Filmes e Filosofia

“Um Homem de sorte” e a modernidade

 
Um Homem de Sorte, ou Lykke Per, é um filme onde se retrata um dinamarquês, filho de um religioso, de um reverendo muito severo, este último que vê o mundo moderno como algo pecador, uma Babilônia. O sonho de Per Sidenius é estudar engenharia e levar a frente os seus projetos e ideias, mesmo em grande oposição ao seu pai, religioso conservador, e mesmo lhe oferecendo futuramente uma vida abonada, o que era mal visto pela família (naquele tempo os pastores eram humildes...). Filme baseado em livro de Henrik Pontoppidan, Nobel de literatura em 1917, que tinha na vida real seu pai vigário e que este teria estudado engenharia em Copenhagen, assim inspirando a história presente no livro. O filme revela o gênio, o idealismo, o racionalismo, o iluminismo, o existencialismo e muitas outras situações filosóficas do mundo moderno.


Per Sidenius muda para a cidade grande, após brigar com seu pai, sacerdote religioso de cidade pequena. Começa morando em um pequeno quarto, de situação miserável, e tenta oferecer seus projetos a um responsável por aprovar ou não o mesmo, não obtendo êxito. Seu gênio mesmo assim encontrou o amor em uma garçonete. Depois ele em sua ganância, busca conhecer uma família rica judia, e se dá aos encantos da filha do chefe, então conseguindo levar a cabo o seu projeto de energia aeólica e hidráulica, tendo de superar o uso da energia de carvão, que ele via ultrapassada. Mais uma vez não consegue ter projeto aprovado, uma vez não querer pedir perdão e se humilhar a outro engenheiro. O conflito com o pai se reflete quando em certa cena ele joga pedra em uma imagem de Cristo, entrando em crise psicológica. Falando nisso, ele parece ter algo semelhante a complexo de Édipo. Também em um estilo positivista ou mesmo existencialista, ele questiona o seu mundo e tempo, parecendo almejar uma modernidade tecnológica. Rompendo com a esposa judia e mais velha, ainda encontra outro amor, curiosamente a filha de outro vigário, e assim casa e tem filhos com a mesma. Mas a sorte muda e ele tem novamente dificuldade e a boa sorte vira má sorte. Cumpre-se o que um personagem ensina que “a sorte favorece os tolos, e o sucesso é o pai do arrependimento”. O personagem ainda tem algo melancólico, digno de gênio, e lembra um tanto Nietzsche, ou mesmo Kierkegaard, nesse aspecto religioso. O choque com o novo paradigma da modernidade, a cosmovisão religiosa questionada, bem como as novas tecnologias e progresso, fazem do homem de sorte alguém que se questiona e se arrepende, mas tarde. O filme mostra um choque de momentos históricos, e a ceticidade das pessoas religiosas com relação à ciência e ao progresso, bem como a falta de resiliência do protagonista em pesar essas cosmovisões e ter uma vida equilibrada. Após perder o dinheiro e fama, e apoio da família rica, o engenheiro Sidenius volta à cidade pequena e passa a viver solitário em uma cabana, construindo seus moinhos de vento geradores de energia, mesmo que de forma precária, fazendo testamento a ex-noiva judia para que a mesma usasse todo seus dinheiro em seu orfanato ou escola social de crianças.


Por fim, se percebe um filme longo, uma vez que era pra ser uma minissérie, mostrando uma personalidade densa e profunda, saturnina, de um engenheiro que cresceu na vida e jogou tudo fora, a fim de voltar a sua origem e estar em paz consigo mesmo. Seu gênio não teria outro fim a não ser a solidão. Essa narrativa tem diversas versões e é famosa na Dinamarca, e parece retratar algo dessa cultura. Uma boa opção de filme para se sair do mero entretenimento, e também que reflete o mundo acadêmico atual, onde muitos têm bom estudo e não veem resultado financeiro. O enredo continua atual. Já o gênio é alguém raro, e triste fica o modo que o protagonista descarta as pessoas em nome de dinheiro e poder. Um homem de sorte também é um homem de azar.