Consciência Moral e Responsabilidade
A partir do momento em que estamos livre de escolher entre esta ou aquela ação, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos. É esta responsabilidade que pode ser julgada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do grupo social (consciência civil). A Ciência, tecnologia, comunicação, ação à distância, princípio da linha de montagem: tudo isso tornou possivel o Holocausto. A perseguição racial e o genocídio não foram uma invenção de nosso século e herdamos do passado o hábito de brandir a ameaça de um complô judeu para desviar o descontentamento dos explorados. Mas o que torna tão terrível o genocidio nazista é que foi rápido, tecnologicamente eficaz e buscou o consenso servindo-se das comunicações de massa e do prestígio da ciência. Foi fácil fazer passar por ciência uma teoria pseudo científica, porque, num regime de separação dos saberes, o químico que aplicava os gases asfixiantes não julgava necessário ter opiniões sobre a antropologia física. O Holocausto foi possível porque se podia aceitá-lo e justificá-lo sem ver seus resultados. Além de um número, afinal restrito, de pessoas responsáveis e de executantes diretos (sádicos e loucos), milhões de outros puderam colaborar à distância, realizando cada qual um gesto que não tinha nada de aterrador. Assim, esse século soube fazer do melhor de si o pior de si. Tudo o que aconteceu de terrível a seguir não foi senão repetição, sem grande inovação.
O século do triunfo tecnológico foi também o da descoberta da fragilidade. Um moinho de vento podia ser reparado, mas o sistema do computador não tem defesa diante da ma intenção de um garoto precoce. O século esta estressado porque não sabe de quem se deve defender nem como: somos demasiado poderosos para poder evitar nossos enimigos. Encontramos o meio de eliminar a sujeira, mas não o de eliminar resíduos. Porque a sujeira nascia da indigência, que podia ser reduzida, ao passo que os resíduos (inclusive os radioativos) nascem do bem-estar que ninguém quer mais perder. Eis porque nosso século foi ou é da angústia e o da utopia de curá-la. Com um superego mais forte, a humanidade se embaraça num mal que conhece perfeitamente, confessa-o em público, tenta purificações expiatórias às quais se juntam as Igrejas e os governos e repete o mal porque a ação à distância e linha de montagem impedem de indentificá-la no inicio do processo. Espaço, tempo, informação, crime, castigo, arrependimento, absolvição, indignação, esquecimento, descoberta, crítica, nascimento, longa vida, morte… tudo em altíssima velocidade. A um ritmo de stress. Nosso século é o do enfarte.
ECO. Umberto. Rápida utopia. In: Reflexões para o futuro. São Paulo: Abril, 1993. p. 114-5..