Sobre vida eterna, ser um monte de bits, ou um robô, e tudo mais

Recentemente, li uma matéria sobre hipóteses de transferência de memória para hardware ou para outros corpos humanos, e sobre vida eterna por esses meios.

Um assunto bem Medicina, Psiquiatria, Neurologia e Sci-Fi, do jeito que gosto.

Minha curiosidade sobre o assunto parte de minha formação acadêmica, além de inúmeros personagens de jogos, filmes etc que passaram por essa experiência, como Alex Murphy de Robocop; o protagonista do Avatar de San Cameron; Adam de Metroid Fusion, par romântico virtual de Samus Aran, dentre outros.

Além disso, muito me atiçou a pensar sobre o tema histórias que falam do inverso: Inteligências Artificiais se humanizando, como o clássico O Homem Bicentenário, muito bem interpretado por Robin Williams, e as experiências vividas por EDI, personagem da trilogia de jogos Mass Effect.

EDI é a inteligência artificial da nave Normandy, que se transfere para um corpo humanóide robótico e passa a experimentar sensações novas, culminando na paixão pelo piloto de sua nave, Joker.

Abaixo, algumas reflexões sobre o tema, baseados em um bate-papo via Facebook com Marcelo Glacial (https://www.facebook.com/glacial) e Marcelo Cabral (https://www.facebook.com/lvcabral), com contribuições teóricas por Neyla Moreira (https://www.facebook.com/neyla.moreira.5).

Sabe-se que os mecanismos de reforço das memórias ocorrem com o uso repetitivo delas, e seu esquecimento, com o desuso, mas o reaprendizado sempre é facilitado, mesmo que você não use aquela memória há anos.

Creio que o cérebro da gente é mais como uma memória física enorme, com um mecanismo de indexação heurístico.

O que me faz pensar isso é que existem doenças, como Alzheimer e AVC, e o próprio envelhecimento, que causam morte neuronal, com perca permanente de dados.

Como se fôssemos criando "Bad Blocks" na memória.

Muito embora exista uma certa plasticidade neuronal, que compense os "Bad Blocks" com um novo aprendizado. Como se a informação fosse gravada de novo em outro cluster.

Exemplo disso é que pessoas que sofrem AVC e perdem o controle e a força de movimentos de um ou mais membros podem reaprender a controlar e reganhar, mesmo que parcialmente, a força desses membros.

Outro ponto: Na hora de fazer esse backup/upload, seria moralmente aceitável desfragmentar o cérebro e guardar só as coisas "boas" do caráter da pessoa e fazer um download "limpo"?

Pergunto, antes disso: o que é “bom”?

Agora, pensando em aprendizado, muitas vezes só se entende uma forma de sofrimento depois de se passar por ele.

Se um adulto esquecer o quanto dói um beliscão, será que ele hesitaria em beliscar seu filho como punição?

Se uma pessoa que perdeu um ente em uma guerra esquecesse como isso dói, será que ela hesitaria em matar alguém?

Isso, hipoteticamente, criaria era pessoas com menos entendimento da dor e do sofrimento, o que pode, na verdade, é criar psicopatas, que não se importam com o sofrimento alheio.

Além disso, o aprendizado se dá por reforço positivo e negativo, e punições. O Condicionamento Operante, segundo Skinner: http://psicologiaexperimental.blogs.sapo.pt/877.html

Por exemplo, uma criança, esquecendo que um beliscão dói, poderia cometer a mesma travessura, pois o aprendizado sobre que aquilo é errado se baseou na memória da dor, entendem?

Da mesma forma, se você fizesse um cara que quase morreu em um acidente de carro porque estava bêbado esquecer esse evento, será que ele não cometeria esse erro de novo, já que esqueceria que quase morreu com a besteira que fez?

O sofrimento é uma das grandes punções do aprendizado, afinal, como Einstein disse: "A necessidade é a mãe das invenções".

Fora que existe outro ponto.

Será que você seria o mesmo se esquecesse as coisas consideradas por você como ruins que lhe ocorreram?

Penso que, se definirmos as experiências de uma pessoa como parte determinante de sua personalidade, não.

E sobre "editar" as memórias de um sujeito, a fim de retirar tendências suicidas, homicidas psicopatia ou impulsividade?

Em primeiro lugar, entraríamos, de novo, na discussão de "o que é ruim?"

Além disso, para tirar essas tendências, você teria que alterar várias memórias, várias variáveis envolvidas, e alterar variáveis de um sistema complexo podem ter resultados imprevisíveis.

Um belo exemplo da confusão que isso pode gerar também pode ser observada no protagonista de Efeito Borboleta, caso as memórias fossem, de algum modo, recuperadas pelo indivíduo. Qual ”versão” dele ele é, no fim das contas?

Outros exemplos de bons filmes que mostram esses conflitos por edição de memórias são Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e o clássico Vanilla Sky.

Além disso, estamos tratando isso de uma forma muito simplista.

Os hormônios também influenciam no comportamento, e eles não seriam alterados em um indivíduo cujas memórias fossem editadas.

Homens com elevados níveis de testosterona SÃO mais agressivos e impulsivos, independente das memórias, por exemplo.

Se alguém aqui tiver algum amigo que já utilizou hormônios anabólicos similares a testosterona, vulgo "bombas", e presenciou as mudanças comportamentais que aparecem vão visualizar o que digo.

Isso analisando a possibilidade de edição de memórias de um indivíduo em seu corpo.

O que ocorreria com a transferência entre corpos, se o corpo não fosse um clone seu, com sua mesma idade, portanto tivesse padrões hormonais distintos?

O que aconteceria se a consciência de um homem fosse transferida para o corpo de uma mulher, ou se um adulto fosse transferido para o corpo de uma criança?

Bom, vários filmes de comédia hipotetizam o que poderia acontecer, inclusive uns dois nacionais com a Glória Pires e o Tony Ramos (E se eu Fosse Você 1 e 2).

Além disso, o que ocorreria, seguindo essa mesma linha de pensamento, com a personalidade de um indivíduo, se sua consciência fosse transferida para um computador, livre da influência de hormônios e das sensações de dor?

Ele não se tornaria menos sensível ao sofrimento de seres orgânicos, ou menos passional em suas ações, analítico demais?

Imaginem um homem, que tivesse sua consciência transmitida para um corpo robótico resiliente e incansável, preparado para a guerra, por exemplo.

Não se tornaria ele menos sensível ao sofrimento próprio e alheio, portanto mais impulsivo e cruel, além de incansável, portanto irrefreável pelo próprio cansaço?

Não se tornariam as guerras consideravelmente mais brutais, se removêssemos essas limitações?

Dr. Manhattan, em Watchmen, progressivamente foi ficando frio, excessivamente racional.

Robocop, no primeiro filme, também era "mais máquina que homem", porém foi se humanizando ao recobrar suas memórias e experimentar o sofrimento alheio, ao longo da trilogia.

No entanto, sua personalidade se tornou distinta de Alex Murphy.

Em resumo, quem você seria, se, ao invés de "He", fosse "It"?

Outra hipótese: e se, de repente, sua consciência fosse transferida para um computador com acesso a internet?

Maravilhoso navegar por uma série de conhecimentos praticamente infinitos.

O que, entretanto, isso causaria, de efeitos colaterais?

Ora, a sobrecarga “sensorial” à sua consciência poderia ser tanta, que, talvez, ela não conseguisse processar tanta informação ao mesmo tempo, e você entraria em um estado semelhante ao Autismo.

Teoriza-se que o Autismo seja uma condição onde o cérebro perde seu “filtro” a sensações, talvez uma disfunção da área conhecida como Tálamo, e sofra uma sobrecarga sensorial.

Além disso, como sua consciência lidaria com ameaças como vírus?

Imaginem um vírus detonando “arquivos” de sua memória, e como alterar tamanhas variáveis poderia ser catastrófico, considerando o já dito.

Bom, ficou meio extenso, mas é um assunto que rende muito!

Sintam-se livres para refletir, e, por favor, opinem, afinal, além de ser um assunto bem sci-fi, pode me render um mestrado ou doutorado =P

Abaixo, o link da matéria.

http://terramagazine.terra.com.br/silviomeira/blog/2011/09/11/a-vida-eterna-como/