Por que pesquisar?
Porque a pesquisa favorece a solução de problemas como educação, fome, miséria,trabalho, saúde, habitação, qualidade do ar e tantos outros interligados entre si.
Porque a permanecer o atual cenário em que os países hegemônicos (dominantes), além de manter altos padrões de vida, impõem aos países periféricos (dominados como o Brasil) sérias dificuldades.
Há que se ter estratégias bem definidas para buscar soluções de enfrentar essa dominação que promove desigualdade e injustiça social. Uma das expressões dessa desigualdade está na própria dominação cultural, nos letreiros das lojas, no mercado de livros didáticos, na busca de destruição da unidade lingüística.
Sabe-se que o idioma português é o dominante no Brasil, falado em todo o território nacional. Outro tipo de comunicação envolve pequenas comunidades do Sul, onde alemães, polacos, italianos, etc, se comunicam usando seu idioma de origem. Há hoje em nosso país apenas cerca de 40 línguas faladas, das 1.600 que o país dispunha em 1.500 e que conseguiram sobreviver, a duras penas, apesar do processo acelerado de extermínio das comunidades indígenas.
Os problemas da fome e da miséria não estão na pauta de preocupação dos economistas e da teoria econômica dominante, que a grosso modo enxerga o indivíduo apenas como um número frio.Não lhe é dirigida e dedicada uma atenção maior e mais explícita que contemple considerações éticas que possam moldar comportamentos e juízos do grupo humano ao qual aquele indivíduo pertence.
O progresso tem sido confundido com a ciência do desenvolvimento econômico ete cnológico, onde foi instalado o mito de que a industrialização ilimitada é a que possibilita o crescimento. As soluções simples como tecnologias apropriadas foram abandonadas pelas políticas públicas que as vê como “romantismo”. Conforme Duarte (1998:12) :
(...) “Conhecimentos como filosofia, religião, senso comum e arte perderam reconhecimento diante da racionalização científica e tecnológica. Entra aí o mito da superioridade da ciência e da tecnologia e de suas correspondentes práticas”(...).
Também Morin (1999:167), na mesma linha de pensamento diz:
( ...) “A razão fechada rejeita como inassimiláveis fragmentos enormes da realidade, que então se tornam a espuma das coisas, puras contingências. Assim, foram rejeitados: a questão da relação sujeito-objeto no conhecimento; a desordem, o acaso; o singular, o individual (que a generalidade abstrata esmaga); a existência e o ser, resíduos irracionalizáveis.
Tudo o que não está submetido ao estrito princípio da economia e da eficácia (assim, a festa, o potlach, o Dom, a destruição suntuária são racionalizadas como formas balbuciantes e débeis da economia, da troca).
A poesia, a arte, que podem ser toleradas ou mantidas como divertimento, não poderiam ter valor de conhecimento e de verdade, e encontra-se rejeitado, bem entendido, tudo aquilo que denominamos trágico,sublime, irrisório, tudo o que é amor,
dor, humor...” .
Há que se admitir que, no final de século, muitos cientistas permaneceram em silêncio, formulando seus pensamentos apenas entre seus pares, através de papers, sem o compromisso moral de fazer chegar e dividir o conhecimento adquirido para ajudar na resolução dos grandes problemas sociais.
No entanto, outros cientistas socializaram exaustivamente sua produção intelectual, através dos próprios papers, artigos em jornais , cursos, palestras, aulas, seminários e outros veículos de grande difusão.
Mayor, (1998:119-144) que foi diretor da Unesco, assim escreve:
(...) “Os cientistas tem que transcender as paredes dos seus laboratórios, de seus departamentos, das faculdades e das indústrias. Dizer que a vida científica é uma questão de “publicar ou morrer” é depreciativo e errôneo. Um cientista que permanece silencioso, sobretudo quando podem seguir-se conseqüências irreversíveis, está comportando-se de maneira não-profissional e imoral" .
O simples anúncio de que o CNPq irá preparar um plano nacional de popularização da ciência, ventilado durante a 52ª SBPC, julho/2000, realizada em Brasília, abriu perspectivas de agregar boa parte da comunidade científica, principalmente a que já vem trabalhando com desenvoltura ao longo da vida científica, acadêmica, social, intelectual, cultural. Roitman (2000:12) argumenta que a popularização da ciência dará mais
(...)“legitimidade ao trabalho da comunidade científica do país. O reconhecimento das atividades científicas por parte da sociedade pressionará o governo a estruturar a ciência com políticas de longo prazo que demandam um fluxo contínuo de investimentos. Ele completa: Vamos transformar o brasileiro, como ocorre no futebol, em um bom entendedor e um torcedor fanático da ciência.”
O que a experiência de trabalhar nesse meio científico durante tantos anos nos mostra, é que como instrumento para se chegar “`a verdade”, a ciência é inigualável. Há então concordância com as análises de Federico Mayor. Mas há que se refletir também sobre uma nova forma de olhar essa “verdade”, muitas vezes mostrada apenas com números para justificar recursos financeiros.
Não há nenhuma pretensão em discutir aqui as regras de progresso da ciência, até porque se sabe que ela está amparada na verificação empírica e lógica, com teorias e postulados.
Morin(1999) cita Popper como grande mestre nessa questão, ao mostrar aos estudiosos que a ciência é um campo sempre aberto ao combate das teorias e aos próprios postulados metafísicos.
E isso nos revela o próprio Morin (1999) “A ciência é e continua a ser uma aventura” e que essa aventura não está na capitalização das verdades adquiridas, das teorias conhecidas, mas no caráter aberto de aventura que permite a contestação.
Morin novamente (2000:30) transmite um olhar transdisciplinar :
(...) “O desenvolvimento da ciência também esteve intimamente atado à quantificação. O que não pudesse ser quantificado estava eliminado do conhecimento, não existia. Entretanto, a existência não pode ser quantificada. Não há como quantificar o sujeito humano (...) ainda (...) muitas coisas realmente importantes na vida não podem ser quantificadas e, neste sentido, a ciência é metáfora. Sabemos que a metáfora ajuda muito no conhecimento e nas relações poéticas da vida, nos sentidos de prazer (...)”
Boaventura (1988) confirma de certa forma o que diz Morin:
(...) “Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir
(...) O mundo é complicado e a mente não o pode compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou (...) As leis da natureza são o reino da simplicidade e da regularidade onde é possível observar e medir com rigor”?
Já Morin (1999:26) argumenta:
(...) “A quantificação não diz nada sobre as qualidades (...) que expressam-se por imagens que passam pelo conhecimento mitológico e poético (...)como tudo está fundado sobre o princípio de separação, este conhecimento é mutilado”.
Buarque (1999:40), ao se referir à pobreza da economia diz:
(...) “Nossos jovens doutores, formados em países onde o problema da pobreza estava equacionado, trouxeram uma teoria econômica desadaptada a nossas necessidades. Concentrada na riqueza, a teoria econômica sofre de uma crônica pobreza ética. É incapaz de entender e enfrentar o problema da pobreza social. Porque se baseia na premissa de que o mercado resolve o problema da pobreza.”
E o que se pode deduzir disso tudo? Que os problemas de desemprego, saúde, educação, trabalho infantil escravo, moradia, saneamento, justiça, segurança, depredação da natureza, crimes e outras mazelas, denotam a existência de uma crise de percepção, de cegueira do homem.
O pensamento econômico tem cegado esse homem!
Ao longo do tempo percebe-se também que o setor de ciência e tecnologia é instrumento estratégico para a retomada do desenvolvimento e a construção de um Brasil - Nação.
(...)”cada grupo, cada indivíduo sente em si uma unidade, sem a percepção nacional; o sentimento de coletividade não vai além da fronteira da família, no máximo nos contornos de sua corporação”(...). (Buarque, 1999:65).
Penso ter dado um ponta pé inicial com esta minha contribuição para o assunto. No nosso próximo artigo escreveremos “Para quem pesquisar’.
Hildebrando Souza Menezes Filho
É aprendiz de poeta e mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília.