Sobre o Livro "O Que é Ciência Afinal?".
Capítulo I
"1. Uma concepção de senso comum da ciência amplamente aceita
Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são
derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência
adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que
podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições
especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento
científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado
objetivamente.
Sugiro que afirmações semelhantes às anteriores resumam o que nos tempos
modernos é uma concepção popular de conhecimento científico. Essa primeira
visão tornou-se popular durante e como conseqüência da Revolução Científica
que ocorreu principalmente durante o século XVII, levada a cabo por grandes
cientistas pioneiros como Galileu e Newton. O filósofo Francis Bacon e
muitos de seus contemporâneos sintetizaram a atitude científica da época ao
insistirem que, se quisermos compreender a natureza, devemos consultar a
natureza e não os escritos de Aristóteles. As forças progressivas do século
XVII chegaram a ver como um erro a preocupação dos filósofos naturais
medievais com as obras dos antigos – especialmente de Aristóteles – e
também com a Bíblia, como as fontes do conhecimento científico.
Estimulados pelos sucessos dos “grandes experimentadores”, como Galileu,
eles começaram cada vez mais a ver a experiência como fonte de
conhecimento.
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Alan F. Chalmers – O que é Ciência afinal?
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Isso tem apenas se intensificado desde então pelas realizações espetaculares da
ciência experimental. “A ciência é uma estrutura construída sobre fatos”,
escreve J. J. Davies em seu livro On the Scientific Method (Sobre o Método
Científico).(6
) E eis aqui uma avaliação moderna da realização de Galileu,
escrita por H. D. Anthony:
Não foram tanto as observações e experimentos de Galileu que
causaram a ruptura com a tradição, mas sua atitude em relação a
eles. Para ele, os dados eram tratados como dados, e não
relacionados a alguma idéia preconcebida... Os dados da
observação poderiam ou não se adequar a um esquema conhecido
do universo, mas a coisa mais importante, na opinião de Galileu,
era aceitar os dados e construir a teoria para adequar-se a eles.(7
)
A explicação indutivista ingênua da ciência, que delinearei nas seções
seguintes, pode ser vista como uma tentativa de formalizar essa imagem
popular da ciência. Chamei-a de indutivista porque ela é baseada no raciocínio
indutivo, que será explicado em seguida. Em capítulos posteriores,
argumentarei que essa visão da ciência – juntamente com a explicação popular
que se lhe assemelha – é completamente equivocada e mesmo perigosamente
enganadora. Espero, então, que aí já esteja aparente por que o adjetivo
“ingênuo” é apropriado para a descrição de muitos indutivistas.
De acordo com o indutivista ingênuo, a ciência começa com a observação. O
observador científico deve ter órgãos sensitivos normais e inalterados e deve registrar fielmente o que puder ver, ouvir etc. em relação ao que está observando, e deve fazê-lo sem preconceitos".