Muitos mundos

Uma ideia extremamente inovadora foi desenvolvida em meados do século passado e popularizada em seu final, ressurgindo seguidamente em filmes e desenhos animados. Trata-se da concepção dos muitos mundos, desenvolvida por Hugh Everett para dar consistência à mecânica quântica, mas que é encarada pela maioria como uma ideia disparatada, não é.

De acordo com a interpretação ortodoxa da mecânica quântica, até que o mundo seja observado, ele se encontra em um conjunto de estados diferentes e complementares. Isso quer dizer o seguinte: até que alguém vá olhar o que aconteceu, todas as possibilidades estão ocorrendo simultaneamente, mesmo aquelas que se excluem!

A estranheza de tal interpretação me obriga a repetir: suponha haver um gato preso em uma caixa onde há também um revólver. O revólver está acoplado a um dispositivo que tem a metade de chances de disparar matando o gato, ou seja, enquanto a caixa está fechada, o gato terá a metade de chances de ter sido morto por um disparo do revólver, metade de chances de nada ter acontecido. Ninguém pode ter ouvido o possível disparo, ocorrido dentro da caixa blindada.

Qualquer pessoa sã dirá que ou o gato está vivo, ou o gato está morto, havendo metade de chances de cada uma das possibilidades. No entanto, certas sutilezas quânticas, provavelmente a máxima do filósofo Georges Berkeley: “ser é ser percebido”, levam os proponentes da interpretação ortodoxa a considerar que o gato está simultaneamente morto e vivo, compartilhando ambos os estados alternativos, até que alguém abra a caixa e perceba em qual dos dois estados possíveis o gato se encontra. Ao abrir a caixa, talvez o observador descubra que o gato está vivo. Em tal caso, o interprete ortodoxo dirá que o gato estava vivo ao ser colocado na caixa, posteriormente ficou simultaneamente morto e vivo dentro dela, até que a caixa foi aberta, quando o gato esteve vivo.

Quem leu os parágrafos acima terá achado, no mínimo, uma descrição estranha. Muito mais razoável parece ser dizer que, ou o gato está vivo, ou está morto, o que saberemos quando abrirmos a caixa. A diferença é sutil, mas significativa.

Para solucionar essa estranheza, Hugh Everett concebeu a ideia de que existem muitos mundos coexistindo simultaneamente em cada momento. Para ele, no instante em que o gato vivo é posto na caixa, ele está vivo em todos esses mundos paralelos. No entanto, quando a caixa é lacrada, havendo a possibilidade de um disparo ter ocorrido, matando o gato, a morte do gato terá ocorrido em metade dos mundos, não acontecendo nos universos restantes! Assim, sob esse aspecto, o gato está ao mesmo tempo morto e vivo, sem que haja uma contradição, uma vez que está morto em alguns mundos, vivo em outros! Quando o observador abre a caixa, ele descobre apenas em que mundo está, se em um daqueles em que o gato está vivo, ou se em um dos mundos em que o gato está morto, uma engenhosíssima solução!

Curiosamente, ao meu ver, tal solução é pouco apreciada, a maioria prefere a confusa descrição ortodoxa, considerando a de Everett excessivamente fantasiosa. Além dos físicos que assim o fazem, mesmo os místicos capazes de acreditar nas mais extravagantes tolices parecem considerar essa solução excessivamente imaginativa, o que me surpreende. Acredito que a maioria tende a ser convencida, não pela racionalidade de uma ideia, mas por sua repetição.