Sensibilidade X Ciência e o Papel Fundamental da Mídia
Sensibilidade X Ciência e o Papel Fundamental da Mídia
Luiz Eduardo Corrêa Lima
A preocupação ambiental e os apelos feitos pela mídia no que diz respeito ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Natural tem produzido significativos benefícios no que se refere à participação e ao envolvimento cada vez maior das pessoas, com a criação de ONGs e com a atuação efetiva bucando a melhoria da qualidade e vida.
Obviamente, esse fato é bastante positivo e tem sido um fator importante para que os administradores públicos se preocupem um pouco mais com as questões ambientais e atuem mais rapidamente no desenvolvimento de mudanças das políticas públicas necessárias para a melhoria do Meio Ambiente e da vida como um todo.
Entretanto, há em contra partida, um lado negativo, ainda pouco esclarecido, que daí também decorre e que precisa ser combatido, pois, muitas vezes, o que se ganha de um lado é perdido do outro automaticamente, no afã de ajudar. É preciso se ter a verdadeira dimensão daquilo que se faz e do grau de comprometimento que certas informações podem causar, tanto positiva, quanto negativamente.
Afinal, a mídia mexe com a sensibilidade das pessoas e nem sempre os resultados esperados podem ser controlados de acordo com interesses iniciais. Há, efetivamente, outros fatores que atuam nesses momentos, mas a mídia, certamente, incide de forma significativa como estimulante da ação que se quer obter.
Exatamente por isso é que a informação precisa ser segura. Mas infelizmente, nem sempre é assim e algumas vezes a emenda e pior que o soneto, devido ao mal uso da sensibilidade das pessoas sem o conhecimento científico necessário da questão que se quer envolver. A informação e a sensibilidade precedem à racionalização e o resultado é catastrófico.
Além do fato de haver a fatídica imprensa marrom e muitas ONGs da fachada, que estão por aí defendendo interesses excusos, há também uma falta muito grande de conhecimento científico, tanto da mídia quanto da população. Com isso, as pessoas são usadas e assim são cometidas grandes atrocidades ao ambiente e à vida como um todo.
Por enquanto, vou me ater a um único exemplo para tentar esclarecer o que estou dizendo. Posteriormente, em outros artigos, voltarei ao assunto, enfocando outros exemplos menos emblemáticos, porém não menos importantes.
Nos últimos tempos, tem sido marcante na opinião pública a figura, já famosa, do “Caramujo Gigante Africano” (Achatina fulica), que foi introduzido no país há alguns anos atrás. Esse animal se alimenta de quase tudo, atinge grande tamanho, tem grande capacidade reprodutiva e como qualquer espécie exótica, não possui predadores naturais na nova região. Com todas essas prerrogativas favoráveis, sua população tem crescido muito e o animal já é praga em algumas áreas, precisando ser combatido para que não prejudique de forma drástica os ecossistemas naturais e antrópicos.
Até aí, tudo bem. Esse é o fato. Mas, o que se tem visto é uma verdadeira carnificina criminosa aos Moluscos Gastrópodes que se encontram na região, pois a moda agora é matar lesmas e caramujos sem nenhum critério, por conta de uma série de informações infundadas e sem nenhuma veracidade científica sobre os possíveis “perigos” que o caramujo africano poderia estar causando às populações e ao ambiente.
Na verdade, estamos naquela fase do “atira primeiro e depois pergunta quem era”. Por mais incrível que possa parecer, desta forma, estamos matando os nossos Gatrópodes nativos e fortalecendo a espécie exótica que pretendíamos exterminar. O tiro está efetivamente saindo pela culatra.
A grande maioria das pessoas com quem comentei sobre o assunto foi taxativa ao afirmar que nunca viu nenhum “caramujo gigante” e as poucas que já haviam visto, de alguma forma relacionaram a palavra caramujo com a “Doença do Caramujo” (Esquistossomose) e acham que todos os caramujos são vetores de doenças para o homem e imaginam que quanto maior o caramujo, maior será o perigo. Ora, isso não faz o menor sentido.
O pior é que a mídia, sem querer, ao invés de conter essa tendência errônea da informação contida na comunidade, acaba por reforçá-la e intensificá-la, quando não informa devidamente sobre o assunto e não contradiz esses erros. Lamentavelmente os jornalistas não podem conhecer de tudo e como os órgãos de imprensa não têm consultores na grande maioria das áreas e principalmente, na área da Zoologia, os jornalistas escrevem e publicam exatamente o que ouvem e as matérias publicadas acabam por prestar informação indevida e inverídica à população. Quer dizer, o que deveria ser informação passa a ser desinformação.
O Caramujo Gigante Africano é efetivamente um problema, mas não é um monstro e não vai acabar com a população humana. Por outro lado, existem vários outros caramujos gigantes muito comuns na região, em particular as espécies do Gênero Megalobulinus, que por serem silvestres e viverem a maior parte do tempo enterradas, a grande maioria das pessoas nunca viu e não conhece. Quando, por acaso, encontram um desses animais, a providência atual é matá-los, porque ouviram dizer que os caramujos gigantes são perigosos.
É a mesma coisa que acontece historicamente, por exemplo, com as cobras. Como não se conhece aquelas que podem ser “perigosas” e como há muita lenda e um medo generalizado dos Ofídeos, matam-se todas as cobras que se encontram, por via das dúvidas. Com isso matamos muitas cobras totalmente inofensivas e, por exemplo, o número de ratos torna-se cada vez maior, mas não cabe discutir isso agora.
Na verdade, esses caramujos nativos, embora muito grandes (podem atingir até 15 centímetros de comprimento) são totalmente inofensivos e são importantes para o ecossistema onde vivem. Além do mais, talvez a manutenção de suas respectivas populações sejam o melhor mecanismo para tentar impedir o crescimento populacional da espécie africana invasora.
Quer dizer, ao invés de simplesmente ficarmos por aí falando dos malefícios, dos perigos e matando caramujos gigantes, vamos fazer uma campanha de orientação sobre as espécies nativas de caramujos gigantes que precisamos manter e sobre a espécie exótica que queremos combater. Para tanto é necessário que a mídia mostre os dois lados da história e apresente as espécies nativas da região à população, evidenciando suas peculiaridades e diferenças morfológicas em relação ao caramujo africano.
Chega de tacar fogo, jogar sal e colocar veneno em todo local onde haja caramujos. A mesma sensibilidade que levou a odiar o Caramujo Gigante Africano, precisa nos levar a amar as espécies de Caramujos Gigantes Brasileiros. Entretanto, é fundamental que nós conheçamos essas espécies. A nossa ignorância sobre o nosso Patrimônio Natural, em particular a nossa fauna, é o nosso maior “pecado ambiental”.
É preciso corrigir essa deficiência crônica, antes que seja tarde demais. A tão falada Educação Ambiental pode começar por aí, ou seja, pela demonstração da importância da preservação de nossa fauna nativa. A mídia, por sua vez poderia colaborar mais e orientar a população no sentido de informar um pouco mais sobre nossas espécies nativas, para que essas espécies não mais sejam mortas por pura ignorância.
Esse artigo foi originalmente publicado em 05/07/2005 no site vejosaojose.com.br, sendo modificado e adaptado para a publicação atual.