A Fragilidade Humana frente à ação dos Microrganismos

A Fragilidade Humana frente à ação dos Microrganismos

Luiz Eduardo Corrêa Lima

(Professor Titular de Biologia/ FATEA/Lorena/SP)

Historicamente, tanto na realidade, quanto na ficção, a humanidade quase sempre se viu ameaçada por algum tipo de “agente estranho” de origem biológica ou estritamente química, os quais mais recentemente nós passamos a denominar de antígenos, haja vista que são capazes de levar a produção de anticorpos específicos de defesa imunológica. Os antígenos são principalmente microrganismos, como vírus e bactérias, que parasitam os seres humanos ou outros organismos vivos produzindo infecções oportunistas.

De uma hora para outra, esses microrganismos, de alguma forma, conseguem vencer a barreira imunológica imposta pelos anticorpos que todos os organismos vivos desenvolvem e a partir daí se estabelecem nesses organismos, inclusive nos seres humanos, causando as mais diversas moléstias, muitas das quais ainda são incuráveis e que atingem parcelas extremamente significativas dos diferentes grupos populacionais e se transformam em epidemias poderosíssimas. Em alguns casos e locais as epidemias levam a letalidade de grande quantidade de indivíduos dessas populações. Isso não só aconteceu, como acontece até hoje e certamente continuará acontecendo a todo instante na natureza, até porque isso é algo simplesmente natural.

Além dos aspectos acima citados serem fatos naturais, também são situações comuns, reais e indiscutíveis. Contudo, ainda podem ser juntados a esses fatos as inúmeras crendices absurdas e vários castigos religiosos propostos e impostos pelos diferentes deuses das diferentes crenças, fundamentalistas ou não, ao longo da história da humanidade. É importante ressaltar que a maioria desses flagelos não se resume às grandes catástrofes e cataclismas geológicos como muitos podem pensar num primeiro momento, mas boa parte desses castigos também se destaca através das ocorrências de moléstias infecciosas de cunho epidêmico.

Enfim, essa é uma verdade cultural comum, que tanto está presente na realidade quanto na ficção. Quer dizer, independentemente do aspecto cultural abordado, da ciência ou da religião, as moléstias infecciosas causadas por agentes estranhos oportunistas sempre estiveram presentes no cotidiano histórico da humanidade.

Mas, e daí, como estamos nos saindo, pelo menos até aqui, tanto qualitativa quanto quantitativamente em relação a esse fato? Isto é, qual tem sido resultado efetivo das pretensas ou das verdadeiras situações em que nos encontramos com esses microrganismos? Ganhamos mais ou perdemos mais?

Tive oportunidade de discutir um pouco sobre as questões acima, num artigo anteriormente publicado (LIMA, 2006), porém, como referência genérica, eu quero lembrar que ao longo da história, nada matou tantos humanos quanto à tuberculose, uma doença produzida pela bactéria popularmente conhecida como “Bacilo de Koch” (Mycobacterium tuberculosis). Talvez, só a II Guerra Mundial seja outro evento que também tenha matado tantos humanos, mas esse outro tipo de tragédia foge ao propósito desse ensaio, porque não foi produzido por nenhum antígeno, entretanto vou utilizá-la como padrão de comparação.

Não vou muito atrás no tempo, me fixarei no último século e mais precisamente nos últimos 80 anos e isso já será extremamente significativo. Se o contingente total da população humana hoje é absurda e perigosamente grande, imaginem se essas moléstias não existissem, ou se nós tivéssemos conseguido ganhar todas as lutas desde que a Penicilina foi descoberta, Alexander Fleming, no ano de 1929. Imaginem, também que não tivesse havido a II Guerra Mundial. Quantos humanos existiriam hoje no mundo? Não posso precisar o número exato, porém certamente hoje já seríamos mais de 10 bilhões.

Num nível populacional de 10 a 12 bilhões, com o hábito particularmente consumista da humanidade atual, provavelmente o mundo, como entendemos, não existiria mais, ou então estaríamos passando por uma grande competição em consequência da carência de alimentos ou vivendo em pleno “canibalismo moderno”, porque certamente já estariam faltando muitos recursos naturais, principalmente recursos alimentares para nutrir todas as necessidades da espécie humana. É bom lembrar que ainda não chegamos a casa dos 7 bilhões de humanos, mas já estamos vivendo o início de uma crise de alimentos no planeta. Essa questão do crescimento populacional humano foi bem abordada por mim (LIMA, 2005) e vale a pena dar uma lida.

Mas, voltemos ao nosso tema, qual sejam, as infecções oportunistas que vitimam humanos ao longo do tempo. Quem sabe, devemos até agradecer a existência dessas fatídicas desgraças naturais, pois elas nos auxiliam a controlar a população humana sobre a superfície da Terra. As grandes epidemias, em certo sentido foram benéficas, porque impediram o crescimento populacional humano e assim postergaram a degradação ambiental produzida pela humanidade. É duro ter que pensar assim, mas essa é uma grande verdade.

Como indivíduos, certamente perdemos com as moléstias, porque morrem muitas pessoas individualmente. Entretanto, como população, eu acredito que ganhamos, pois melhoramos nossa conformação genética, produzimos indivíduos mais adaptados e resistimos mais, além de obrigarmos os antígenos a fazer o mesmo e assim, também controlarmos a velocidade do crescimento de nossas populações. Proporcional e relativamente morre menos gente, embora na verdade morra muito mais, porque a população total é maior, mas os sobreviventes são cada vez mais resistentes às moléstias.

Enfim, como tudo na vida, aqui também há um lado positivo e outro negativo. Perdemos indivíduos, mas nos armamos melhor na defesa imunológica para continuar à guerra. Se considerarmos que essa é uma guerra que não terá fim e que precisaremos lutá-la sempre, então a vantagem maior está em melhorar o nosso armamento progressivamente, independentemente de quantos de nós morramos nas batalhas travadas. Na verdade, esse é um mecanismo que não temos como controlar, mas por outro lado, como precisamos controlar o tamanho da população, certamente isso nos ajuda como espécie planetária viva.

Se assim for, em certo sentido, temos andado no caminho contrário aos processos evolutivos que mantêm a vida no planeta, porque tentamos minimizar o número de mortes naturais das batalhas desenvolvendo mecanismos adicionais, alheios ao processo evolutivo natural, que nos levam a ganhar batalhas através de “artifícios bélicos” que a natureza não conhece. Inventamos vacinas, que minimizam as mortes individuais e que ampliam as populações coletivamente e isso favorece ao desequilíbrio de nossas populações em relação aos antígenos. Se considerarmos que tudo o que existe relaciona-se, de alguma maneira, com tudo o que existe, então estamos trapaceando na luta o que nos parece ser uma vantagem, mas que ao longo do tempo vai se transformar numa desvantagem. Em suma, desta maneira estamos nos iludindo e dando tiros no nosso pé, além de estarmos desequilibrando a vida no planeta.

Vejam bem, não estou aqui fazendo juízo de valor entre o que seja certo ou o que seja errado. Tampouco estou me manifestando contrário ao tratamento de doenças ou a prevenção das mesmas através de vacinas. Nada disso. Estou apenas relatando algo que é biologicamente verdadeiro e que se por um lado nos favorece, por outro lado também nos prejudica. É bom salientar que isso também é verdadeiro para os microrganismos causadores das infecções oportunistas.

Na realidade o mecanismo, funcionando normalmente, deveria ser assim: se nossa população cresce a população de microrganismos cresce proporcionalmente e se ela diminui os microrganismos também diminuem. As populações deveriam flutuar umas em relação às outras dentro de padrões naturalmente estabelecidos, porém nós interferimos na natureza a tal ponto que os padrões naturais foram perdidos e os ajustes acabam sendo também anômalos e suas consequências são, muitas vezes, piores do que o esperado. Assim, as tragédias se ampliam e as consequências são maléficas para os organismos vivos em geral, para os humanos em especial e para o planeta como um todo.

Graças à genialidade da espécie humana, criamos mecanismos que suplantam as infecções oportunistas, estamos burlando normas naturalmente estabelecidas e isso talvez seja um mau negócio para nós mesmos. Inventamos vacinas, curamos doenças antes incuráveis, ampliamos a capacidade temporal da vida humana e super-povoamos o planeta com indivíduos da espécie humana que se espalhou de forma tal, que destruiu muito a condição natural do planeta. Isso é bom para nós, porém não estamos sozinhos no planeta e as consequências são ruins para os outros organismos vivos e para o planeta que abriga a todos nós. Ultimamente o planeta está começando a se defender de maneira mais contundente das nossas ações e os efeitos de sua defesa começam a ser sentidos por todos os organismos vivos, mormente humanos, cada vez mais significativamente.

Com certeza o planeta não vai acabar, mas os flagelos que virão, serão sempre piores e mais violentos para a humanidade, até que a ordem natural planetária, que a ação antrópica progressiva descaracterizou quase totalmente ao longo da história, comece a se restabelecer. Se o restabelecimento planetário não começar a acontecer, a espécie humana terá seu fim muito mais precocemente do que poderia ser previsto se as condições naturais do planeta tivessem sido mantidas. Podem me chamar de louco, mas eu acredito piamente que essa seja a perspectiva futura mais plausível que possa existir. Ou mudamos de filosofia e consequentemente passamos a desenvolver novos comportamentos, novas posturas e novos hábitos, ou estamos fadados a sofrer cada vez mais, até a extinção compulsória e prematura.

Cabe ainda ressaltar, que os microrganismos, assim como as demais formas vivas do planeta, também continuam evoluindo e obviamente estarão se adaptando ao novo homem e as infecções oportunistas vão continuar existindo, se diversificando em formas e ampliando os métodos de produzir moléstias, por que isso faz parte do processo natural de evolução. A regra da natureza é uma só para todos os seres vivos: viver é evoluir para continuar vivendo. É preciso que todos os organismos vivos, inclusive os humanos, façam a sua parte e utilizem suas armas na guerra evolutiva da sobrevivência planetária. O Homem precisa entender que “se o homem como espécie pode, todas as demais espécies do planeta também podem”.

Os microrganismos continuarão nos assustando e as batalhas continuarão sendo travadas. Obviamente vamos perder algumas e ganhar outras, mas serão as necessidades planetárias quem determinarão quais serão os vencedores e perdedores dessas batalhas e da guerra como um todo. A vida é assim e continuará sendo sempre assim: uma eterna guerra pela sobrevivência. Entretanto, essa é uma guerra das espécies e não dos indivíduos. Temos que pensar e agir no interesse da humanidade e não desse ou daquele humano. É desta maneira que as demais espécies fazem, inclusive e principalmente os microrganismos que são muito mais facilmente mutáveis, pois só assim podem tentar garantir seus respectivos objetivos evolutivos.

Em suma, a fragilidade dos organismos vivos e do planeta frente à ação dos microrganismos e das infecções oportunistas, ao que parece, é uma consequência direta da própria atividade antrópica, que tem atuado drasticamente sobre as condições naturais primitivas, modificando e degradando o meio ambiente e interferindo ativamente nos preceitos evolutivos que moldaram o planeta ao longo de toda sua história geológica. Talvez, se tivéssemos modificado menos, teríamos conseguido resistir um pouco mais e quem sabe não estaríamos em situação melhor, mesmo no que se refere ao alto grau de comprometimento em que nos encontramos frente às infecções oportunistas que têm histórica e progressivamente nos abatido.

A espécie humana parece ser a mais capaz, na verdade é a única, de empreender mecanismos para tentar minimizar e resolver essa questão no interesse de si mesma e de todas as demais. Basta apenas manifestar uma postura prioritária, como de ações proativas na defesa ampla e na recuperação do ambiente natural. Além disso, nossa espécie é a única que possui, produz, acumula e transmite o conhecimento e assim, deveria procurar desenvolver uma consciência coletiva e efetiva sobre esse fato natural único na Terra, a fim de produzir estudos e ações comportamentais comunitárias preventivas, para poder combater melhor determinadas questões, como por exemplo, os microorganismos oportunistas.

Entretanto, por outro lado, lamentavelmente nossa espécie ainda não entendeu que, exatamente por possuir todos os atributos que possui, acaba sendo a espécie mais dependente do sistema planetário como um todo e por conta disso parece não conseguir agir no interesse da manutenção de sua vida e nem de todas as demais espécies vivas da Terra. Infelizmente ainda não resolvemos compreender nem assumir essa verdade coletivamente e assim não ainda não somos suficientemente capazes de encarar a nossa responsabilidade planetária.

REFERÊNCIAS

• LIMA, L.E.C., 2005. A Verdadeira Questão Ambiental, Ângulo, Lorena, (103): 14 – 17, 2005.

(Também publicado em http://www.recantodasletras.com.br/autores/profluizeduardo,

13/09/2008)

• LIMA, L.E.C., 2006. Homem X Bactéria: uma luta sem fim. http://www.vejosaojse.com.br, 05/05/2006.

(Também publicado em http://www.aproesp.com.br, 13/05/2006)

Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Escritor e Ambientalista;

é Membro Fundador da Academia Caçapavense de Letras e atual 1º Vice-Presidente;

foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.