Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos
Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular de Biologia/ FATEA/Lorena/SP)
Esse talvez seja o assunto de cunho biológico mais envolvente e o que mais interessa as pessoas em geral. Digo isso porque ao longo dos meus quase 35 anos de magistério nas diferentes áreas da Biologia, certamente esse foi o assunto que mais vezes tive que responder a questionamentos, tanto dentro quanto fora das escolas. Ou seja, os questionamentos ocorriam tanto por parte de alunos e de colegas professores, como também a partir de outras pessoas totalmente desvinculadas da atividade escolar ou biológica, as quais tinham grande interesse e curiosidade sobre a questão. Por conta disso, resolvi me atrever e escrever esse artigo, onde tentarei informar aos não biólogos e principalmente aos curiosos um pouco mais sobre o assunto.
Começarei informando que a Reprodução é o mecanismo pelo qual as espécies vivas se perpetuam no espaço e no tempo. Ou seja, só pode ser considerada uma espécie aquele grupo de indivíduos semelhantes que é capaz de gerar descendentes e se manter vivo numa determinada área ao longo do tempo. A Reprodução Sexuada é um mecanismo mais seguro de manter e perpetuar as espécies, pois garante a variabilidade e gera a diversidade necessária entre os indivíduos da espécie. Entretanto, é preciso saber clara e conceitualmente o que é esse mecanismo e que implicações ele traz para a vida como um todo e para vida animal particularmente.
Na verdade, muita gente pensa que Reprodução Sexuada é aquela que envolve cópula, assim confunde Reprodução Sexuada com Ato Sexual (Cópula) e, o que é pior, pensa que só existe reprodução sexuada nos animais que copulam. Isso está muito longe de ser verdade, mas este erro é consequência de outro anterior, que é o próprio conceito de sexo, o qual a grande maioria (quase a totalidade) das pessoas não conhece ou, se até conhece, tem uma noção bastante errada sobre o mesmo. A cópula é apenas um detalhe que envolve o processo reprodutivo sexuado de alguns organismos vivos.
Infelizmente, a farta propaganda existente hoje na mídia e a divulgação intensiva sobre o sexo na espécie humana não traduz conceitualmente o que seja sexo de uma maneira objetiva e definitiva. Fala-se muito de sexo, de “fazer sexo”, de “utilizar o sexo”, de diferenças entre os sexos, de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e outras coisas mais. Porém, lamentavelmente, não se define realmente o que seja sexo. Na verdade, não se discute a importância biológica efetiva que o sexo tem para as espécies vivas, pensa-se apenas no sexo como objeto de prazer, de encantamento e de sedução humana, numa atitude social e estritamente antropológica, que leva ao entendimento errôneo da importância da função sexual nas espécies vivas. Assim, embora se fale também em Educação Sexual, na realidade está se deseducando, pois não se aborda o sexo num contexto biológico mais amplo.
A palavra sexo é oriunda da existência das células sexuais (gametas), os quais são, apenas e tão somente, de dois tipos: feminino e masculino. Então um organismo vivo é do sexo feminino porque suas Glândulas Sexuais (Gônadas) produzem gametas femininos ou é do sexo masculino porque suas gônadas produzem gametas masculinos. Entretanto há espécies, em vários grupos de organismos vivos que têm os dois tipos de gônadas e por isso mesmo produzem os dois tipos de gametas. Nesse caso os organismos são denominados Hermafroditas, em alusão aos deuses Hermes (masculino) e Afrodite (feminina), significando que o organismo em questão apresenta os dois tipos de sexos ao mesmo tempo.
A condição de pertencer ao sexo masculino, ao sexo feminino ou a ambos (hermafrodita) pode existir aleatoriamente em qualquer espécie viva (animal ou vegetal) sexualmente reprodutiva e a reprodução sexuada resulta do encontro entre os diferentes sexos (gametas) dessas espécies, através de um fenômeno denominado Fecundação ou Fertilização. Esse encontro pode ocorrer dentro do corpo de apenas um dos organismos (fêmea) ou de ambos (no caso de Fecundação Cruzada entre hermafroditas). Nesse caso a fecundação é denominada de Fecundação Interna. Entretanto, a Fecundação também pode ocorrer fora do corpo, num ambiente aquático externo, sendo denominada de Fecundação Externa. Então, toda vez que um gameta masculino de uma determinada espécie, encontra um gameta feminino dessa mesma espécie e o fecunda, ocorre uma reprodução sexuada, independente do local onde isso aconteça.
Na maioria das espécies em que ocorre uma Fecundação Interna, geralmente há nos indivíduos a presença de um órgão copulador (Pênis) e consequentemente ocorre uma cópula, mas isso não é uma obrigatoriedade, porque existem muitas espécies hermafroditas em que ocorre uma Autofecundação, isto é, os genitais liberam os gametas que se encontram dentro do próprio indivíduo, sem que haja uma cópula. Por outro lado, também existem espécies de Fecundação Externa com uma “pseudo-cópula”, como acontece nos Anfíbios Anuros (sapos), haja vista que embora aconteça algo parecido com uma cópula, na verdade a cópula não ocorre porque os machos não têm um órgão copulador e a fecundação é externa. Nas aves, embora a maioria dos machos também não tenha órgão copulador, as fêmeas desenvolveram mecanismos que levam os gametas masculinos para o interior de seus respectivos corpos e ocorre uma Fecundação Interna.
Assim, fica claro que a fecundação pode acontecer de várias maneiras, porém o resultado da fecundação, independentemente de qual tenha sido a sua maneira, sempre irá originar uma célula ovo ou zigoto, a qual, por sua vez, irá se desenvolver para formar um novo organismo com uma carga genética própria, que é oriunda dos dois gametas iniciais. Isto é, o novo ser que irá ser produzido sempre resultará de uma mistura genética dos dois ancestrais que forneceram os gametas, o que gera uma variabilidade cada vez maior das espécies que realizam a reprodução sexuada e que consequentemente resultam de uma fecundação.
Nas espécies animais denominamos o gameta masculino de Espermatozóide e o feminino de Óvulo e nas espécies vegetais, geralmente os gametas masculinos são denominados de Grão de Pólen e o feminino também é denominado de Óvulo. Entretanto, existem outros tipos de nomenclaturas atribuídos aos gametas nos diferentes grupos vegetais, mas vamos deixá-los de lado para não trazer a baila outros nomes pouco comuns e principalmente para não aumentar o tamanho da possível confusão na cabeça do leitor.
O ato sexual (cópula) é um dos mecanismos que permite o encontro entre os dois tipos diferentes de gametas de uma determinada espécie, porém está muito longe de ser o único mecanismo que permite esse processo, porque, além da fecundação externa na água, no caso dos animais, os gametas podem se encontrar e assim se fecundarem de várias formas nas espécies vegetais, através da ação dos agentes polinizadores, como o vento, os insetos, as aves e os morcegos. Enfim, sexuado é tudo que envolve gametas e que resulta de fecundação e como já foi dito, existem várias formas de fecundação, ou melhor, existem vários mecanismos que permitem a reprodução sexuada e consequentemente a fecundação, além daquele que a maioria das pessoas acredita ser o único.
Desta forma quero crer que agora posso dizer, sem medo de estarrecer o leitor ou de parecer que eu esteja louco, que, além do homem e dos animais vertebrados terrestres, muitas outras formas de vida, inclusive muitos invertebrados aquáticos, além dos peixes e também as plantas superiores são entidades sexuadas que podem se reproduzir e efetivamente se reproduzem sexuadamente, independente de realizarem uma cópula ou não. Aliás, é bom ressaltar que alguns organismos, são capazes de se reproduzirem também assexuadamente, isto é, sem a participação das células sexuais (gametas), mas esta é outra história e penso ser melhor não discutí-la nesse momento.
Dito isto, acredito que agora devo passar ao segundo item de minha breve explanação, na tentativa de poder esclarecer um pouco mais as pessoas sobre a reprodução sexuada e a formação de híbridos. O meu segundo item é a hibridização, ou seja, o processo de formação de híbridos.
Primeiramente é preciso definir o que seja um híbrido. Biologicamente um híbrido é aquele indivíduo resultante do cruzamento de dois ancestrais de espécies distintas. Isto é, alguém que se origina de dois contingentes genéticos distintos, que podem ser e geralmente são parecidos, mas que necessariamente são efetivamente diferentes. Costuma-se usar como exemplo o burro, que resulta do cruzamento entre a égua e o jumento ou entre o cavalo e a jumenta. Embora, pudessem ser usados outros inúmeros exemplos existentes, vou continuar me utilizando desse modelo porque, além de satisfazer a necessidade do momento, esse é também um exemplo bem conhecido da maioria das pessoas.
O cavalo e a égua pertencem à espécie Equus caballus, enquanto o jumento e a jumenta pertencem à espécie Equus asinus, ou seja, são duas espécies distintas. Quando são cruzadas (reproduzidas sexualmente) duas espécies diferentes, mesmo aparentadas, como é o caso de cavalo e jumento, o produto é um híbrido (Burro ou Mula). No que se refere aos animais, os híbridos são quase sempre inviáveis e quando são viáveis costumam ser estéreis. Porém, no caso das plantas, isso não é verdade, pois os híbridos vegetais costumam ser sexualmente férteis. Essas duas respostas diferenciadas entre plantas e animais quanto à hibridização são bastante intrigantes e parecem estar na fundamentação básica da própria condição do que seja um animal ou um vegetal.
Na natureza existem vários mecanismos que favorecem a formação de híbridos nos vegetais, o que possivelmente esteja relacionado com a limitação dos vegetais quanto à locomoção, embora, como já foi dito, existam muitos animais que auxiliem no processo de polinização das espécies vegetais. A diversidade vegetal é muito menor que a animal, por causa da dependência ambiental maior e, ao que parece, também em consequência da impossibilidade motora. O vegetal tem que se desenvolver onde estiver e assim a mistura genética entre as espécies é muitas vezes vantajosa, sendo inclusive um fator significativo de evolução e formação de novas espécies (Especiação) entre as plantas.
Por outro lado, nos animais, em função basicamente da possibilidade motora, ocorre uma diversidade muito maior em consequência da possibilidade de procurar e assumir diferentes nichos ecológicos. Desta maneira, como a hibridização poderia ser algo extremamente comum, naturalmente foram desenvolvidos vários mecanismos que dificultam e tentam impedir a formação desses híbridos e garantir a individualidade das espécies. Ao contrário dos vegetais, nos animais a hibridização não é um fator de evolução nem de formação de novas espécies.
Os mecanismos que dificultam a hibridização em animais são classificados em dois grandes grupos: Mecanismos Pré-zigóticos (que impedem a formação do Ovo ou Zigoto) e Mecanismos Pós-zigóticos (que não impedem a formação do Ovo ou Zigoto, mas impedem o desenvolvimento, ou a formação do indivíduo, ou a sua reprodução ou ainda a reprodução futura de sua linhagem). No exemplo do Burro, acontece a formação do indivíduo, entretanto ele é incapaz de reproduzir. Assim, o Burro não é uma espécie verdadeira porque não pode gerar descendentes.
Geralmente ocorre impedimento antes de qualquer possibilidade reprodutiva, por questões limitantes de naturezas geográficas, por questões de impossibilidades mecânicas e mesmo por questões de diferenças comportamentais entre as espécies. Mas, mesmo quando esses fatores Pré-zigóticos falham e o encontro dos gametas acaba ocorrendo, ainda existe a possibilidade não haver fecundação, ou mesmo de haver fecundação, mas não haver desenvolvimento, ou ainda de haver desenvolvimento mais gerar um ser estéril, ou até de gerar um ser reprodutivamente ativo na primeira geração, porém estéril nas gerações subsequentes. Todos esses últimos são os mecanismos Pós-zigóticos e de todos esses casos há exemplos bem conhecidos na natureza. Além dos vários exemplos naturais de híbridos bem conhecidos da ciência, há também situações artificiais que o homem propiciou através das experiências mais diversas.
Concluindo, devo dizer que a Reprodução Sexuada tem sido um mecanismo fundamental para a manutenção e para a diversificação das espécies vivas do planeta, entretanto a formação de híbridos naturais é uma constante e esses híbridos muitas vezes são entidades comuns em função da grande possibilidade de combinação genética entre as espécies vivas. Algumas vezes, esses “erros reprodutivos” levam à produção de novas espécies, mormente nos vegetais, e outras vezes levam a formação de híbridos, nos animais, que não conseguem se estabelecer como espécies verdadeiras dentro da classificação biológica, exatamente porque apresentam limitações reprodutivas marcantes.
No pensamento popular coletivo os híbridos são conhecidos pela “força” que possuem, denominada genericamente de “Vigor Híbrido”, que é resultante da mistura dos dois genomas distintos ancestrais e que garante boas condições de resistência e de manutenção viva, o que para os vegetais condiciona numa melhor adaptação e consequentemente numa melhor capacidade de sobrevivência. Porém, nos animais, essa mesma mistura genética que gera o “Vigor Híbrido”, parece ser traduzida como uma imperfeição (anomalia) genética e passa a ser um reforço negativo, o qual é responsável pela inviabilidade reprodutiva e que não deixa esses organismos terem continuidade.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Escritor e Ambientalista;
é Membro Fundador da Academia Caçapavense de Letras e atual 1º Vice-Presidente;
foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.