Lágrimas tecnológicas
Era uma vez um imperador que chorou na frente de um rouxinol e conquistou assim sua amizade. Só que o imperador prendeu o rouxinol em uma gaiola de ouro, pois queria ter seu canto só para ele. O rouxinol adoeceu e o imperador soltou-o. Para consolar-se, encomendou dos ferreiro reais um rouxinol mecânico. Porém, o robozinho não cantava canções de improviso,e muito menos dava conselhos. Um dia, ele quebrou. E esta foi a vez de o imperador ficar doente, por causa do silêncio. O rouxinol voltou; numa noite em que o espírito da morte molestava o amigo. O rouxinol cantou uma música que lembrava os jardins de flores brancas regadas com as lágrimas dos esquecidos, expulsando assim a morte.
Se fosse o rouxinol mecânico, nunca improvisaria uma canção, a não ser que fosse programado para isso. Já por sua vez, se o imperador soubesse que deveria utilizar o rouxinol mecânico com moderação, já que toda tecnologia artificial tem um tempo de vida útil, nunca teria adoecido.
Uma dúvida cada vez mais presente em nossa sociedade, é se um dia as tecnologias criadas pelo homem irão substitui-lo. Difícil acreditar. O paleontólogo Richard Leakey, em seu livro “A origem da espécie humana” dedica-se a explicar o conceito de humanidade: “Duas linhas de indícios existem há muito tempo: uma que diz respeito às mudanças na tecnologia e outras manifestações do cérebro e mãos humanas”¹ cita características físicas como bipedismo, motricidade fina, linguagem falada e sentimentos como compaixão. Indo mais além, o homem é um animal que se auto-percebe, e é dotado de uma consciência extrema do que faz ou deixa de fazer no ambiente onde vive. A partir deste conceito, já sai em vantagem em relação a tecnologia que criou.
“...cada um de nós percebe a vida por meio da consciência ou da auto percepção. Ela é uma força tão poderosa em nossas vidas que é difícil imaginar a existência na ausência da sensação subjetiva que chamamos de consciência reflexiva. Tão poderosa subjetivamente, e ainda assim objetivamente indefinível. A consciência apresenta-se aos cientistas como um dilema, que alguns acreditam insolúvel. O sentido da auto percepção que cada um de nós vivencia é tão brilhante que ilumina tudo que fazemos e pensamos; e ainda assim, não há maneira pela qual, objetivamente, eu possa saber que você experimenta a mesma sensação que eu, e vice-versa.”²
Sendo o homem o único animal que muda o meio onde habita por vontade própria, é através de seus anseios e desejos que uma máquina criada por ele é programada. Pois então, estamos sujeitos a personalidade e consciência humana a todo momento. Se for assim, sabendo que além destas características, o ser humano é o único capaz de matar por prazer, ou criar estratégias para realizar batalhas em guerras, ao contrário de usar o próprio corpo como os outros animais, causando assim a impossibilidade de conviver em paz com a própria espécie. E se não consegue viver em paz com os seus, nunca viveria em paz com robôs, ou máquinas. Ao mesmo tempo em que um robô pode ser programado para salvar vidas, pode ser programado para acabar com elas. E se for programado para resolver uma situação “x” ou “y”, nunca conseguirá resolver uma situação “w”, pois não percebe a si próprio, não tem consciência ou sentimentos, e se tiver, vai ser apenas o que o que o ser humano programar, ou seja, limitada. E se a ganância na maioria das vezes dita as regras, as pesquisas relacionadas à células tronco, por exemplo, serão utilizadas por longo tempo apenas por quem tem dinheiro, e não apenas necessidade, como foi com os transplantes de órgãos há décadas atrás.
Embora existam todos estes poréns, além de ser considerado monstruoso em certos momentos, o mecanismo humano sofre acessos de perfeição que causam admiração e espanto ao mesmo tempo. E além disso, um ser humano não pode viver sem o outro. Existem funções que por conta da sua peculiaridade, só podem ser realizadas por seres humanos (se fosse ao contrário, não existiriam mais cobradores de ônibus, já que o cartão cobra a passagem com o valor exato). Ao mesmo tempo que alguns indivíduos podem estar mirabolando tecnologias negativas, outros podem estar utilizando as próprias mãos para acalentar ao próximo em um momento inusitado. O fascínio está tão presente em nossas peculiaridades e diferenças, que a tão buscada perfeição através da tecnologia chega ao ponto em que perde a graça, e um abraço bem apertado passa a nunca poder ser substituido por um “scrap”. (Um adendo: se alguém conhece algum casal que se relacione pela internet e não tenha vontade de se tocar pessoalmente, me avise, que prometo rever meus conceitos.) Muito menos uma lágrima (imperial ou não) será substituída por uma gota de óleo.
1-LEAKEY, Richard E. A Origem da Espécie Humana. Rio de Janeiro, Rocco, 1997. p85.
2-Idem, p134
Artigo produzido para as aulas de Jornalismo Especializado: Professora Msc Michele Limeira, Centro Universitário Metodista do Sul, IPA.
Caroline Garcia.
Porto Alegre, 07 de junho de 2010.