Para o inferno com a 1º regra do Clube da Luta.

Quebrando a 1º regra do clube da luta.

Mais velho do que andar para frente, é essa coisa de dizer que o livro é sempre melhor que o filme. “Ah por que tem mais detalhes” “ah por que no filme eles cortam” pipipipopopo para o inferno. Mas, porém, contudo, todavia, Clube da Luta em sua versão impressa é bem mais perigoso e cáustico do que o filme que conta com Brad Pitt, Edward Norton e Helena Bonham Carter no seu elenco.

Existem mudanças nas cenas. A principal frase do filme dita pelo próprio Tyler Durden - “trabalhamos para comprar coisas que não queremos, para impressionar…”, ocorre em diferentes situações de uma para outra obra. O significado mantém o mesmo: estamos trabalhando para comprar coisas que não precisamos para impressionar gente que a gente odeia, e vez ou outra sobra um dinheiro para pagar os boletos, jogar no tigrinho ou apostar no Corinthians. Batendo nos dedos do consumismo, dessa ganância por status. A anarquia instalada é bem mais pungente no livro do que no filme, que ainda conta com Jared Leto e seu rosto bonito e angelical, que só serviu para ser destruído pelo próprio narrador.

Vou deixar toda a crise de masculinidade, debate filosófico, social, histórico, e se é combustível para teorias neo-nazis, incels, misóginas e supremacistas, aos amigos filósofos e psicólogos que manjam sobre (e para o David Fincher) Queria me atentar aqui mais ao aspecto corrosivo da obra. É como se você ateasse gasolina em si mesmo, e se incendiasse. Frases e diálogos fortes, olhos bem abertos (principalmente com garçons rsrs) depois da leitura. Me lembra muito Almoço Nu de Willian Burroughs que foi um livro censurado nos EUA, por que 80% do livro é pornográfico e outros 20% é como sair pelas ruas vandalizando e quebrando tudo a pedradas e a fogos de artificio (fonte: vozes da minha cabeça).

Nada acaba com o mau humor e a vontade de mandar a firma para pqp para Edward Norton, e ao que me parece não apenas para ele, mas a década de 90 estava todo mundo de saco cheio das corporações, ninguém queria mais ficar preso aos escritórios com aquelas divisórias de madeira e barulhos de impressora. Filmes sobre isso pipocam no fim do século XX, indo de Beleza Americana(Que retrata mais a vida medíocre e frustrada do Kevin Spacey) Como Enlouquecer seu Chefe e até Neo querendo fugir daquela repartição e da Matrix. Mas ainda assim, 20 e poucos anos depois, o trabalho não foi abolido (rsrs), por que mesmo que Steve Jobs tenha demonstrado como funciona o wi-fi, dando a entender que poderíamos não ficar mais presos a um lugar específico para trabalhar, acabou criando outros tipos de correntes, como horário estendido de ofício, perca de direitos (a famosa uberização) etc, gerando lenha para a fogueira de livros como Clube da Luta. Tudo isso com a trilha sonora de fundo, a música de punk rock Eu Odeio Trabalho do conjunto musical Os Pedrero, ou seria Where is My Mind? do Pixies.

Meditações guiadas, amor maluco com Marla Singer, um pinguim como um animal de poder, não foram suficientes para impedir Clubes da Luta e o Projeto de Destruição Total. Aquela geração frustrada, que foi entupida de propagandas para consumo, estava com raiva e queria mesmo acabar com tudo, e usou das sabotagens mais bizarras para isso. Só precisavam de um empurrãozinho, como diria o Coringa em Cavaleiros das Trevas, para a loucura começar, e foi isso que Tyler Durden o fez, seus discursos inflamados, tacaram fogo em homens que não tinham guerras para lutar, e estavam adormecidos sem identidade, nos seus empregos de garçons, porteiros, mecânicos, policiais, gente comum. Missões em que você não deveria ganhar uma luta e sim perdê-la, colocar a arma na cabeça de um jovem, ameaçando com a morte se ele não corresse atrás do que ele realmente desejava para a sua vida, tudo isso cria uma atmosfera subversiva.

O processo de perca da identidade, me parece ser muito comum naquele contexto estadunidense daquela década. O caminhar, me lembrou a maior banda dos anos 90, o Nirvana, que surgiu anos antes, com discos carregados de melancolia, negando toda aquela vida perfeita da classe média americana e as bandas da década de 80 que pregavam sexo, drogas e rock’n roll. Já diria Kurt Cobain em Lithium:

Eu estou tão feliz/Pois hoje, encontrei meus amigos/Eles são imaginários/Eu sou tão feio/Mas tudo bem, pois você também

Nada mais imaginário do que Tyler Durden. Clube da Luta, o livro, e a banda, de certo modo não conseguiram, transcender o capitalismo(talvez só a União Soviética tenha conseguido esse feito, eu acho — deixo para os amigos historiadores)e viraram produtos do mesmo. Massivamente a MTV passava clipes do Nirvana, e o estrelato, que começou principalmente em gente comum e de todas as tribos, fez com que Kurt Cobain, ficasse perturbado do juízo e o resto da história a gente já sabe. Tyler Durden virou uma espécie de anti-herói. (ou herói para certos grupos de direita…)

Hollywood produziu o filme, com as estrelas: Brad Pitt, Edward Norton, e Helena Bonham Carter, os três a época, no auge das suas carreiras e de suas belezas, chamou o competentíssimo David Fincher, para embalar a vácuo e deixar a mensagem mais palatável ao nosso gosto, tirando assim um pouco do gosto incendiário da versão impressa, que desce atravessado. Chuck Palahniuk, tá rico, e até escreve um um posfácio mea-culpa, tentando se livrar do fardo, dizendo que antes da fama, existia o livro.

Guilhermismo
Enviado por Guilhermismo em 29/10/2024
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