A revolução industrial, o homem e as dimensões de tempo e espaço
Reflitamos; nós que somos os beneficiados e as vítimas
da Revolução Industrial.
(Laima Mesgravis)
Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma.
Que o mar unisse, já não separasse.
(Fernando Pessoa, no poema
“O Infante”, de Mensagem)
O desejo de ser grande e de resolver problemas impulsiona o Homem. Mas é o mesmo desejo que muitas vezes o apequena. Os desdobramentos da Revolução Industrial, com os quais convivemos até hoje, podem ser um bom exemplo desse paradoxo.
A Inglaterra do século XVII e sua busca por fios para tecelagem acabaram desencadeando um avanço tecnológico cujo processo parece não ter mais um fim para seu fuso. Nos últimos 300 anos, os homens até viveram outras revoluções, mas a Industrial – em suas diversas fases – apresenta-se como a que mais lastro deixou (e muito provavelmente deixará) no cenário de nossa existência. Mas como consequência dela, só o século XX nos presenteou com duas grandes guerras mundiais e com o medo de uma terceira, talvez a derradeira.
Há algumas décadas, quando o assunto era conquistas, ouvíamos com certa constância a expressão “o céu é o limite”. A sentença nos soa um pouco tola nos dias de hoje.
Dentre as mais incríveis transformações por que passamos está o redimensionamento conceitual das noções de espaço. Em grande medida, as descobertas proporcionadas pelas viagens ultramarinas nos séculos XV e XVI já tinham forçado novas e profundas reflexões a respeito do espaço ocupado pelo homem dentro do planeta. O avanço do conhecimento tecnológico ligado à indústria, porém, levará o ser humano no século XX a dominar o espaço não mais apenas pela terra ou pela água, mas também pelo ar. A chegada à Lua é o melhor exemplo, mas a construção de plataformas espaciais não pode ser esquecida.
O avião (e mais tarde o seu desdobramento, o foguete) talvez nunca tenha deixado de ser um dos projetos mais ambiciosos do homem diante da necessidade do deslocamento. Por esta razão, o uso dos barcos a vapor em lugar dos barcos à vela e o surgimento da locomotiva, em séculos precedentes, já traziam no seu âmago a possibilidade de voos mais altos no horizonte humano de conquistas. Infelizmente, no entanto, foram os aviões que possibilitaram a destruição de Hiroshima e Nagasaki por meio de bombas atômicas, cujos estilhaços ainda voam na direção de nossos olhos perplexos.
Reflitamos hoje: a partir do século XVII e XVIII, as indústrias foram se agigantando. A produção de barcos por parte da Inglaterra, por exemplo, movimentará inúmeras outras atividades, da extração da madeira à forja de canhões para as batalhas no mar. Sem contar com o desenvolvimento de inúmeras outras produções em larga escala: a de armas, a de cerâmica, a de tecidos etc.
No caso de uma catástrofe, hoje, graças aos transatlânticos, a ajuda humanitária pode chegar à população de um país inteiro, como recentemente ocorreu no Haiti. No entanto, aviões e porta-aviões ficam de prontidão sobre os mesmos mares, preparados para atacar possíveis países inimigos, os quais todos os povos parecem ter.
Se o homem do século XXI contempla a possibilidade de vir a habitar outro planeta, ela se deve à ambição inglesa de querer fabricar tecidos em larga escala e para uma grande massa. Do astrolábio à bússola, do ábaco ao computador, da carroça ao carro elétrico, há sempre o mesmo gênio especulativo e a mesma curiosidade impulsionadora inerente ao ser humano. Mas de mãos dadas com a ambição pode vir o desatino.
A internet seria impossível sem a descoberta da eletricidade e nenhuma invenção parece ter sido tão revolucionária quanto os computadores pessoais, pois possibilitam uma interação humana inimaginável há duas décadas. A noção de tempo e de espaço sofre fissuras importantes com a possibilidade de interligação entre todos os povos no mesmo instante.
Aparentemente, com vantagem para todos, o tempo gasto nos intercâmbios comerciais e na troca de informações entre pessoas simples de todo o globo diminuiu consideravelmente. Em contrapartida, são gastos milhões de dólares em programas contra a invasão de hackers, bandidos modernos que podem colocar em risco sistemas sofisticados de segurança mundial (sem falar naqueles que invadem contas bancárias de cidadãos comuns do mundo inteiro para roubar-lhes pequenas reservas).
Antigos navegadores se orientavam pelas estrelas. O avanço industrial nos brindou com os satélites, que dispensam as estrelas (ou seria melhor dizer escondem as estrelas?). Eles são responsáveis pela transmissão de informações com a rapidez da quase instantaneidade. Médicos fazem cirurgias, cientistas dão conferências, políticos declaram a paz e cessam imediatamente todas as matanças. Mas é preciso acrescentar que não temos mais privacidade: os mesmos satélites sabem onde nos encontramos a qualquer momento. A lente dos telescópios prova sua potência na descoberta de outras galáxias e, quem sabe, no reconhecimento de um outro ser vivo como nós.
E para pulverizar a eterna vigilância em nossas vidas, douram a pílula e nos pedem para sorrir para a câmera filmadora, presente em quase todos os lugares a que vamos.
O nosso grande desafio neste século é fazer chegar a todas as populações os benefícios da Revolução Industrial (ou melhor, das revoluções industriais) a todas as pessoas do planeta. São inúmeros os postos de trabalho que foram criados com as indústrias e seus desdobramentos. Os alimentos se deterioram menos por causa das geladeiras. As pessoas sofrem menos por causa dos aquecedores. A vida das pessoas se tornou mais ágil, mais cômoda e mais divertida também, mas, enquanto uma só criança morrer de fome (e sabemos que elas estão a morrer aos milhares por hora no mundo), nenhuma grande invenção e nenhuma grande descoberta podem fazer pleno sentido. Se o celular ou o avião supersônico, grandes invenções da tecnologia, não forem capazes de evitar uma morte, não terão cumprido seu destino de servir ao homem.