A Luz em Câmera Lenta
A ideia da câmera lenta é fascinante. Na verdade toda forma de visão além dos limites naturais é interessante. Observar aquilo que é extremamente pequeno (microscópios) é bastante interessante. Também nos surpreendemos ao poder ver aquilo que está incrivelmente longe de nós (telescópios). A câmera rápida, oposto da câmera lenta, nos permite observar em segundos eventos que levam horas, dias, meses ou até anos para acontecer. Também nos atrai a visão das frequências que normalmente não somos capazes de ver (infravermelho, ultravioleta, e o raio x, que nos dá o bônus de sermos capazes de ver o interior de objetos normalmente opacos). Bem, tratarei cada uma destas formas de visão especial em seu próprio texto. Quero falar agora da modalidade inicial de super-visão, a câmera lenta.
A tv e o cinema nos apresenta apenas uma ilusão de movimento. Não vemos um movimento contínuo, mas uma sequência de imagens estáticas que nos ilude, nos faz ter a ilusão de movimento. Desde os primórdios do cinema percebemos que uma sequência de cerca de 24 imagens estáticas por segundo era suficiente para nos dar a ilusão de movimento. Este número está ligado intimamente à nossa fisiologia, ao tempo que os cones e bastonetes de nossas retinam precisar ser estimulado continuamente por fótons para conseguirem disparar um impulso nervoso a nossos cérebros. Animais cujas retinas precisam de um tempo menor de estimulação certamente perceberiam a ilusão se levados a um cinema feito para nossos olhos, veriam claramente uma sequência de imagens estáticas ao invés de um contínuo em movimento. Animais noturnos, cujas retinas são estimuladas por menos fótons e em menos tempo, certamente precisariam de um cinema com mais de 24 quadros por segundo para terem a mesma ilusão de movimento que nós.
Na verdade não existem vantagens evidentes em ver filmes com mais quadros por segundo do que estes 24. Está superestimado, vemos algo muito mais contínuo do que precisávamos, não nos parece muito melhor do que o mesmo filme a 24 quadros por segundo. A única vantagem em um filme a mais de 24 quadros por segundo é a possibilidade de o desacelerarmos, vermos este filme num tempo maior do que ele dura na realidade. A famosa "câmera lenta"...
A câmera lenta nos permite ver em detalhes eventos que normalmente acontecem rápido demais. O que acontece quando uma gota cai numa superfície de água parada? Normalmente isto é rápido demais para vermos os detalhes. Vemos a gota caindo, e uma onda se espalhando em volta do ponto de contato. Como esta onda se forma? Quando a gota se mistura com a superfície? Normalmente não vemos os detalhes. Mas em câmera lenta, somo capaz de vê-los! Vemos, por exemplo, que inicialmente a gota sobe de novo, e se separa da superfície sem se misturar com ela, até cair de novo com menos energia (absorvida no primeiro impacto) e aí sim se misturar com a superfície de água. Temos certeza de que a mistura não acontece ao filmarmos uma gota tingida com algum corante, e vermos este corante voltando totalmente para a gota que sobe e se separa da superfície, sem deixar nele sombra do corante. Algo que aprendemos ao ver o evento em câmera lenta, mas que nunca poderíamos afirmar com certeza se só observássemos na velocidade real...
Na década de 60 Harold Eugene Edgerton (o Doc Edgerton, https://www.youtube.com/watch?v=vUWxTkxbXFQ) nos surpreendeu ao filmar em câmera lenta o movimento de balas e até mesmo de explosões nucleares! Aprimorou a capacidade de recepção de fótons das câmeras, a quantidade de fótons e tempo de exposição que suas "retinas" artificiais precisavam para capturar as cenas filmadas. Obviamente usou artifícios. Imagine uma bala atirada contra uma maçã. Quando iniciar a gravação? Começar cedo demais seria um desperdício! Capturaríamos milhares de frames onde simplesmente nada aconteceria, a bala estaria lentamente (sob a perspectiva da câmera) se aproximando da maçã, até que o filme começasse a ficar interessante. Isso foi resolvido inteligentemente: uma fita de metal condutor era colocado pouco antes da maçã (ou o que quer que quisessem filmar). Quando a bala o atravessava, um circuito elétrico era interrompido, indicando à câmera ultra rápida que era hora de começar a capturar os quadros do filme. Hoje em dia, com armazenamento digital que pode simplesmente ser ignorado e reaproveitado, tal economia nem faria muito sentido. Mas na época era importante! A técnica era cara, não podiam se dar ao luxo de desperdiçar frames! O aperfeiçoamento da técnica levou à possibilidade de captura de milhões de frames por segundo, permitindo estudar com detalhes a deformações de balas e de superfícies à prova de balas. É bem curioso ver como as coisas se comportam, mantidas as escalas, como coisas comuns. Uma veloz bala batendo numa parede de aço se parece, em nossa escala de tempo, como uma gelatina atirada contra uma parede de... gelatina! :-) É como se os objetos rígidos perdessem suas consistências quando acelerados a velocidades supersônicas.
Einstein sempre dizia que seus primeiros "insites" sobre a teoria da relatividade aconteceram quando, na adolescência, ele tentava fazer o seguinte exercício de imaginação: ligar uma lanterna e começar uma corrida em paralelo com ela, na velocidade da luz, tentando imaginar como ele veria o feixe de luz ao seu lado. Hoje, pouco mais de 50 anos depois de sermos capazes de filmar balas em movimento, Einstein seria capaz de realizar esta sua fantasia!
Me perdoem o atraso, estou uns 3 anos defasado. Mas antes tarde do que nunca... Procurei no google ("googlei", usando o neologismo) e percebi que já havia sido feito. Ramesh Raskar (por que não estou surpreso de ser um indiano?) comanda no MIT uma pesquisa de captura de imagens a um trilhão de quadros por segundo (http://blog.brasilacademico.com/2012/08/filmando-um-trilhao-de-quadros-por.html). É uma velocidade suficiente para podermos observar a própria luz se movendo! Sim, com alguns artifícios e inteligência, poderíamos realizar o sonho adolescente de Einstein: observar em detalhes um raio de luz descrevendo sua trajetória pelo espaço!
Existem detalhes e dificuldades em observar o movimento da própria luz, como logo descreverei. Primeiro, não posso observar o próprio raio de luz se movendo, e sim parte dele desviada em direção à câmera, e nesta escala de tempo já estaria observando-a atrasada, vendo-a num lugar onde ele não mais está. Astrônomos estão acostumados com isto, pois sabem que as estrelas que observam não estão mais lá onde eles as vêem. Quanto mais distante, mais antiga é a luz que observam. Isto porque estão a distâncias enormes, e o tempo da luz percorrer esta distância e chegar até nos se torna bem importante. Mas agora, que somo capazes de capturar eventos que acontecem em femto-segundos (trilionésimos de segundos), as diferenças de centímetros se tornam relevantes na hora de interpretarmos aquilo que observamos!
Vamos começar pelo problema da observação direta. Se tomarmos uma luz comportada e coerente como o laser, nós nunca poderíamos observá-lo se não fosse dirigido diretamente em nossa direção. Num ar perfeitamente transparente um feixe de laser nos seria completamente invisível. Só vemos aquela constante linha vermelha (ou verde, ou azul, depende da fonte de laser que observamos) quando existem partículas de impurezas no ar idealmente transparente! Precisamos de poeira, ou gotículas de vapor de água no meio do caminho do feixe para que parte dele colida com tais partículas, se disperse em todas as direções, e alguns destes fótons dispersados cheguem a nossos olhos e atinjam nossas retinas. O feixe de laser que vemos saindo dos canhões das naves dos filmes de ficção são completamente irreais, pois não existem partículas suficientes no vácuo do espaço para tornar aquele feixe de fótons visível para nós! Não seríamos capazes de vê-los, são apenas ilusões cinematográficas.
OK, se quisermos então observar um feixe de luz se movendo temos de dispará-lo em direção a um meio material capaz de dispersar parte dele em direção à câmera, indicando onde ele está. Ou onde ele estaria momentos atrás, pois precisamos agora levar em conta o tempo que os fótons levam para chegar até a câmera.
Observemos agora em detalhes esta câmera capaz de observar a luz se movendo. Vamos logo notar que não é uma câmera convencional! Ela não registra uma imagem em 2d! Bem, ela registra sim em 2D, mas não da forma que estamos acostumados... A câmera não capta a imagem toda, mas apenas uma LINHA da imagem! Ela não filtra os fótons chegando de todas as direções, mas apenas os que chegam num eixo X bem definido, uma linha! Filtram fótons de uma direção bem específica! Mas não disse que ela captura uma cena em 2D? Sim, mas não ALTURA por LARGURA, como estamos acostumados em nossas fotos. Os fótons que chegam por aquela linha específica da imagem atingem uma placa fotoelétrica, que os transforma em elétrons. Imagine uma bola de bilhar que é um fótons atingindo uma maior, que é um elétron, e transmitindo sua energia a ela, que começa a se mover com seu impulso. É mais ou menos isto que acontece na câmera. O elétrons começa sua viagem... Mas os fótons atinge esta placa em tempos diferentes, apesar da diferença de trilionésimos de segundos! Diferença pequena, mas existe! Os elétrons gerados atravessam um campo elétrico variável, muito rápido! Os elétrons gerados inicialmente são desviados pouco, e são registrados no topo da imagem. Os elétrons mais atrasados, gerados por fótons mais atrasados, atravessam campos elétricos cada vez mais intensos e são mais desviados, atingindo partes mais baixas da imagem final. O que temos aqui é uma espécie de filme unidimensional, uma câmera lenta do que acontece com os fótons numa linha da imagem. De que forma isto nos seria interessante?
Bem, eu posso repetir o evento de emitir um pulso de fótons milhões de vezes e esperar, com razoável certeza, que eles sempre serão iguais! Minha câmera, capaz de observar um femto-quadro unidimensional da imagem, se bem sincronizada pode repetir a observação para todas as linhas da imagem com a sincronia adequada! Nossa câmera lenta capaz de observar fótons consegue, de certa forma, capturar um filme unidimensional do movimento dos fótons, mas podemos com espelhos observar a cena de vários ângulos diferentes e formar um filme bidimensional convencional mostrando como esta frente de ondas formada de fótons se comporta na cena completa! Eis aí o grande feito de Ramesh Raskar e sua equipe!
Coisas bem curiosas acontecem quando filmamos cenas na velocidade da luz. De início já estamos observando a cena com frames de atraso, pois o que observamos levou agora um tempo não desprezível para chegar até nós. Mas isto vai além! Não podemos mais considerar a velocidade da luz infinita, pois nesta situação é uma aproximação grosseira! A geometria da cena se torna agora muito importante! Capazes agora de detectar trilionésimos de segundos de atraso, a luz que nos chega de um objeto mais distante da câmera vai demorar mais do que a que chega de um objeto próximo! Precisamos de um modelo da cena, da profundidade dos objetos, para podermos corrigir a distorção de tempo, ou "time warp" como se diz em inglês. Einstein certamente vibraria com isto! :-)
Bom, corrigido o "time warp", coisas bem interessantes começam a aparecer quando observamos a luz em câmera lenta. O reflexo em espelhos é uma das que achei mais notáveis! De fato filmaram uma cena com a frente de onda curta (de alguns centímetros) atingia um objeto com uma parede ao fundo e um espelho atrás dele. Vemos a frente de ondas, como ondas de uma pedrinha atirada num lago tridimensional, iluminando o objeto, e a seguir se espalhando em um círculo de raio cada vez maior atrás dele. Como era de se esperar... Mas, e a imagem no espelho? Era óbvio de se imaginar, mas ainda mais surpreendente de se ver! O reflexo surge DEPOIS da frente de onda ter atravessado o objeto. Natural, os fótons levaram mais tempo para atingir o espelho, se refletirem nele e atingir a câmera. Mas ver isto acontecendo em câmera lenta é simplesmente indescritível!
Outra cena bem curiosa é quando a frente de onda ilumina um tomate. A frente atravessa o tomate, mas ele continua iluminado bastante tempo depois disto. Explicação? O tomate estava bem maduro! Bem transparente! Os fótons o penetraram e se refletiram dentro dele, a diferentes profundidades! E o deixaram continuamente brilhando! Por isto ele permanece iluminado bem depois da frente de onda o ter atravessado!!!
Bem, que cada um observe os resultados e tire as próprias conclusões. Eu estou ansioso para ver até onde isto pode chegar...
http://blog.brasilacademico.com/2012/08/filmando-um-trilhao-de-quadros-por.html
David Machado Santos Filho