Jocax: O Novo Indutivismo e a Navalha de Ocam
O Novo Indutivismo e a Navalha de Ocam
João Carlos Holland de Barcellos (jan/2009)
Resumo: A Navalha de Ocam (NO) estabelece que se deva eliminar hipóteses “desnecessárias” das teorias. Este ensaio pretende estabelecer algumas normas para conceituar o critério de “não-necessidade” na NO. Uma nova versão Indutivista, baseada no Indutivismo clássico também é proposta, e posteriormente utilizado, para resolver este problema.
Palavras chaves: Epistemologia, Navalha de Ocam, Filosofia da Ciência, Ciência, Indutivismo, Lógica, “Hierarquia indutivista”, Método Indutivo.
1-Introdução
A Navalha de Ocam (NO) [1] é um critério lógico-filosófico utilizado em praticamente todo processo de aquisição de conhecimento e também em nossa vida cotidiana.
A NO, resumidamente, estabelece, em sua forma mais sucinta, que devemos eliminar hipóteses desnecessárias de nossas teorias. Este critério, por si só, é quase uma tautologia, isto é, uma verdade lógica absoluta, pois, sendo as hipóteses estabelecidas como desnecessárias, pela própria definição de “desnecessidade” elas não são mesmo necessárias na teoria. Dessa forma a NO deve ser considerada, por si mesma, uma verdade incontestável. Portanto, o problema não reside propriamente na NO, e sim nos “critérios de necessidade” sobre as hipóteses.
Para exemplificar, vamos tomar alguns exemplos. Considere as seguintes teorias:
1a- Para um carro andar é preciso que tenha combustível.
1b- Para um carro andar é preciso que tenha combustível, e que seus ocupantes tenham que se rezar o “pai nosso”.
2a- Para que um xarope faça efeito é necessário o paciente ingeri-lo.
2b- Para um xarope fazer efeito é necessário o paciente ingeri-lo, e, além disso, o paciente precisa cantar o “ula-ula” enquanto dá três voltinhas em torno de si mesmo.
Poderíamos, dessa forma, incluir uma infinidade de outras hipóteses, as mais malucas possíveis, em cada uma de nossas teorias.
Da mesma forma o leitor sabe que não precisa recitar a poesia “batatinha-quando-nasce” para tomar um copo de água para evitar que a água pule fora de seu copo antes de bebe-la. Isto mostra que a NO está presente e é aplicada, mesmo de forma imperceptível, até mesmo no cotidiano de nossas vidas.
Mas a pergunta importante é:
Como sabemos se uma hipótese é realmente desnecessária?
Como sabemos que de fato não precisamos rezar o “pai nosso” para um carro andar, nem girar em torno de nossos corpos cantando “ula-ula” para um remédio fazer efeito, ou então recitar “batatinha-quando-nasce” para não deixar a água fugir de nossos copos?
A rigor, todas estas hipóteses aparentemente absurdas, e, para nós, claramente desnecessárias, destes exemplos, poderiam ser absolutamente necessárias em algum outro universo, ou até mesmo em nosso próprio universo, a partir do momento que o leitor terminar esta frase. Ou seja, não podemos garantir que as leis do universo mudaram, e que, a partir de agora, aquelas hipóteses, antes tidas como absurdase bizaras, tornaram-se agora absolutamente necessárias.
Em suma, qual o critério de necessidade (ou não) de uma hipótese ou teoria qualquer?
Antes de respondermos a esta importante questão, vamos desenvolver um novo arcabouço teórico: “O Novo Indutivismo”.
2-O Novo Indutivismo
O principal processo para conectarmos nossas mentes ao mundo externo e elaborarmos teorias a cerca do nosso universo, isto é, a forma de adquirirmos conhecimento, é conhecido como “processo de indução”.
O processo de indução, conhecido também como Indutivismo ou Indutividade, estabelece que experimentos ou acontecimentos ou eventos que sempre dão os mesmos resultados, nas mesmas condições, provavelmente, deverão continuar dando os mesmos resultados nestas mesmas condições. E, quanto mais vezes estes resultados se repetirem, isto é, quanto mais observações favoráveis forem obtidos, mais confiabilidade deveremos ter em que hipóteses ou teorias que reflitam esta estabilidade, sejam verdadeiras.
2.1-Formação de Hipóteses
É claro que a simples observações de repetições de fenômenos naturais não produz, por si mesmo, nenhuma teoria. Um macaco, para exemplificar, pode observar durante toda a sua vida um fenômeno repetitivo, como o que ‘o Sol nasce no leste’, e nem por isso uma teoria sobre isso deverá surgir em sua mente.
Portanto, o processo indutivo não elabora teorias prontas, mas, antes de tudo, fornece pistas importantes para que nós, ou alguma forma de processamento, faça a criação de hipóteses ou de teorias sobre o fenômeno observado. Dessa forma, é perfeitamente possível que pessoas distintas elaborem teorias ou hipóteses também distintas utilizando os mesmos dados fornecidos pela observação indutiva.
2.2-Primeiros Resultados
Pelo processo indutivo criamos a hipótese básica de que nosso universo é lógico, isto é, funciona logicamente de acordo com a lógica clássica aristotélica. E também que as leis da física devem ser estáveis. Estes primeiros resultados nos dão a confiança de que o nosso universo não deve ter mudado as suas leis, em nosso exemplo anterior, para fazer com que a água escape de nossos copos se antes não recitarmos “batatinha-quando-nasce”!
O processo de Indução ainda é muito criticado por muitos cientistas e filósofos da ciência, sob a alegação (verdadeira!), de que este processo nem sempre produz resultados corretos.
Mas, sob o “Novo Indutivismo” isso dificilmente acontece. No novo Indutivismo, como veremos, existe uma hierarquia indutiva. Esta hierarquia estabelece que novas regras indutivas devem estar subordinadas às regras indutivas mais básicas e mais extensamente testadas já existentes.
Ou seja, existe uma hierarquia de leis, baseados em processos indutivos mais básicos e mais confiáveis, onde alguns têm uma força, ou privilégio, maior que outros, e, dessa forma, não se pode romper a hierarquia indutiva sem uma boa razão para isso.
Assim, uma nova regra indutiva só pode ser considerada satisfatória se não quebrar a hierarquia de regras indutivas mais fortes.
Dessa maneira o “Novo Indutivismo” pode ser definido como o Indutivismo clássico atrelado à subordinação de uma hierarquia indutiva.
2.3-A Hierarquia Indutiva
Podemos criar uma hierarquia indutiva, em grau decrescente de força, de modo que uma lei, num grau menos elevado de força, não deva ir contra os níveis hierárquicos superiores. A nossa hierarquia indutiva pode ser definida em um grau decrescente de importância da seguinte forma:
1- A mais poderosa e básica regra indutiva é a de que nosso universo é lógico. A indução que leva a ela é a de que nunca foi observado nenhum evento ilógico. Então devemos supor, por indução, que o universo segue a lógica. Qualquer teoria que contrarie esta primeira regra deverá, em princípio, ser considerada falsa.
2- As leis da Física formam a segunda classe da nossa hierarquia indutiva. Obviamente elas não devem contrapor o primeiro nível da hierarquia. E por esta razão as leis da física podem utilizar a matemática, que é baseada totalmente na lógica. As leis da física são criadas pela observação do mais extenso conjunto de observações sobre as regularidades observadas em nosso universo, e por essa razão, devem estar entre as mais confiáveis regras construídas pelo homem. A força destas regras reside no fato de que elas devem ser verificadas, direta ou indiretamente, em todo o universo observável, e não estarem restritas à nossa casa, ao nosso planeta ou mesmo ao nosso sistema solar.
3- As leis da química poderiam formar o terceiro nível de nossa hierarquia.
4- As leis da biologia nosso quarto nível.
5- As outras normas, regras ou leis não devem contradizer as teorias da classificação acima, a menos que sejam exaustivamente verificadas.
Podemos notar que o grau da força na hierarquia indutiva, está baseado na “extenseabilidade”, isto é, na quantidade de observações favoráveis no espaço e no tempo, em que a teoria aborda de modo favorável. Regras indutivas de curta abrangência no espaço e no tempo possuem menos casos favoráveis do que as de grande abrangência. Por esta razão tais regras devem estar subordinadas às mais gerais, que foram mais testadas, e por isso apresentam um grau de confiabilidade maior.
2.4-Réplica Indutivista
Agora, com esta classificação, podemos rebater o argumento contra o processo indutivo: "O argumento do nascer do Sol". O "Argumento do Nascer do Sol" diz que se utilizarmos o processo indutivo sobre o nascimento do Sol todas as manhãs deveríamos criar uma lei que estabelecesse:
"Hoje e sempre, a cada 24 horas, o sol nascerá no nascente e morrerá no poente"
Entretanto, podemos “refutar” (*) este argumento mostrando que ele vai contra os princípios indutivos da segunda hierarquia (as leis da física) já que, por estas leis, o hidrogênio do Sol irá acabar em cerca de quatro bilhões de anos, e a nossa estrela irá explodir, de forma que um dia, infelizmente, o Sol não mais nascerá, e, portanto, por contrariar o segundo nível da hierarquia, esta regra não pode ser considerada satisfatória.
2.5-“Refutacionismo Indutivista”
Devemos deixar claro que o processo indutivo, como qualquer outro processo, não leva necessariamente à verdade. Algo que sempre se mostrou estável, e forneceu os mesmos resultados, pode mudar estes resultados por alguma nova condição, ou alguma nova observação. Nunca teremos certeza sobre a verdade última do universo [3].
Dessa forma, é natural que uma lei, ou regra, criada por um processo indutivo, deixe de ser válido se uma nova observação “refutar” (*) a regularidade indutiva. Nesse caso, claro, a indução deixa de existir, pois este evento refutatório não passou pela indução. A indução, neste caso, foi quebrada e, portanto, deixa de ser uma indução. A indução, neste caso, não é mais válida. Podemos perceber claramente a quebra da indutividade por um evento desfavorável como análogo ao “Refutacionismo popperiano”, onde uma evidência contraria a teoria serve como um elemento “refutatório” da mesma.
2.6-O Método Hipotético Dedutivo
O Método Hipotético-Dedutivo (MHD), no qual são lançadas hipóteses ou teorias, para serem testadas posteriormente, não vai contra o novo método indutivo. Se não, vejamos:
No MHD uma teoria (ou hipótese) - não necessariamente de base indutiva – é proposta. A partir desta teoria pode-se utilizar a lógica e verificar as conseqüências que ela acarreta. Se alguma observação “refutar” (*) a conseqüência desta teoria, ou diretamente a própria teoria, então esta teoria estará “refutada” (*). Mas é claro que se a conseqüência de uma teoria for “refutada” então a teoria que lhe deu origem também estará, pois a regra indutivista mais forte é a lógica, e pela lógica (mais especificamente por “modus tollens”) se o conseqüente é falso então, necessariamente, o antecedente também o será.
Dessa forma, podemos verificar que se o MHD mostra um fato que resulta numa “refutação” da conseqüência de uma teoria, segue também que este fato quebrará o Indutivismo da teoria que lhe deu origem. E o oposto também é claramente verdadeiro: uma falha no Indutivismo por uma observação também “refutaria” (*) a teoria.
2.7- As Evidências
Uma evidência é uma observação, fato, ou evento que corrobora, ou não, uma teoria. O método indutivo parte das evidências para a elaboração das teorias, isto é, a indutividade já tem como ponto de partida, a sua base, alicerçada na realidade, no empirismo evidencial. Dessa forma, o Indutivismo já começa com alguma vantagem sobre outros processos de criação de hipóteses.
É importante notar que teorias ou hipóteses geradas por processos de criação que não partam de observações empíricas, também precisarão passar por algum processo de validação, isto é, uma sucessão de testes e observações empíricas também será necessária para que haja algum tipo de confiabilidade nestas teorias.
Obviamente que, em princípio, uma teoria não indutiva, recém-criada, e ainda sem nenhuma evidência favorável pode ser verdadeira, enquanto outra, que foi bastante testada, ser falsa. Entretanto, até que as observações ou experimentos diminuam ou aumentem a confiabilidade das teorias, devemos dar mais créditos às teorias que já passaram por algum teste empírico, e, nestes casos, teorias de base indutiva já teriam esta vantagem inicial, e devem, portanto ser tomadas como mais confiáveis que as não indutivas.
2.8-Grau de “Confiabilidade Indutiva”
Como um caso particular, mas não pouco importante, podemos dizer que uma teoria que apresenta nenhuma evidência favorável, isto é, o número de induções favoráveis é zero, deve ter, em princípio, confiabilidade também zero.
À medida que a quantidade de evidências favoráveis aumenta (quantidade de eventos indutivos válidos), o grau de confiabilidade indutiva deve também aumentar.
3-Critério de Necessidade na Navalha de Ocam
Com esta nova base teórica podemos agora responder à pergunta do inicio deste ensaio:
“Qual o critério de necessidade (ou não) de uma hipótese ou teoria na NO?”
A resposta a esta pergunta pode ser dada pelo grau de “confiabilidade indutiva” (CI) apresentado pela hipótese em relação à teoria. Quanto menor a confiabilidade indutiva (CI), mais desnecessária é a hipótese.
Por exemplo, a teoria:
1b- Para um carro andar é preciso que tenha combustível, e que seus ocupantes tenham que se rezar o “pai nosso”.
A hipótese da necessidade da reza para o carro andar apresenta baixíssimo CI, e, portanto, pode ser considerada desnecessária. Claro que se nosso universo mudar, ou então o fato se passar em outro universo, esta hipótese poderá ter um alto grau de CI, e, portanto, ser uma hipótese não desnecessária. Tudo vai depender de sua confiabilidade indutiva associada.
(*) “Refutar” está entre aspas, pois segundo o P.I.F. [3] nunca é possível saber se uma observação é realmente verdadeira, e, portanto nunca é possível saber se algo foi realmente refutado.
Referências:
[1] A Navalha de Ocam
http://www.genismo.com/logicatexto24.htm
[2] Ciência Expandida
http://www.genismo.com/logicatexto25.htm
[3] O Princípio da Incerteza Filosófico
http://www.genismo.com//logicatexto31.htm
[4] O Argumento Indutivista
http://www.ecientificocultural.com/ECC2/artigos/metcien2.htm
[5] ANTI-INDUTIVISMO E FALSEACIONISMO POPPERIANOS
http://www.filosofia.cchla.ufrn.br/claudio/epistemologia/anti-indutivismo_falseacionismo_popperianos.pdf