Considerações sobre a tradução para dublagem
Neste artigo, falarei sobre uma área eclética, divertida e com a qual tive muito prazer em trabalhar – a tradução para dublagem. Alguns espectadores apreciam produções dubladas; outros, a interpretação dos personagens no idioma original, com legenda. Mesmo entre os tradutores, há os que optam pela dublagem e os que não se sentem confortáveis em realizá-la. Mas, falando sobre o título deste artigo, há três aspectos muito interessantes para quem pretende se tornar um tradutor para dublagem.
O glamour decorrente da visibilidade
É inegável que a tradução para dublagem, por gerar uma visibilidade mais ampla, faz com que o tradutor sinta orgulho e até o ego inflamado por ver o seu trabalho em uma telinha ou telona (cinema), afinal milhões de pessoas em todo o país assistem a produções dubladas. Apesar do seu nome nem sempre aparecer na lista de créditos no final da exibição de um vídeo, essa visibilidade é repercutida nas redes sociais. E esse pode ser um aspecto positivo. Quem não gostaria de ver o seu projeto sendo divulgado e apreciado pelos colegas e pelo público em geral?
Lógico que há a questão da má empregabilidade de algum termo que, consequentemente, acaba gerando uma repercussão negativa. Os próprios colegas, sem generalizar, não perdoam. Uma palavra ou expressão que seja empregada de forma incorreta, uma piada que não esteja adequada ao contexto, enfim, qualquer deslize e a crítica aparece. Sem dúvida, esse é o preço da visibilidade. No entanto, o fato é que a sensação de fazer parte de Hollywood, mesmo de forma fictícia, é indescritível. E, como não somos perfeitos, a melhor maneira de se lidar com um feedback negativo é avaliar o motivo pelo qual o recebeu, se empenhar em um próximo projeto e seguir em frente.
A preocupação social
A tradução para dublagem tem uma importância social gigantesca.
Quando realizamos a tradução de um vídeo a ser exibido na televisão, no cinema ou em canais como, por exemplo, a Netflix, também pensamos no público que o assistirá. Há milhões de pessoas que dependem do trabalho dos profissionais que atuam nessa área para que elas possam assistir a essas produções. Uma exibição legendada torna-se um obstáculo aos deficientes visuais e até mesmo às crianças e aos idosos que, por sua vez, sentem dificuldade em ler as legendas em virtude da rapidez da sua entrada e saída da tela. Há também a classe social mais pobre que não tem condições financeiras para adquirir pacotes de uma operadora de TV a cabo e que assiste às produções dubladas pelos canais abertos da televisão.
O tradutor para dublagem tem um papel importantíssimo nesse cenário, e quem ingressa nessa profissão acaba assimilando esse conhecimento e participando do processo de inclusão social. É uma questão de cidadania, de se preocupar com o próximo e de contribuir para que todos tenham acessibilidade à cultura e ao entretenimento.
Desprendimento linguístico
Esse é um dos aspectos talvez mais difíceis para quem quer ser um tradutor para dublagem. Se você é ou já foi um tradutor da área técnica, sentirá a diferença. A linguagem é muito mais natural e fluente, com a utilização de muitas expressões coloquiais, palavrões, gírias e outros detalhes que dependem de alguns critérios seletivos, como: faixa etária, veículo de comunicação, horário de exibição, etc.
Para ser um pouco mais fácil essa transição, a dica é que o tradutor assista a séries, desenhos e filmes dublados para se acostumar com a linguagem. As novelas, a série “Malhação” e outros programas veiculados em canais abertos da telinha são uma boa fonte de inspiração.
Entretanto, é preciso cuidado para não transformar uma produção de época em uma exibição descaracterizada do contexto devido à inadequação da linguagem utilizada. Uma regravação, a meu ver, deveria ser mantida fiel à época em que a história foi contada. Já assisti a um filme dos anos 80, reexibido recentemente, que ganhou uma nova tradução, com uma linguagem mais moderna, mas cujo resultado não foi de todo satisfatório. Foi estranho porque as expressões atuais não faziam parte do dia a dia daqueles personagens. Na minha opinião, o contexto deveria ser mantido, assim o público jovem poderia conhecer os costumes, a cultura e, principalmente, a linguagem utilizada na época. Essa descoberta acabaria sendo divertida.
Por outro lado, no caso de uma refilmagem e, dependendo do gênero da produção, até seria plausível a utilização de gírias e expressões atuais, visto que a história seria recriada, com novos atores, novos cenários, etc. Por que mencionei “dependendo do gênero”? Porque acredito que em algumas produções, por exemplo, os filmes bíblicos, soaria estranho a utilização de uma linguagem do cotidiano. No entanto, é o cliente final quem decidi. O tradutor e o estúdio podem até sugerir uma adequação de termos, mas é o cliente que dá a última palavra.
Veja alguns exemplos de refilmagem, com readequação da linguagem, que obtiveram ótimos resultados:
- Atração fatal (1987) – refilmagem de Diversion (1979);
- True Lies (1994) – refilmagem de La Totale! (1991);
- Onze homens e um segredo (1960) - refilmagem em 2001;
- Identidade Bourne (1988) – refilmagem em 2002.
Voltando às fontes de inspiração, uma outra dica para assimilar a linguagem atual dos jovens, visto que há muito filme, desenho, série e até reality show voltado a esse público, é prestar atenção às conversas dos filhos e de seus amigos na escola, em casa e pelo celular. Não é bisbilhotar, mas apreciar as expressões e gírias que eles utilizam. Vale também ir a shows, bares, jogos de futebol, eventos, etc. Leve um caderninho com você e anote tudo o que julgar ser interessante para futuros trabalhos. Uma vantagem é que você estará sempre “antenado” com a atualidade.