Quincas Borba, de Machado de Assis
por Márcio Adriano Moraes
Publicado em 1891, Quincas Borba é uma das obras do Realismo brasileiro mais significativas de Machado de Assis, o qual, com seu olhar irônico e cético sobre a natureza humana, continua a linha de pensamento apresentada em Memórias póstumas de Brás Cubas. Através de análise psicológica das personagens, sua escrita realista traz uma crítica aos costumes burgueses, desconstruindo ideais românticos. Diferentemente de Memória póstumas de Brás Cubas, Machado opta, em Quincas Borba, por um narrador em terceira pessoa, mantendo seu característico diálogo com o leitor. Essa metalinguagem é uma marca do estilo machadiano e reforça a natureza ambígua e cética de sua visão de mundo.
Com uma história ambientada num Rio de Janeiro em constante desenvolvimento urbano, durante a década de 1860, Machado de Assis utiliza a cidade carioca para expor conflitos, fraquezas e ilusões humanas. Quanto ao enredo, a narrativa gira em torno de Rubião, um ex-professor modesto de Barbacena-MG que, ao herdar a fortuna de Quincas Borba, sob a condição de cuidar do cachorro homônimo do falecido, muda-se para o Rio de Janeiro. A partir de então, Rubião experimenta uma ascensão social, mas sua ingenuidade e falta de compreensão do mundo sofisticado e corrupto da capital o conduzem à ruína, tanto financeira quanto mental. Rubião seria, então, um “parvenu”, ou seja, aquele que ascende socialmente, mas não compreende bem as “regras do jogo”. Sua fortuna não o prepara para as armadilhas sociais que o cercam, sendo enganado por pessoas mais espertas e cínicas.
Rubião é, assim, a personificação da simplicidade e da boa-fé em um ambiente traiçoeiro. Ninguém realmente se importa com ele. Todos estão interessados em sua fortuna, sendo apenas um meio para que seus “amigos” alcancem seus próprios objetivos. Sua fragilidade psicológica o torna vítima fácil de personagens como o casal Sofia e Cristiano Palha. Este, um comerciante astuto, manipulador e oportunista que, junto com sua esposa, a quem Rubião adora e idealiza, explora a fortuna e os sentimentos dele até o limite. Sofia, por sua vez, é uma mulher ambígua, que parece hesitar entre a frieza calculada e os instintos de vaidade e sedução. Rubião, deslumbrado e envolvido pela beleza de Sofia, entrega-se cada vez mais à ilusão de que ela poderia compartilhar seus sentimentos. Porém, ao longo da narrativa, ele vai se distanciando da realidade, iludido por falsas esperanças, traído por aqueles em quem confia e incapaz de discernir entre o real e o imaginário.
Outro personagem fundamental é o próprio filósofo Quincas Borba, cuja presença continua a influenciar a narrativa, mesmo após sua morte. Ele reaparece de maneira simbólica através do cachorro que carrega seu nome, representando a continuidade da filosofia do Humanitismo e a presença da loucura na vida de Rubião. Quanto ao Humanitismo, apresentado dez anos antes em Memórias póstumas de Brás Cubas, essa doutrina, criada por Quincas Borba, afirma que a humanidade se rege pelo princípio: “ao vencedor, as batatas”; uma metáfora para a luta pela sobrevivência e pelo domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. Rubião, ao se tornar o herdeiro da fortuna e do cachorro do filósofo, torna-se também um discípulo dessa filosofia e sua confirmação. O Humanitismo, como exposto no romance, satiriza as teorias positivistas e darwinistas que permeavam a época, distorcendo-as com uma lógica quase cruel. Segundo essa filosofia, o sofrimento dos mais fracos é irrelevante diante da vitória dos mais fortes, uma visão que lembra as ideias de “seleção natural” de Darwin e o utilitarismo positivista de Auguste Comte. O Humanitismo, dessa forma, com suas lógicas absurdas, serve como uma metáfora para a alienação intelectual e social de Rubião, conduzindo-o a um estado mental cada vez mais frágil.
Portanto, Quincas Borba ratifica a visão crítica machadiana da sociedade brasileira do século XIX, explorando com ironia temas como a ambição, a loucura e a decadência humana. Por meio do Humanitismo, Machado de Assis, dialogando com sua obra anterior, Memórias Póstumas de Brás Cubas, amplia reflexões sobre a natureza humana e o absurdo da existência. Com sua escrita singular, ele nos conduz pelos labirintos da ilusão de uma vida de riquezas idealizada por Rubião, que, seduzido por falsas grandezas e crenças, perde “as batatas”. Por fim, Rubião encontra somente a loucura do finado amigo, restando-lhe apenas a companhia do cachorro Quincas Borba e o padecimento.