Encontro
Nos encontramos na manhã de uma quinta-feira num lugar de respiro, forjado para que nada atrapalhasse o que pudesse acontecer. Tranquei a porta do escritório e ali ficamos. Observei sua pele. Vi que estava toda arrepiada, e não foi por conta do encontro - percebi que já havia chegado toda eriçada. Não quis perguntar, mas acredito que eram resquícios de outras peles, uma espécie de granulado refinado utilizado no processo de bronzeamento. Fiquei encarando delicadamente, e percebi que sua pele também apresentava pontos de suor - seria uma espécie de nervosismo devido ao encontro descabido?
Os pensamentos começaram a invadir. Será que seu silêncio era uma estratégia para que tantas imagens e palavras girassem? Como fazer para que aquilo parasse e eu pudesse, enfim, apreciar por completo o encontro voyeurístico?
De repente, estava olhando para sua cicatriz, a qual me encarou de volta, num silêncio descomunal. Foi como se soubesse que conseguia falar comigo sem abrir a boca. A cicatriz se parecia com a letra “T”, com um dos segmentos mais acentuado, como se o corte tivesse aberto e fechado e, o outro, como se concebido por meio do deslizar da ponta de um dedo. Olhei para minha cicatriz no antebraço esquerdo, com a forma de um “L”, só que espelhado e com ramificações. Nossas cicatrizes começaram a conversar - a dela explanando sobre a ponta de uma faca e de um dedo; a minha, comentando sobre a maçaneta de uma porta. A conversa durou alguns instantes, até que percebi suas pintinhas.
Comecei a girar seu corpo vagarosamente, no sentido horário, vislumbrando cada um dos pontinhos pretos. O pensamento inicial foi o de contar, mas desisti assim que pensei. Se concentravam na parte mais bronzeada de seu abdômen. Na lateral, perto da boca, uma pintinha maior, dando-lhe um charme característico. Os lábios estavam entreabertos, como se quisesse pronunciar algo. No entanto, continuamos a conversar com nossos silêncios.
Girei mais um pouco seu corpo, o qual estava apoiado sobre uma superfície de celulose - girava e girava, verificando se as rotações poderiam produzir alguma espécie de música analógica. No entanto, lembrei que, para isso, é preciso uma agulha. Então, com a ponta de meus dedos, toquei suavemente sua pele e a senti levemente craquelada. Carícias suaves. Em meus dedos ficaram grudados pequenos esporos, resquícios de seu corpo. A música era muda, mas tocava.
Reparei que sua testa apresentava algumas marcas de expressão - seria por conta do próximo movimento? Girando e fitando cada detalhe de sua barriga, a vontade foi de virá-la de bruços.
Aguentei o máximo que pude.
Ao virar, imaginei que a vontade de acariciar seria incontrolável. Entretanto, ao vir suas costas, apoiei a cabeça sobre as mãos. Cotovelos escorados na beirada da mesa, a poucos centímetros de seu corpo. Olhei aquilo de uma maneira intensa - estava ligeiramente inclinada, denunciando uma curva, a qual já tinha reparado antes. Havia ainda mais pintinhas, duas bem protuberantes e vistosas. Além disso, várias marquinhas de pequeníssimos círculos num bronzeado característico de algo que ficou por algum tempo sobre uma superfície muito quente. Um dourado magnífico encobria toda a extensão de suas costas bolinhadas.
De repente, comecei a sentir a saliva invadindo minha boca. Não conseguia mais resistir. Tive que passar a língua sobre sua cútis.
Três lambidas.
Um.
Dois.
Três.
O gosto da pele salgada me invadiu.
Seu corpo foi erguido por uma de minhas mãos. Já a outra, continuou o movimento frenético de cravar a tinta no papel.
A boca passou a salivar ainda mais.
Os dentes pediam por textura.
Abocanhei.
Arranquei um pedaço.
Fragmentos de sua pele esfarelada caíram sobre a mesa e por cima de minhas coxas.
O arrepio tinha gosto crocante.
O interior, macio.
Enfim, suas vísceras repousaram em meu paladar.
Mergulhado no silêncio, me arrepiei.