Os Sonhos de Descartes

Os três sonhos foram extraídos dos documentos de Descartes, conforme os relatos de Aczel (O Caderno Secreto de Descartes). “No primeiro sonho, ele caminhava pelas ruas e foi fustigado por um vento violento que assolava a cidade, encurvando as árvores e uivando através dos vãos das portas. O vento era tão forte que ele teve de se inclinar e caminhar arqueado junto ao chão. Sob o incômodo dessa grande violência natural, ficou desesperado por se abrigar da tempestade. De repente viu um colégio, seu próprio colégio de La Fleche, e, em seu terreno, a igreja que conhecia. Quis entrar na igreja para rezar, mas lembrou-se de que acabara de passar por uma pessoa sem a cumprimentar e quis retroceder para se desculpar. Mas o vento violento empurrou-o fortemente “contra a igreja”. Nesse momento ele viu no pátio do colégio uma pessoa que conhecia, e essa pessoa o chamou pelo seu nome. Ele lhe falou muito polidamente, perguntando-lhe se gostaria de ver Monsieur N., pois esse homem tinha um melão para lhe dar, um melão que havia sido trazido de uma terra estrangeira.

No segundo sonho, ele estava em uma sala; sentiu a sala desaparecer pouco a pouco, até que, de repente, ouviu um terrível estrondo, que acreditou ser um trovão. A tempestade do sonho anterior havia voltado, mas ele a sentiu como uma alucinação. A tempestade não podia atingi-lo – ele estava protegido pela segurança de seu quarto. Viu então o quarto se encher com magníficas centelhas de luz, e despertou de novo.

No terceiro sonho, Descartes estava sentado à sua escrivaninha com uma enciclopédia (ou dicionário segundo um interpretação) diante de si. Quando estendeu a mão para pegar a enciclopédia, encontrou outro livro, intitulado em latim Corpus poetarum. Abriu esse livro numa página ao acaso e encontrou ali um poema, “Idílio XV”, do poeta romano Ausônio. Começou a ver seu primeiro verso: Quod vitae sectabor iter? – Que caminho devo seguir nesta vida? Em seguida uma pessoa desconhecida apareceu e lhe mostrou outro poema de Ausônio intitulado, Este et Non. Mas assim que Descarte tentou segurar o Corpus poetarum, ele desapareceu. Em vez dele, voltou a encontrar sua enciclopédia – mas desta vez ela já não estava tão completa como fora antes. Depois o livro e a pessoa desconhecida desapareceram. Descartes continuou a dormir, mas agora estava num estado mais elevado de consciência, que o fez saber que o que acabara de lhe acontecer fora apenas um sonho. Foi capaz de interpretar o sonho enquanto ainda dormia.

Descartes compreendeu que a enciclopédia representava todas as ciências reunidas. Considerou que o Corpus poetarum representava a “filosofia e o conhecimento reunidos”. A razão para essa suposição foi sua crença de que os poetas – mesmo os que escrevem versos “tolos” – tinham algo a dizer que não era menos valioso que as obras dos filósofos. Os poetas proporcionaram a Descartes sua revelação, mas também o “entusiasmo” que apresentou no dia anterior aos sonhos – uma eufórica sensação de descoberta. Quanto ao poema Est et Non, ele pareceu a Descartes representar “o sim e o não de Pitágoras, compreendido como significando verdade e falsidade nas ciências seculares”.

Descartes interpretou o melão do primeiro sonho como o encanto da solidão. Interpretou o vento violento do primeiro sonho, que o empurrava com força contra a igreja, como o espírito maléfico, decidido a forçá-lo a entrar num lugar para o qual estava se dirigindo por sua livre vontade. Foi por esta razão que Deus não lhe permitiu se distanciar muito de seu destino, mesmo que o espírito maléfico o estivesse dirigindo para um lugar sagrado.

Descartes interpretou o estrondo do segundo sonho, um raio e o trovão que se transformaram em centelhas de luz dentro de seu quarto, como representando o espírito da verdade que vinha se apoderar dele. Agora Descartes tinha um resposta para a pergunta formulada no terceiro sonho pelo primeiro poema de Ausônio: “Que caminho devo seguir nesta vida?” E a resposta era que sua missão na vida era unificar as ciências.” A unificação da geometria e da matemática resultou no que conhecemos hoje ser a Geometria Analítica. Sem esta não teríamos a nossa tecnologia atual.

LSFerreira
Enviado por LSFerreira em 25/04/2012
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