Cap.4- Dançar é a arte de mostrar o espírito
(ATENÇÃO)
(A DOCUMENTAÇÃO A SEGUIR NÃO PERTENCE AO DIÁRIO)
(PERMISSÃO CONCEDIDA PELA ALTA CRUZ PARA ANEXO DAS INVESTIGAÇÕES ESPECIAIS RELACIONADAS A CORPORAÇÃO ARCA)
(A PEDIDO DO REI, MODIFICAÇÕES E DESCRIÇÕES FORAM FEITAS, PARA MELHOR ENTENDIMENTO DO LEITOR A PARTIR DAS PROVAS ENCONTRADAS)
- Já faz uma semana que Zero está desaparecido…- resmungou a voz feminina, com agitação ela parecia preocupada.
Uma mulher em um trono de prata mexia inquieta um pequeno bastão dourado que rodopiava em seus dedos, os fios carmesim que desciam contornando seu tronco e seios, terminavam repousando em suas coxas, cobertas por uma justa veste preta que cobria todo seu corpo até próximo ao pescoço, ressaltando a prata reluzente em seus pulsos, próximo ao ombros, unhas, salto alto, cintura, no colar e por fim em uma coroa.
Sua coroa era fina, com seis finos chifres igualmente de mesma espessura, que apontavam para frente, começavam frente a sua testa e terminavam próximo na linha temporal superior de ambos os lados.
Suas sobrancelhas demonstravam preocupação junto de seus lábios avermelhados, seus olhos ametistas, faltavam vida, perdidos em pensamentos, reluziam a pouca luz que havia no local, observando o pequeno bastão girar por seus dedos.
- Não se preocupe capitã, vamos encontrá-lo, 666, está fazendo o máximo que pode usando os demônios que controla, para tentar buscá-lo, nossa bruxa também está tentando localizá-lo, todos estão se dedicando, minha rainha.- dizia a voz uma voz grave que tentava soar como um conforto para os ouvidos da donzela.
Ao lado direito do trono de prata, um homem negro estava de pé, com os olhos fechados e mãos cerradas a frente da virilha, como se estivesse em guarda, suas vestes herdaram traços semelhantes as da mulher sentada no trono, o corpo era tapado apenas da cintura para baixo, deixando a amostra seus grandes músculos do tronco para cima, suas pernas eram cobertas por uma calça preta folgada que terminava presa ao ouro que adornava suas canelas, seu cinturão de ouro envolto por um tecido branco como a neve, deixava recair por suas coxas, placas de proteção de ouro, Grossas pulseiras de ouro ornavam seus braços, canelas e pescoço, mas era a marca tatuada em seu pulso direito que chamava a atenção: um círculo com o número "500", sempre visível e imponente. Sua postura firme e vigilante indicava que ele estava ali para proteger e servir, pronto para agir conforme necessário.
A mulher virou o olhar para o homem à sua direita, na cabeça dele uma tatuagem de Yin, se encontrava, cobrindo sua testa, preenchia toda a cabeça e próximo a nuca, havia uma auréola dourada. Sem muita empolgação, a mulher reclamou:
- O que já disse sobre me chamar assim? Ainda não sou rainha… Me chame apenas de capitã…
- Para nós, nossa capitã já é nossa rainha!- respondeu o homem.
- Concordamos plenamente!- completou o homem à esquerda do trono.
O homem a esquerda tinha vestes, físico, postura e adereços idênticos ao homem da direita, inclusive a numeração do pulso que também era 500, tendo de diferente apenas a cor da calça, pois esta era preta, seguindo outras características não tão distintas, como sua cor de pele branca, o cinturão que era preto e tatuagem de Yang na cabeça raspada, ouvindo a resposta dos homens, a face de preocupação dela se desfez, deixando escapar um meigo sorriso, quase como se estivesse se sentindo mais aliviada, a capitã disse:
- Sim… é apenas questão de tempo… O que me chateia, é que tudo desandou tão de repente, logo quando conseguimos almas o suficiente para ativarmos a titã… Agora a titã está se alimentando e uma hora não terá energia o suficiente para ativá-la, vamos ter que conseguir mais almas de novo para conseguirmos manter ela viva… Ao mesmo tempo que os únicos que conseguiam ativá-la, não estão mais aqui, Zero desaparecido e 01, morto… Parece até uma intervenção divina…
- As ações de Deus já foram feitas a muito tempo atrás, ele quer que as pessoas busquem ele, talvez tenha se cansado de buscar elas, depois da morte de seu filho, ele nunca mais interferiu na humanidade, duvido muito que tenha sido isso, na minha humilde opinião, tudo o que aconteceu foi um pequeno imprevisto, e imprevistos acontecem… E nós concordamos com isso- falou o homem negro.
- Sim, concordamos plenamente.- respondeu o homem branco.- Deus e um defunto são quase a mesma coisa no cenário atual, ambos não fazem nada, não devemos nos preocupar com isso, Lúcifer nos prometeu a vitória, e assim será! Essa terra será nossa!
Dentre a conversa casual, inusitadamente de um círculo de sangue que havia em volta do trono, começou a emergir um corpo lentamente, e se intrometeu falando em um tom descontraído:
- E tu vai confiar no cramunhão?! Hahaha… É brincadeira… Leva a sério não!
Uma risadinha escapou da boca da capitã, que ao ver o homem levantando do sangue logo o reconheceu, e um tanto ansiosa o perguntou:
- 313… O autoritário do véu rubro, tomara que tenha trago boas noticias, estou precisando…
O homem que agora já se encontrava de pé sobre o sangue, olhava gentilmente para a capitã, seus olhos de cores distintas, o direito azul e o esquerdo de cor âmbar, seus cabelos cacheados de cor bronze um tanto avermelhados, entravam em harmonia com seu tom de pele pardo, e suas vestes escuras, um fino cordão de ouro azulado repousava sobre seu tronco desenhando intrincados desenhos que talvez pudessem ser comparados com teias de aranha, ele reverenciou a capitã e logo voltou a falar:
- Eai gêmeos! Os celestes! Eu me sinto muito mais seguro por saber que vocês estão sempre de… “Olhos bem abertos e atentos” na nossa capitã… - 313 parecia fazer questão de enfatizar a frase “de olhos bem abertos”, propositalmente.
- Não nos importamos com suas piadas idiotas, somos cegos, mas conseguimos enxergar mais coisas do que você, e nós concordamos com isso!- responderam os gêmeos em coral, sem esboçar expressões faciais e mantendo seus olhos fechados como sempre.
313 rindo, disse em tom malicioso:
- É mesmo? Então quantos dedos eu tenho aqui?
- Dez contando os das duas mãos! -responderam em conjunto, os gêmeos em tom seco para não dar muita confiança a ele.
- Errado! Eu tenho 12, tem dois no meu bolso, Chupa! Hahaha… - Os celestes tinham suas faces contorcidas em raiva, mas irritar eles era exatamente o que 313 queria.- Eram de um fazendeiro malcriado, que achou que podia falar de qualquer jeito comigo, mas isso não importa agora… Tá vendo como vocês não são tão perfeitinhos assim? Como podem não enxergar algo tão óbvio na frente de vocês… - o assassino segurava o riso ao ver a cara de desprezo que era feita pelos gêmeos.
A capitã balançava a cabeça em negação tal atitude parecia pertencer ao cotidiano deles, mas ela ainda se surpreendia com a capacidade de 313 em irritar os gêmeos, e quase como uma mãe repreendendo seu filho, ela falou:
- Ai, ai… 313, pare de implicar com eles…
O jovem assassino tapando as risadas com a mão à frente da boca, logo respondeu:
- Sim senhora, capitã, estava apenas descontraindo um pouco, não gosto de ver minha capitã triste, não há motivos para tristeza, as minerações na Amazônia estão indo muito bem graças a um esquema que pedi que armassem contra um fazendeiro que era próximo aos índios e a defesa florestal, já conseguimos mais cinquenta quilos de ouro extraídos de lá, as últimas ajudas que havia pedido, foram para despistar a guarda florestal e o exército, de resto… Só os índios têm dado um pouco de trabalho, mas logo devem desaparecer com a quantidade de doenças que os carpinteiros “sem querer”, levaram a tribo, mas graças a Deus… estamos no Brasil, eles só vão se preocupar com essas questões de verdade, quando todos já estiverem mortos, e até lá, já teremos dominado tudo, então sorria minha rainha, são boas notícias!
- São ótimas notícias…- dizia a capitã.- Não se esqueça de me deixar informada se acontecer alguma coisa ou se tiverem rastros do Zero e da armadura de Seraph, uma pena que nós tenhamos perdido um avião e três soldados, nunca iríamos imaginar que a aeronáutica ia nos achar enquanto transportavam o corpo de Zero, tadinho do meu menino…- 313 perdeu o sorriso depois daquelas palavras e baixou a cabeça, a capitã finalizou, dizendo.- Mas obrigada, é muito bom ver que mesmo tendo imprevistos… conseguimos seguir em frente.
- Seguimos firme e forte, minha rainha! Agora devo voltar… e mas uma coisa capitã, logo tudo vai voltar ao planejado, vamos criar um novo Brasil, teremos o Éden de volta, um lugar de paz e prosperidade, veremos nossos inimigos se afogarem, enquanto nós ficamos a salvo na arca, navegando pelo mar vermelho que vamos trazer a essa terra seca.- As palavras de 313 ecoaram pelo salão enquanto sua imagem desaparecia lentamente na poça de sangue.
Ao ouvir tais palavras, um rápido sorriso demoníaco passou pela face da capitã, sua aura recaia em trevas enquanto seus olhos enxergavam um futuro sombrio, seu bastão parou de girar entre seus dedos, dentre aqueles belos lábios avermelhados um sussurro se manifestou com uma enorme frieza:
- Sim, nosso destino já está traçado… A arca sempre navega sobre o caos e firme se mantém, é só mais uma tempestade… que logo vai passar!
(FIM DO ANEXO)
Zero cortava o cenário rapidamente como uma flecha, desviando de galhos e pulando raízes. Sua respiração acelerava, o suor escorria pela pele, e o pequeno índio em seus braços não parava de sangrar. Mesmo assim, ele tentava manter a calma para que o irmão dele, que estava em suas costas, continuasse apontando o caminho.
- Ali! - gritou o indiozinho.
Entre a densa floresta, uma luz surgiu à sua frente, atravessando o véu brilhante do sol. Sua visão se adaptou à luminosidade e ele se deparou com a aldeia dos Yanomamis. Os índios encaravam, assustados, a chegada repentina do rapaz.
Os homens logo sacaram os grandes arcos e apontaram contra Zero, as mulheres e crianças recuaram para dentro da grande casa dos índios: a Xapono. Um dos homens esbanjando coragem, gritou:
- Não se aproxime ou atirar eu vou!
- Solte as crianças maldição!- gritou outro índio.
Zero encarava as armas e as ofensas um pouco assustado, enquanto tentava se defender:
- Por favor! Me escutem, a criança um machucado profundo ter, homem branco a feriu, ajudá-la vocês devem! Rápido!
- Meu irmão! ferido está!- Gritou a criança que de suas costas saiu e foi alvorecido convencer sua família- O demônio da onça, não veio machucar, ajudando a nós ele está! Correu e correu conosco, para meu irmão salvar!
Os homens baixaram os arcos e rapidamente, sem perder tempo, Akun veio correndo ao longe, desesperado para pegar Aweti, em prantos ele abraçava o filho, o irmão de Aweti correu em prantos para abraçar o pai, mesmo depois de ouvirem a história, os índios ainda desconfiavam do jovem, em passos atrapalhados pela velhice o pajé que estava na tribo correu até a criança ferida.
Ele encarou Zero com certo temor, mas não o julgou e logo indicou que Akun levasse Aweti para dentro da Xapono.
Mesmo que o indiozinho implicasse com rapaz, ou o fizesse ficar chateado, não havia motivos para querer vê-lo sofrer daquele jeito.
Aquela cena ficou marcada em seu coração, que doía ao ver a família de índios desesperada, ao presenciar o sangue de seu querido filho manchar as vestes feitas com tanto carinho por sua mãe, as lágrimas que dela choviam, não eram o suficiente para lavar as feridas de sua criança desmaiada sobre os braços do pai.
Fechando o punho com raiva, Zero não admitiu aquela situação, rangeu os dentes furioso, pois independente de força ou velocidade, suas habilidades não serviam de nada ali, Seraph então, sussurrou em sua mente:
- Eu posso tentar curar o garoto, demônios também sabem fazer milagres…- o jovem já entendia esse joguinho do demônio, e não iria cair em sua lábia.
- Cala a boca! Acha mesmo que eu vou confiar em você depois do que fez? Se não fosse por aquele espírito brilhante, eu estaria morto! Seu merda!
O rapaz massageou a cabeça e bufava ao tentar se acalmar para pensar em alguma solução, até que de repente, a mão de um senhor repousou sobre seu braço, ao se virar viu que era o pajé da vila, parecendo querer dizer algo a ele:
- Tua maldição não se foi, mas coração bom você ter… Mesmo sendo homem branco, uma criança nossa ajudou, sei que já se passou uma semana, e hoje daria meu veredito sobre sua presença ser boa ou ruim para nós, se você uma chance realmente querer para nos impressionar, agora terá! estaria disposto a provar seu valor?
A empolgação tomou conta de seu olhar, mas a lembrança do mau que estava por vir, quebrou sua energia e com amargor, olhou no fundo dos olhos do senhorzinho e disse:
- Os homens brancos vão atear fogo na floresta, vocês tem que fugir!
O pajé balançou a cabeça negativamente, e com melancolia, respondeu:
- Urihi a, faz parte de nós, se ela morrer, ficar aqui nós vamos, com ela morreremos!
- O que?!!-Gritou Zero, aterrorizado com a péssima idéia do pajé.- Não podem!
- Yanomami cansado de fugir, morrer tentando lutar nós vamos!
Sem saber o que fazer, Zero coçava a cabeça, agora tinha a certeza de que se perdesse a floresta também perderia os índios, seus pensamentos emaranhados não conseguiam pensar em nada, então respirou fundo e atentou-se para as palavras do pajé dirigindo a seguinte pergunta:
- Provar meu valor, né?… Certo! Qual é o plano e no que eu posso ajudar?
O pajé então o direcionou um sorriso singelo.
Já em outra local, penas balançavam no ar com o bater de asas de uma arara azul, que sobrevoava a floresta, Zero estava correndo pelas folhas secas junto com um pequeno grupo de índios, as palavras do pajé viam em sua mente como uma forte lembrança da conversa que tiveram antes de saírem da tribo:
- Eu no Clóvis confio, porque muita ajuda ele já nos deu, e se ele confia em você, é porque o Deus dele também confia, se o Deus dele confia em você, eu confio em você!
Ainda sem certeza alguma, Zero resmungou em sua mente:
- Quem é esse Deus esquisito que confia em mim, nem eu confio em mim!
- Para de resmungar, não gosto de ouvir suas reclamações na minha mente- Debochou Seraph.
- Cala a boca, capeta! Essa fala é minha! Fica de gracinha que eu te deixo morrer de fome!- Gritou Zero consigo mesmo.
Os índios que o acompanhavam, viam aquela cena confusos e olhavam um para o outro sem entender nada,e por suas costas o tachavam de maluco, graças a habilidade zona escura de Zero, ele conseguia identificar os movimentos que os índios faziam por suas costas, e os encarou com um olhar assustador, fazendo a brincadeira terminar rapidamente..
- É aqui!- Disse Akun, que estava um pouco mais a frente
Todos os índios pararam para analisar o local, Akun chegou até Zero e colocando a mão em seu ombro disse:
- Pajé a mim pediu, que a você, eu contasse uma coisa, nossa floresta alterna entre partes baixas e altas, nessa montanha logo a frente, existem espíritos da floresta, em algum lugar dela, espirito de boitatá dorme, ele dorme porque ferido está, e tenta recuperar forças dormindo, só ele pode impedir o fogo, você tem que conseguir acordá-lo… Eu confio em você!
Pela primeira vez Zero sentiu o que é ter a confiança de alguém sobre seus ombros, olhando nos olhos do índio, confirmou seriamente com a cabeça e correu, disparando montanha acima.
Subindo a montanha pode sentir a atmosfera do lugar começar a mudar, o ar estava mais leve, mais puro, a calma e a tranquilidade daquele lugar estavam acima do comum, mas havia algo que o incomodava.
- Sinto esses vermes perto de mim…- Resmungou Seraph.
- Que vermes?- Perguntou Zero, tentando achar respostas ao seu redor.
- Seus olhos ainda não são capazes de vê-los? Você é um inútil mesmo…
- Eu não estou vendo nada…
O olhar do menino se perdeu, seus joelhos tocaram o chão, com as mãos, tentando impedir as dores na cabeça, repentinamente ele retornou ao seu interior, o céu estrelado dando de encontro no horizonte com um mar vermelho.
Do vulto das águas vermelhas, Seraph apareceu, a aura carmesim ao redor de seu corpo marcava sua escura silhueta, Zero flutuando acima do espelho d’água, encarava confuso o demônio, e perguntou:
- Por que estamos aqui de novo?
O demônio enojado, encarava Zero reclamando:
- Estou cansado da sua falta de sabedoria, tu és ingênuo, não consigo entender como um Deus tão poderoso perde tempo com criaturas tão insignificantes…
- Me chamou aqui para desabafar suas mágoas? Quer um cafezinho também?- Perguntou o garoto já de saco cheio.
Seraph esbanjado ódio, aproximou as garras do espelho d'água, rapidamente o símbolo da tatuagem do peito de Zero, apareceu novamente impedindo que ultrapassasse aquela linha, encarando o garoto parecendo querer arrancar suas tripas fora, o demônio disse:
- Sua falta de temor me estressa, estou aqui para afirmar que se quiser algo de mim, eu tenho meu preço, ainda não posso ter sua alma, mas quero sua energia… Entregue parte dela a mim, e eu te contarei como usar o olho da verdade além do seu olho de pó da terra defeituoso, então poderá salvar a vila que por algum motivo tolo se preocupa tanto…
Fechando as mãos com força ele relutou sobre a ideia, mas logo colocou a mão sobre o símbolo em direção a mão de Seraph, o símbolo começou a brilhar, a energia saia do coração de Zero como um véu, passava pelo símbolo e desaparecia ao entrar na boca de Seraph.
Após comer, o vulto preto ganhou mais vida, e era possível ver sua forma um pouco melhor. O sorriso de Seraph, agora brilhava mais forte, Zero, com uma pulga atrás da orelha, logo perguntou:
- Por que você é tão fascinado pela minha energia?
- Por que eu preciso dela para continuar vivo, meus poderes não estão comigo, minha força também não, não me lembro direito, mas eu não era assim, no estado em que estou me comparo a um demônio de baixo nível, esse selo nojento não estaria de pé se meus poderes estivessem comigo, alguém me deixou assim, e fez o mesmo com a minha armadura, está incompleta e sem glória…
- Então quer dizer que se você não se alimentar, você morre… Interessante- Sussurrou Zero, com um sorriso provocativo no rosto.
Seraph se surpreendeu ao ver o garoto querendo tirar vantagem dele, e não pode conter os risos:
- Isso foi uma tentativa de intimidação? TSC! Você não vai me deixar morrer pó da terra, por que você precisa de mim para sobreviver, assim como eu preciso de você. Fico enjoado só de lembrar disso… mas é a verdade.
Ter que entender sua atual situação era algo que incomodava seu espírito, talvez pela primeira vez na história um humano e um demônio teriam que aprender a conviver, buscando harmonia no caos. Sem aviso prévio os céus caíram sobre o espírito do jovem formando um túnel estrelado.
Retornando a consciência, ele percebeu que mal se passaram alguns segundos no mundo real, enquanto em sua mente pareciam ter se passado alguns minutos, ignorando essa sensação, Zero perguntou já impaciente para Seraph.
- E então como eu faço para ver essas coisas?
- Existem chaves mentais que bloqueiam a visão espiritual dos humanos, apesar dessa chave já estar desbloqueada em você, tente usar o olho da verdade, deve ser mais fácil com ele. Pelo pouco que me lembro, esse é o olho que eu roubei de um dos príncipes do inferno, ele foi criado com a intenção de copiar os poderes de um dos pilares celestes, o pilar da verdade que controla um pouco da onisciência de Deus… não lembro seu nome nem sua aparência agora mas…
- Valeu pela história vovô, mas vamos direto ao ponto, por favor?!
Seraph soltou um rosnado com raiva daquele verme da terra e resmungou:
- Verme abusado… - Zero deixou escapar um pouco das risadas que tentava conter, mas Seraph continuou, dizendo.- Você tem que mostrar sua intenção sobre o que você quer ver, e ele te mostrará a verdade, ele não está completo então talvez tenha coisas que ele não consiga te mostrar ou identificar.
- Eu consigo ver os pensamentos de uma pessoa?- Perguntou Zero, com sua inocente empolgação.
- Não tenho certeza, mas você não precisa dele para identificar a energia que vocês emanam, se alguém está com raiva, triste, feliz, é facilmente perceptível, afinal, vocês emanam energia a todo momento, não é difícil ler vocês através disso, é quase como tentar ler lábios, ficou fácil para seu intelecto inferior compreender o que digo?
- Com todo o respeito… Vai para o inferno!- vociferou Zero, enraivecido com o demônio que parecia rir debochando de sua reação.
Se acalmando, respirou fundo e começou a tentar manipular o poder do olho de dragão, o olho manteve seu brilho escarlate, com o outro olho fechado o rapaz dava total atenção para o seu olho direito, sua visão um tanto confusa, bagunçava sua mente.
- Você se lembra dos demônios que viu quando acordou no meio da floresta? mostre que é isso que você quer ver…- comentou Seraph.
A visão de Zero começou a se embaralhar como se estivesse assistindo a um programa maluco de realidade virtual. Linhas brilhantes pareciam dançar pelas árvores, conectando raízes e folhas de maneira surreal. Mas a visão panorâmica de 360 graus era como um parque de diversões para sua cabeça, e ele rapidamente cobriu o olho para evitar uma enxaqueca.
- Não se esqueça, o olho só vai mostrar o que você quer ver, então deixe claro suas intenções para ele…- resmungou o demônio impaciente, como se estivesse dando instruções para um jogo complicado.
Voltando ao desafio, Zero concentrou-se novamente, tentando focar sua intenção. A visão do mundo real desapareceu, revelando o invisível, e ele finalmente avistou uma pequena criatura escondida atrás de uma árvore.
- Consegui! - exclamou o jovem, misturando empolgação com um toque de medo do desconhecido.
A criatura escura admirava o rapaz com seus olhinhos, uma silhueta de folha balançava em sua cabeça, Seraph, parecendo não gostar da presença daquela criatura não demorou para deixar sua opinião:
- Agora eu me lembro… Essa coisa é quase infinita em florestas, são espíritos medíocres, criados pelas árvores para várias finalidades, um peteleco é o suficiente para matar essa coisinha, as árvores produzem milhares dessas criaturas por ano, também servem de alimento para espíritos criados pelos humanos, ou entidades de baixo nível, eles são esquisitos mas conhecem a floresta, tente falar com um deles, eles vão correr de mim se eu tentar qualquer coisa.
Meio sem jeito, Zero se aproximou vagarosamente da criatura, evitando qualquer movimento brusco, agachou próximo a ela e tentou uma abordagem amigável:
- Olá…- Acenou o jovem com um sorriso sem graça.- Você conhece um bicho chamado Boitatá? Pode me levar até ele, por favor?
O pequeno ser continuava encarando ele, sem demonstrar expressão alguma, o rapaz já suando frio, começou a sussurrar:
- Eu to ficando com medo desse bicho…
- O QUE?- Gritou Seraph na mente dele- COMO VOCÊ PODE SENTIR MEDO DESSA COISA INSIGNIFICANTE E NÃO TER MEDO DE MIM!?!?! SEU VERME!!!!
Cá!- Proclamou a criatura.
Recuando um pouco as mãos por levar um susto com a fala repentina do pequenino, ele perguntou a Seraph:
- Isso foi um… sim?
- Isso foi um “Por favor me coma”! Essa criatura inútil não tem sabedoria o suficiente para se comunicar!!!- Reclamava o demônio enfurecido.
- Então por que você me pediu para falar com essa coisa seu demônio estupido?
- Cala a boca seu verme! Eu não me lembrava que esses seres insignificantes não sabiam falar!
Enquanto eles discutiam, a pequena criatura começou a correr com seus pezinhos pela floresta.
- Atrás dele!!!- Ordenou Seraph.
Imerso na experiência alucinante das corridas inesperadas, o jovem Zero se entregou à emoção e perseguiu a criatura com uma determinação impressionante. Apesar de seu tamanho diminuto, ela se movia com uma agilidade impressionante, deslizando entre as sombras da floresta como uma sombra fugidia. Enquanto corria, Zero notou outras criaturas semelhantes observando-o atentamente, como se fossem espectadores curiosos de um espetáculo cósmico.
Naquele mundo distorcido e misterioso, onde a realidade se misturava com a fantasia, cada detalhe era uma revelação intrigante. As criaturas pareciam ser guardiãs de segredos ancestrais, observando com olhos brilhantes e expressões enigmáticas.
Guiado pela criatura, Zero chegou a um riacho sereno, onde as águas cintilavam sob a luz dourada do sol filtrada pelas densas folhagens. Ali, a criatura apontou com um gesto sutil na direção de uma figura etérea: o espírito de um antigo índio, sentado sobre uma pedra de granito, imerso em uma meditação profunda. Era como se estivesse diante de um guardião ancestral, pronto para desvendar os mistérios ocultos da floresta.
Observando maravilhado, o jovem pôde testemunhar dezenas daquelas mesmas criaturas, rodeando o espírito com uma aura de mistério. O ser espectral ostentava uma coroa de penas que circundava sua cabeça, enquanto suas costas exibiam tatuagens tribais que pareciam pulsar com uma energia ancestral. Uma melodia celestial serpenteava pela floresta, emanando de um instrumento peculiar que o espírito habilmente manipulava uma flauta composta por várias flautas de tamanhos diferentes, unidas em uma sinfonia única. Seus cabelos escuros ondulavam ao ritmo da música, enquanto os sons encantadores acariciavam os ouvidos do jovem, envolvendo-o em uma sensação de encantamento.
O espírito, cujo rosto estava oculto por uma máscara de madeira adornada com desenhos vermelhos e dois olhos penetrantes, semelhantes aos das criaturas ao seu redor, ergueu-se lentamente e dirigiu-se ao rapaz com uma expressão curiosa. Seus movimentos pareciam flutuar em uma dança etérea, ecoando a serenidade da floresta ao seu redor.
- Peregrino de pele alva, o que o traz a estas terras sagradas? - perguntou o espírito, sua voz ecoando suavemente pela mata.
O jovem, tomado por uma mistura de receio e admiração, lutava para articular uma resposta coerente, enquanto recuava timidamente. Porém, uma voz interior, carregada de raiva e frustração, irrompeu em sua mente, ecoando os sentimentos reprimidos de Seraph:
- COMO VOCÊ TÁ COM MEDO DISSO E NÃO TEM MEDO DE MIM???
Tentando manter a respiração, o garoto restabeleceu a postura e começou a falar:
- E… eu estou procurando por um bicho chamado Boitatá, você pode me levar até ele?
- Eu não confio em você ainda, se você quiser vê-lo, terá que me vencer em um…
O espírito deu um grande mortal, e invocou do chão uma lança, que parecia ser feita inteiramente de madeira e esbanjando coragem apontou-a para Zero, o rapaz engoliu seco, as pequenas criaturas fizeram um círculo em volta do local, cercando ele e o espírito ali.
O chacoalhar das folhas entravam em ritmo com a batida do coração acelerado de Zero, o espírito arremessou a lança no meio da arena, e olhando no fundo dos olhos do rapaz, falou com seriedade:
- Uma luta de apresentações ritualísticas!!! Mostre-me seu espírito!!!!
- Que?!?!- Seraph e Zero se perguntaram a mesma coisa em coral, surpresos com a proposta esquisita.
O índio pulou para perto da lança, com movimentos desconhecidos aos olhos do rapaz ele começou a dançar, chacoalhando seu corpo, pulando e rodando, as criaturas começavam a dançar e correr ao redor da arena que formaram, até o momento em que o índio parou de fazer sua dança um tanto quanto tribal e encarou Zero.
Com um olhar de confusão mental, e retardo de respostas dos neurônio que lutavam para tentar entender, o que catapimbas estava acontecendo ali, Seraph soltou seu clamor que jamais seria ouvido pelos céus:
- Deus… Como eu vim parar aqui?- Resmungou o demônio desgostoso da vida que estava levando.
- Ele tá querendo que eu dance também?- Se perguntava o rapaz.- Moço, eu não sei dançar não… A tribo vai pegar fogo se eu ficar aqui… Eu juro que eu não sou do mau… Pelo menos não que eu lembre…
O índio continuava a esperar o garoto mostrar a dança cerimonial dele, Seraph já sem esperanças sussurrava:
- Ele não vai levar a gente enquanto você não mostrar sua dança…
- Por que ele quer ver eu dançando? Isso não faz nem sentido!- Reclamou o jovem.
- Sua falta de conhecimento básico sobre seu próprio corpo me enoja…. Já se esqueceu do que eu falei antes? Vocês emanam energia o tempo todo, ele pode estar querendo conhecer suas verdadeiras intenções com isso, está querendo descobrir quem você é, e se é digno de confiança.
Zero fez uma cara de desespero, e suando frio, não parecia muito interessado com a proposta:
- Então a gente tá duplamente ferrado, eu não sei quem eu sou e também não sei dançar…
Tentando lembrar de algo que pudesse ajudá-lo, Zero coçou a cabeça em busca de uma vaga lembrança que o auxiliasse na dança. De repente, um sorriso iluminou seu rosto, acompanhado pela alegria de uma memória prestes a surgir.
- Certo! - exclamou Zero, dando um passo à frente. Ele respirou fundo, reunindo coragem para começar. Encarou o espírito, que o observava atentamente. Soltando o ar lentamente, Zero começou a dançar.
Batendo as mãos à frente do corpo, ele as puxou em um gingado em direção à cintura, mantendo os pés sempre em movimento. Balançando os braços, bateu as palmas novamente à frente, repetindo o movimento em direção à cintura. Requebrando os braços enquanto os movia para baixo, Zero apontou para o espírito com o indicador e finalizou a dança cruzando os braços, fazendo uma expressão séria.
Os papéis se inverteram; agora era o espírito que não conseguia entender o que Zero tinha feito. Era possível ver a expressão de nojo de Seraph, mesmo em outra dimensão, seguido da pergunta mais sincera que um demônio já havia feito na face da Terra:
- MAS QUE PORRA FOI ESSA?!?
- Ué... Foi a única dança que consegui lembrar! Então, fica quieto! Acho que essa dança era de algum jogo, mas eu não consigo lembrar… - disse Zero, envergonhado e se arrependendo do que havia feito.
- Buh! - ecoou a reprovação das pequenas criaturas que olhavam para Zero com decepção.
- AH! Isso vocês sabem falar, né?! Seus pentelhos de saco!!!
O espírito do índio começou a rir, se aproximou do jovem e disse:
- Eu não vejo maldade em você. Venha, vou te mostrar o caminho...
- S... Sério? Então eu venci? - perguntou Zero, animado por ver que a vergonha que passou não havia sido em vão.
- Não, você foi horrível. Fiquei com pena de você, então decidi terminar logo para poupar a pouca honra que ainda te resta…
A dor e a decepção eram perfeitamente visíveis no rosto de Zero após essa frase. A mente dele foi dominada pelas gargalhadas de Seraph. O rapaz, extremamente envergonhado, tentava elaborar sua defesa, mas pelo bem da missão, decidiu não dizer nada. Baixou a cabeça e apenas seguiu o espírito do índio.
- Pelo menos... deu para ver que você não é do mal. - dizia o índio, tentando confortar o menino com tapinhas no ombro.