ETERNIDADE - ANÁLISE DO SONETO DE JHONNATHAN PEREIRA

Análise do soneto “Eternidade”, do autor Jhonnathan Pereira, realizada por José Marcus de Andrade.

O soneto “Eternidade” guia o leitor numa jornada espiritual, na qual o eu lírico descreve os processos de desencarne à luz de dogmas como a doutrina espírita. Nesta envolvente viagem, o autor explora recursos linguísticos, como figura de linguagem metafórica, levando o leitor à apreciação da simbologia contida em cada verso.

ETERNIDADE

No silêncio profundo da partida,

O corpo jaz em sombra, adormecido.

O sopro vital, em pranto, despedido,

Deixa a matéria à sorte consumida.

Mas além véu da morte temida,

O espírito renasce, redimido,

Em luz etérea, puro e renascido,

Encontra a paz na eternidade ungida.

Na escuridão se encerra uma jornada,

E outra se abre em brilho transcendente,

Na dança entre a vida e o nada.

Assim o ciclo eterno se consente,

Da morte brota a vida restaurada,

O espírito se eleva, resplendente.

1. ESTRUTURA E FORMA

Os versos estão dispostos em quatro estrofes distribuídas em formas métricas típicas da estrutura de soneto, poemas cujas formas são fixas. Deste modo, o soneto é composto por duas estrofes iniciais com quatro versos cada e duas estrofes finais com três versos cada, sendo a construção dos versos feita no formato decassílabo.

2. ANÁLISE DO TÍTULO

Eternidade: conforme o dicionário de Oxford, eternidade é uma “característica, atributo, qualidade do que não tem início ou fim”. Destarte, desde o título, o soneto demonstra os possíveis caminhos semânticos contidos em sua estrutura, remetendo aos ciclos, à infinitude que estão relacionados à esfera do mundo sutil, do sagrado ou espiritual.

3. ANÁLISE DOS VERSOS

 Primeira estrofe

No silêncio profundo da partida, / O corpo jaz em sombra, adormecido. / O sopro vital, em pranto, despedido, / Deixa a matéria à sorte consumida.

No silêncio profundo: o verso que inicia o soneto aborda o silêncio profundo, o que pode ser interpretado com os momentos pacíficos de “solitude” nos quais alguns membros de determinados credos buscam por sua divindade por meio da prece. A “partida”, por sua vez, quebra o sentido de silêncio de uma prece, ao passo que abre os caminhos interpretativos para a possibilidade de morte.

O corpo jaz em sombra, adormecido: o segundo verso da primeira estrofe associa o corpo morto e inerte ao descanso ou sono. A palavra “sombra”, também utilizada para descrever o estado do corpo, funciona como uma ideia maniqueísta, na qual não mais o corpo está em luz, vivo, ativo, mas algo além que adormecia no corpo e despertou, saindo das sombras e vindo à tona, à luz.

O sopro vital, em pranto, despedido: neste verso, sopro vital pode ser interpretado como a alma do personagem sobre o qual o soneto aborda. O trecho “em pranto” carrega a ideia de incompreensão à situação de desencarne da alma, podendo ser interpretado como um saudosismo e/ou incredulidade. Esta saudade é reforçada pelo trecho “despedido”.

Deixa a matéria à sorte consumida: No último verso, a primeira estrofe conclui a desassociação de corpo e alma. Neste momento, o desencarne pode ser visto como finalizado, já não há alma no corpo, é apenas um recipiente vazio, pronto para ser deteriorado pelo que lhe for próprio.

 Segunda estrofe

Mas além véu da morte temida, / O espírito renasce, redimido, / Em luz etérea, puro e renascido, / Encontra a paz na eternidade ungida.

Mas além véu da morte temida, o espírito renasce, redimido: o primeiro e segundo verso da segunda estrofe não mais aborda o corpo, a matéria. Estes versos destacam que a experiência descrita a partir deste momento será do além véu, uma forma simbólica de abordar o esquecimento sobre vidas passadas e o mundo espiritual que agora estão noutro plano, além do véu das sensações materiais do corpo físico.

Em luz etérea, puro e renascido: aqui pode-se encontrar a alma em sua forma final em estado de “luz etérea”, ou seja, volátil, fluida. A pureza remete à abstração de desejos, emoções, mazelas ou quaisquer necessidades fisiológicas do corpo humano, o qual a alma coabitava, assim como “renascido”, uma vez que já não mais trata-se da vida humana, mas espiritual.

Encontra a paz na eternidade ungida: a segunda estrofe é encerrada com a última sensação da alma em processo de desencarne. O verso reforça a abstração dos elementos da vida material citada na análise do verso posterior, uma vez que a alma encontrou na eternidade o que o corpo não possuía em sua totalidade, a paz. O adjetivo “ungida” serve também como reforço à sacralidade da alma, se comparada ao corpo.

 Terceira estrofe

Na escuridão se encerra uma jornada, / E outra se abre em brilho transcendente, / Na dança entre a vida e o nada.

Na escuridão se encerra uma jornada: o eu lírico retorna ao processo de desencarne. O primeiro verso pode ser interpretado como o fechar de uma janela e o abrir de uma nova, numa substituição da palavra jornada por janela.

E outra se abre em brilho transcendente: o brilho transcendente novamente traz a ideia do maniqueísmo de luz e sombras, ou seja, a luz da alma, do sagrado transcendendo a escuridão do corpo, do material, restabelecendo a ideia dos contrates tão marcantes na presente criação poética do autor.

Na dança entre a vida e o nada: a dança metafórica descrita pelo eu lírico, de certo modo, pode causar rompimento em relação à imagética conduzida pelo soneto até então. A dança da vida com “o nada” coloca um ponto de interrogação sobre o que vem após, sendo este o único ponto contraditório identificado no soneto, que até então retrata uma dança entre a vida material e espiritual. Contudo, a passagem destacada é carregada de expressão poética, sendo, talvez, este o propósito do autor. Destarte, a beleza poética deste verso sobrepõe o enredo, tendo em vista que “o nada” citado possui significado de coisa nenhuma, ou seja, de vazio.

 Quarta estrofe

Assim o ciclo eterno se consente, / Da morte brota a vida restaurada, / O espírito se eleva, resplendente.

Assim o ciclo eterno se consente: o arcabouço do soneto eternidade pode ser descrito do mesmo modo que o primeiro verso da quarta estrofe, construído em forma de repetições, fator que pode ser associado ao ciclo eterno de encarne e desencarne citado no verso. A palavra “consente” remete à aceitação, a alma que lamentava saudosa pelo que viveu em forma de corpo físico que jazia inerte, agora aceita o desencarne como um processo natural.

Da morte brota a vida restaurada: o fato de haver vida onde há morte pode ser associado ao processo de adubação do solo para o crescimento de novas formas de vida, ou seja, uma vida restaurada como é descrito. Trazendo esta ideia ao contexto do soneto, algo corrompido e sôfrego, como o corpo humano, serviu ao seu propósito, realizar o crescimento espiritual da alma que residia nele.

O espírito se eleva, resplendente: a palavra “eleva” reforça a ideia de expiação adotada por algumas doutrinas religiosas como o cristianismo e o espiritismo, as quais associam a encarnação e desencarne como algo necessário à alma para seu crescimento espiritual. Ao finalizar com o adjetivo “resplandente”, sinônimo de resplandecente, o eu lírico transmite a mensagem de que a alma cumpriu seu objetivo em sua estadia no mundo material, alcançando seu brilho como recompensa dos seus feitos em sua trajetória terrena.

4. CONCLUSÃO

Em suma, “eternidade” carrega uma poética transcendental, não de vida e morte, mas de morte e renascimento, uma vez que finalizado o saudosismo e entrando no entendimento acerca do objetivo da encarnação, a alma não mais vê-se presa à sua vida material, recolhe-se ao mundo espiritual, o qual terá que mais uma vez abandonar, a fim de realizar semelhante processo formando um novo ciclo. Não se trata, pois, de um texto de caráter questionador, mas afirmativo, a partir da expectativa das discussões acerca do além-túmulo. Neste ponto, a estética presente no soneto, assim como sua temática, equilibra-se na tênue linha contrastante entre o mórbido (a morte) e o sacro (evolução espiritual).