Lettera 22 e o Tique-taque da vida
Máquina de escrever Lettera 22, de 1950, da Olivetti
As formas e dimensões reduzidas da Lettera revolucionaram o mercado de máquinas de escrever na década de 50. Criada pelo italiano Marcello Nizzoli (1887-1969) e comercializada pela Olivetti, a máquina era vendida numa espécie de valise. Numa época em que nem se sonhava com a invenção dos notebooks, a pequena mala de mão acoplada permitia transportar com facilidade seus 4 quilos.
HOJE, em pleno século XXI, tarde de verão, 12 de fevereiro de 2012, essa máquina ainda surpreende: Veja este relato: O neto(7 anos) ao ver o avô(70 anos) a escrever na sua velha "Lettera 22", exclama: "Que legal vô!!! - essa sua máquina digita e imprime ao mesmo tempo..." O vô retruca com o poema "Datilograifa" de Fernando Pessoa:
Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...
Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever