Sobre "O Homem Revoltado" de Albert Camus

Ou: como tentar consertar o mundo com as próprias mãos e acabar com as mãos cheias de sangue e contradição.

Albert Camus pega um cigarro imaginário, acende com o olhar e nos pergunta, com toda a classe de um francês que passou pela guerra e por um divórcio simultâneo: “E se a gente simplesmente dissesse NÃO?” Mas não é aquele "não" que você grita no meio de uma reunião de condomínio quando querem aumentar a taxa pra pintar a fachada. É um NÃO com caps lock existencial: um grito seco diante de uma realidade onde tudo fede a opressão, ideologia disfarçada de salvação e revoluções que começam com poesia e terminam com pelotão de fuzilamento.

A revolta, segundo Camus, é o único ponto de partida digno quando tudo mais perdeu o sentido. É o primeiro passo depois do absurdo — tipo quando você percebe que trabalhar 40 anos pra comprar um sofá confortável é, na real, uma piada de mau gosto. Mas aí, Camus faz o que todo mundo faz quando tenta organizar a revolta: tenta dar um sentido pra ela. E é aí que começa o drama.

Porque logo vem a galera que diz: “Vamos destruir tudo pra reconstruir o mundo melhor.” E o resultado é sempre o mesmo: cabeças rolando (literalmente), e uma nova opressão com um nome diferente, mais moderninho, com propaganda e música tema. A revolta vira revolução, que vira massacre, que vira Estado totalitário, que vira o novo vilão da próxima revolta. Um ciclo tão deprimente quanto assistir "Casamento às Cegas" na esperança de encontrar amor verdadeiro. Uma ilusão utópica que finda em distopia.

Camus tenta salvar o que ainda resta de humano nisso tudo — aquele impulso que diz “não aceito ser pisado” sem querer, em troca, pisar nos outros. Ele defende uma revolta medida, ética, cheia de autoconsciência. Quase uma revolta gourmet, se quisermos ser cretinos. Mas ele sabe que não dá pra confiar nem em si mesmo depois de um tempo. Que toda ideologia, mesmo a mais bela, começa a feder quando colocada no poder. O poder corrompe até o mais genuíno empático dentre nós.

No fundo, "O Homem Revoltado" é sobre o dilema de quem ama a justiça mas odeia virar justiceiro. De quem quer mudar o mundo, mas não quer se perder no caminho. De quem entende que a verdadeira revolta é a que nasce do amor — e não da raiva cega. Porque, convenhamos, raiva a gente tem até de aplicativo de banco. Amor é que é raro e custa caro. Mas é um valor que não é monetizado em dancinhas de tiktok.

E Camus sabe: no fim das contas, o único jeito de continuar revoltado sem virar um babaca é manter um senso de limite — e talvez uma garrafa de vinho por perto, só pra lembrar que a vida ainda pode ser boa, mesmo quando tudo parece ruir... permita-se sorrir.

Ana Blancato
Enviado por Ana Blancato em 11/04/2025
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