sustento dos filhotes é algo maravilhoso. Já por isto merecem todo respeito.

A relação homem/animal nunca foi tranquila (a não ser no “mito do paraíso!”). A humanidade, por um lado, observa, admira, exalta, transforma em símbolos de deuses, ama e estabelece amizade com animais; por outro, trata muitos animais com crueldade, os tortura, os caça, os declara símbolos demoníacos, os extermina, os mata com crueldade e os transforma em alimentos.

Frente a esta relação de admiração/maltrato do homem para com os animais, busca-se hoje um trato mais humanitário para com os animais. Pois o animal é um ser vivo, que possui hábitos próprios de vida, tem memória, é dotado de um instinto de sobrevivência, é sensível à dor, sente medo, angústia; emociona-se, demonstra tristeza e alegria, afeto, amor e rejeição... Por tudo isto, os animais merecem um tratamento respeitoso. Mas o que vemos todos os dias? Animais sendo torturados, chicoteados até a morte, mortos de forma cruel, privados de alimentação adequada, encarcerados em ambientes inadequados, feridos sem atendimento benevolente, sofrendo sem compaixão...

O ser humano civilizado, sensível à natureza que o cerca, da qual faz parte e sem a qual não pode viver, aos poucos se conscientiza de sua animalidade e da necessidade de tratar com dignidade todos os seres vivos, em especial os animais. Por isto, com o aumento de sua humanização, o homem se torna mais sensível também em relação ao mundo animal, e exige que os animais sejam tratados com mais dignidade. Esta consciência, nas últimas décadas, cresceu em todo mundo acadêmico e cultural, que usa animais em suas pesquisas. Dali o surgimento de orientações e Leis Internacionais que regulamentam o uso de animais em pesquisas.

O Brasil se sensibilizou eticamente em 2008 em relação à pesquisa com uso de animais, com a publicação da Lei no. 11.794 pela Presidência da República. Com esta Lei foi criado o “Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal” (CONCEA), com a responsabilidade de fiscalizar e acompanhar as pesquisas em que se usa animais. A partir desta data, aos poucos, foram sendo criadas as “Comissões de Ética no Uso de animais” (CEUAs), em todas as Universidades e Instituições que fazem pesquisas com cobaias animais. Claro, sempre continuam algumas Instituições clandestinas, que não cumprem as Leis, ou que não são devidamente fiscalizadas. Mas, ao menos, o Brasil entrou no rol dos países que prometem relacionar-se civilizadamente com os animais irracionais em suas pesquisas. O ideal seria se a humanidade não precisasse mais de cobaias animais para suas pesquisas. Mas, no momento, ainda se considera a necessidade de recurso a animais para certas pesquisas.

Por que a necessidade de Comissões de Ética para as pesquisas com animais? Pois vejam, por exemplo, o que acontecia: Em tempos idos, um Curso de Medicina, em Pernambuco, para ensinar aos estudantes a costurar osso, quebrava as pernas de cachorros vivos, e os estudantes se exercitavam no reparo destes ossos. Não havia muitos cuidados para que estes cães não sentissem tanta dor; em pesquisas médicas, para progredir no reparo de traumatismos cranianos, quebrava-se os ossos da cabeça de macacos vivos e observava-se as reações cerebrais, e a cura dos traumatismos; para melhorar shampoos, e outros produtos cosméticos usava-se coelhos, deixando que os produtos, a serem aperfeiçoados, atingissem os olhos destes coelhos. Muitas vezes, no decorrer destas pesquisas, os bichinhos ficavam cegos.

Em muitas pesquisas com cobaias animais, os animais eram submetidos a cirurgias dolorosas, e outras intervenções medicinais, sem a devida anestesia; em outras ocasiões, os animais eram submetidos a muitos sofrimentos e, após as pesquisas, se deixava o animal sofrendo sem os devidos cuidados, ou, se necessária, a prática de eutanásia. Com a Lei 11.794/2008 atitudes inadequadas em pesquisas com uso animal deveriam sofrer as penas da Lei, quando fiscalizadas adequadamente.

Quanto a outros comportamentos cruéis no trato de animais, por parte de qualquer cidadão, existem leis. Mas Leis pouco cumpridas e pouco fiscalizadas. Em países com uma população mais consciente, e mais civilizada, a relação homem/animal já melhorou bastante nas últimas décadas. No entanto, mesmo em países, que se consideram altamente civilizados, continuam torturas de animais. Na Espanha, por exemplo, continuam as touradas; na Inglaterra, perdura o costume das caças às raposas; na França, os patos usados para a produção do “foie gras” são sustentados cruelmente; as mortes, em muitos frigoríficos do mundo, continuam tão cruéis que não podem ser vistos pela população... Em tudo isto, a humanidade ainda tem muito a se humanizar!

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife- PE.