Estética da criação verbal - Mihkail Bakhtin
Para quem não está a par dos conteúdos programáticos que norteiam os documentos normativos relacionados à educação brasileira no campo da linguística e da crítica literária, pode ser que essa seja a primeira vez que veem o nome de Mikhail Bakhtin, uma vez que seus estudos e trabalhos não sejam tão populares em nossa sociedade cada vez mais desinteressada nas práticas de uso e análise da comunicação por meio da linguagem humana.
Estética da criação verbal, obra publicada postumamente, em 1975, aborda muitos dos temas chaves que permearam as pesquisas de Bakhtin durante sua vasta carreira intelectual. Dentre os principais conceitos de seus estudos, estão: uma abordagem da linguagem essencialmente dialógica, que consiste na sua natureza interativa e dinâmica, caracterizada pela presença de múltiplas vozes e perspectivas em um texto, tendo como destaque a importância do contexto social, histórico e cultural na compreensão da linguagem e da literatura; uma ampla análise sobre os gêneros do discurso, os quais Bakhtin e os integrantes de seu círculo literário foram pioneiros; uma teoria acerca do conceito de Exotopia, que é uma discussão sobre a interação entre o autor, o texto e o leitor, entre muitos outros temas importantíssimos que contribuíram significativamente para as muitas teorias literárias do começo do século passado até os dias atuais. Falaremos aqui sobre alguns desses elementos da obra deste pensador russo, especialmente as contidas no livro que deu título a este texto aqui escrito.
Exotopia é um “estar num lugar fora”, exo (fora) + topia (lugar). Essa questão da Exotopia pode ser observada em pelo menos duas relações: entre os homens e entre o autor, narrador e personagens. Na relação entre os homens é interessante observarmos pelo menos três aspectos, quais sejam, do espaço, do tempo e dos valores.
No que diz respeito ao espaço, o outro tem uma posição privilegiada em relação a mim, assim como eu a ele. Podemos ver detalhes espaciais um no outro que não conseguiríamos ver em 1° pessoa.
No tocante ao tempo, o outro percebe a minha existência de um ponto de vista que eu não consigo. Eu, por exemplo, não consigo saber como se deu meu nascimento, o outro que vai me falar, assim como a morte, visto que é o outro que consegue olhar toda a minha vida e dar a ela uma unidade de início, meio e fim, ou seja, dar a essa vida um acabamento.
Referente aos valores, é o outro que me fala como eu sou. Se o outro fala que sou tímido, por exemplo, eu vou acabar me valorando de ser tímido por acreditar. Se em determinado momento eu decidir mudar, eu estarei tentando superar esse outro, superar esse valor que o outro deu a mim, e assim me adequar a sua opinião que tem sobre mim.
Sobre a Exotopia em relação ao autor/narrador e personagens, o autor tem uma posição privilegiada acerca dos personagens. O autor pode saber sobre determinados fatos da vida do personagem que este último não sabe, como pode saber também sobre o futuro deste personagem. Assim também em relação aos seus valores, como características do tipo se ele é legal ou não, se é sério ou bem humorado, etc. O narrador pode trazer informações dessa natureza para o leitor. Por conta disso é que Bakhtin admira muito Dostoiévski, por este quebrar essa barreira exotópica, a qual o narrador parece inserido com o personagem no espaço/tempo. Além disso, esse narrador dostoievskiano não costuma dar valores ao personagem, deixando essa tarefa para o leitor.
No primeiro capítulo da obra, intitulado “autor e personagem”, Bakhtin critica essa confusão que se faz entre as características ideológicas, por exemplo, dos personagens com as do autor, que acabam sendo confundidas e misturadas pelos intérpretes equivocados.
Bakhtin também considera um erro quando os autores divagam sobre os personagens depois que a obra já está acabada, como se o autor soubesse tudo, como se fosse Deus, e não dando a impressão que o personagem é um ser independente.
Outro tema central na obra de Bakhtin e que ocupa grande espaço na obra aqui analisada, são os já mencionados gêneros do discurso, assunto primordial na construção dos principais documentos normativos da educação brasileira, especialmente a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Segundo Bakhtin, existem os tipos e os gêneros textuais. Os tipos textuais são classificados de acordo com a forma, ou seja, os gêneros textuais estão inseridos dentro de determinados tipos textuais. São cinco os tipos textuais: narrativo, descritivo, dissertativo, expositivo e injuntivo.
O narrativo tem como marca fundamental a existência de um enredo, no qual são desenvolvidas as ações dos personagens, marcadas pelo tempo e pelo espaço; assim, a narração engloba o que chamamos de “cinco elementos da narrativa”, o enredo, o narrador, os personagens, o tempo e o espaço. Estes textos narrativos possuem uma estrutura básica, contendo apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho. Exemplos de textos narrativos são o conto, a fábula, o romance, a novela, a crônica, entre outros.
O texto descritivo apresenta a descrição de algo, seja de uma pessoa, objeto, local, etc, e expõe impressões e observações de algo, indicando os aspectos, as características, detalhes e pormenores. De uma forma geral, os textos descritivos seguem uma estrutura básica, tendo introdução, desenvolvimento e conclusão.
A descrição é classificada de duas formas, a descrição objetiva, que tem por característica ser realista e denotativa, e a descrição subjetiva, que por sua vez relatam impressões pessoais do autor e tem valor conotativo. Como exemplos desses textos temos o diário, os relatos, as biografias, as notícias, etc.
O texto dissertativo defende uma ideia, logo, é baseado na argumentação e no desenvolvimento de um tema. Geralmente buscam persuadir o leitor. De forma geral, é dividido em três partes, introdução, desenvolvimento e conclusão. Esses textos pode ser expositivo ou argumentativo. Como exemplos, temos a resenha, o artigo, o ensaio, p editorial, etc.
O texto expositivo é classificado em dois grupos, o informativo-expositivo e o expositivo-argumentativo. Como exemplos, temos, o seminário, as entrevistas, as palestras, a enciclopédia, etc.
Por fim, o texto injuntivo ou instrucional está pautado na explicação e no método para a realização de algo. Muito usado o imperativo nesse tipo de texto. Como exemplos, temos, o regulamento, a receita, a bula, o manual de instruções, etc.
O que também é amplamente discutido e analisado na obra são os conceitos e diferenças entre oração e enunciado. Para Bakhtin, a oração não é delimitada em suas extremidades pela alternância dos sujeitos falantes do discurso, além do que ela não está em contato imediato com a realidade; não tem relação com os enunciados dos outros; não tem significação plena nem capacidade de sujeitar atitude responsiva ativa no outro. Enquanto unidade da língua, assim como a palavra, a oração não tem autor, diferentemente do enunciado, que sempre tem autor. Sempre que há um enunciado, existe, por trás de um processo, aquilo que levou a produção daquele produto, o que na oração não existe.
Além disso, o enunciado não pode existir isoladamente, ele sempre pressupõe enunciados que o antecederam e que o sucederão. Nenhum enunciado pode ser o primeiro ou o último, ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não pode ser estudado. Entre os enunciados existem relações que não podem ser definidas com categorias nem mecânicas nem linguísticas. Eles não têm analogias consigo.
Por fim, na obra Bakhtin se dedica ao tema das figuras de linguagens, que são elas: as figuras de palavras, como a alegoria, a perífrase, a metáfora, a metonímia, entre outras; as figuras de som, como a aliteração, a assonância, a paranomásia, entre outras; as figuras de construção, como a anáfora, o hipérbato, a zeugma, a elipse, entre outras, e as figuras de pensamento, como a antítese, o eufemismo, a gradação, a ironia, entre outras.
Em resumo, as contribuições de Mikhail Bakhtin para a filosofia da linguagem e à crítica literária são de grande importância, sendo inegável que o legado de Bakhtin permanece vivo e relevante, desafiando e enriquecendo nossa compreensão da linguagem, da literatura e da cultura.