Parte IV - Quem mexeu no meu queijo? Hem e a procrastinação

Hem a procrastinação

O enredo da obra mostra as dificuldades de iniciar uma jornada rumo ao desconhecido. No início, o aguçado instinto de sobrevivência dos ratos deu vantagem a Sniff e Scurry, quando comparado à mente racional dos duendes Haw e Hem. No entanto, mesmo com a mente mais racional, um dos duendes decidiu arriscar e seguir a jornada rumo à mudança. Tal atitude abre o questionamento: por qual motivo Hem não seguiu seu amigo em busca de um novo queijo? Uma das possíveis respostas para a questão pode ser encontrada na palavra procrastinação.

A procrastinação refere-se ao atraso desnecessário e irracional de uma tarefa ou tomada de decisão acompanhada de desconforto psicológico e emoções negativas, como culpa e insatisfação. Trata-se de um comportamento comum e prevalente que pode gerar prejuízos significativos na qualidade de vida das pessoas (Brito e Bakos 2013, p. 35).

Fora da ficção, Brito e Bakos (2013) explicam que os comportamentos de pessoas procrastinadoras são mais estudados durante a fase da vida estudantil e que cerca de 80% dos estudantes procrastinam, o que causa prejuízo para 50% destes estudantes. Na fase adulta, por sua vez, a procrastinação aparece em tarefas rotineiras como pagar contas, ir ao mercado ou limpar a casa, o que afeta de forma crônica entre 15 a 20% dos adultos, sendo um comportamento que cresce mais a cada dia.

O comportamento do indivíduo que procrastina é difícil de ser alterado, devido a sensação de bem-estar causada pelo ato de procrastinar diante das altas cargas de tarefas da atualidade, das incertezas e responsabilidades, aponta Brito e Bakos (2013, p. 35). Deste modo, o cérebro utiliza este tipo de comportamento como estratégia com o objetivo de adiar e/ou evitar tarefas, sendo diversos os gatilhos do hábito de procrastinar.

Dentre os gatilhos do comportamento procrastinador estão os medos irracionais do fracasso, advindos da autocrítica e da insegurança quanto às próprias habilidades. Brito e Bakos (2013, p. 37) citam os estudos de Steel (2007), Pychyl, Coplan e Reid (2002), estudiosos que realizaram revisão de estudos empíricos relevantes para a identificação dos possíveis pontos de surgimento da procrastinação, destacando “a baixa eficácia, a impulsividade, e algumas facetas da conscienciosidade (baixo autocontrole e organização e elevada distratibilidade)”, bem como comportamentos com traços de perfeccionismo, baixa tolerância às frustrações e a necessidade de autoperdão.

A procrastinação também foi relacionada ao estilo parental, neste quesito, Brito e Bakos dizem o seguinte: “a procrastinação pode ter relação com estilos parentais rígidos e controladores na medida em que expectativas elevadas e críticas dos pais têm sido associadas” (2013, p. 37). Assim, independente do gatilho que gera este tipo de comportamento, a procrastinação causa sofrimento e angústia ao indivíduo, sendo relacionada ao aspecto do perfeccionismo que diz respeito a quanto a pessoa se preocupa, sente-se ansiosa e/ou deprimida, como foi o caso de Hem.

Ao pesquisar metacognição, que trata-se da capacidade do indivíduo observar e regular seus próprios processos cognitivos, Spada e seus colaboradores (2006) encontraram um resultado adicional para fatores que contribuem para a procrastinação, independente de emoções negativas como ansiedade e depressão. Brito e Bakos (2013) cita, entre as pesquisas sobre metacognição, a contribuição para que o indivíduo com alto nível de confiança nos seus processos cognitivos, atrelado à preocupação com a tomada de decisão, possui maior tendência a procrastinar.

Neste sentido, é possível observar essa característica em Hem, que, por ter um cérebro mais racional que os instintivos ratos, subestimou a decisão de Sniff e Scurry. Esta situação pode ser vista nos seguintes trechos do livro:

“Hem analisou muitas vezes a situação e finalmente seu cérebro complicado com seu enorme sistema de crenças assumiu o comando” e “São apenas ratos. Só reagem ao que acontece. Nós somos duendes. Somos especiais. Deveríamos ser capazes de entender esse fato. Além do mais. Merecemos o melhor. - Isso não deveria ter acontecido conosco, ou se acontecesse, pelo menos deveríamos obter alguns benefícios (1998, p. 17).

Sobre o tratamento da procrastinação, Brito e Bakos (2013) apoiam-se nas teorias de Fernie e seus colaboradores (2009), que dizem ser necessária a facilitação da avaliação clínica e a elaboração do caso do indivíduo através de meios ou instrumentos distintos. Para isso, os pesquisadores formularam e validaram um questionário sobre crenças metacognitivas relacionadas à procrastinação, revelando as crenças metacognitivas negativas e positivas como dois fatores presentes no cérebro do procrastinador.

No ponto de vista dos teóricos apontados por Brito e Bakos, as metacognições positivas estão significativamente relacionadas ao adiamento das decisões, ou seja, nestes formatos metacognitivos possuem a finalidade de impossibilitar a tomada de decisões ruins quando o indivíduo estiver ansioso, deste modo, o foco principal é a ansiedade. As metacognições negativas, por sua vez, não se relacionam somente com o adiamento das decisões, mas também de tarefas, desta forma, para lidar com a procrastinação adota-se o pensamento de que tal comportamento é ruim ou estressante e leva a grande desperdício de tempo pensando sobre o que está sendo evitado.