O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago. AIR: A História Por Trás do Logo.: uma reflexiva intertextualidade.
Capítulo 01: O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago.
“É preciso sair da ilha para ver a ilha.”
José Saramago, um dos mais emblemáticos nomes da literatura portuguesa, e o único a ser agraciado com um prêmio Nobel, nos brinda com esta profunda, reflexiva e provocadora afirmação. “É preciso sair da ilha para ver a ilha.” Tal frase é encontrada em seu conto: A Ilha Desconhecida. Onde o autor através de sua escrita única e seu humor irônico, nos apresenta uma reflexão formidável sobre sair a procura do novo, do desconhecido. A não temer aquilo que aos nossos olhos é estranho, entretanto abraçá-lo, desejá-lo e fazer o que for preciso para obtê-lo.
Em o Conto da Ilha Desconhecida. Somos apresentados a uma narrativa, que inaugura-se com um rapaz que aparece na porta dos pedidos do castelo do rei, para lhe fazer, como o nome já nos leva a inferir: um pedido. A princípio o rei não o atende, pois este prefere estar na porta das bajulações. Onde o conforto certamente é mais propício. Onde seu ego pode ser massageado e confortado. Enquanto o homem fica a mercer, parado em frente a porta dos pedidos, apenas com sua ousadia, coragem e um desejo.
Em um dado momento a serviçal do local se sente intrigada com este homem a porta do castelo e o atende. Assim que o rapaz diz que deseja falar com o rei, ela passa o recado para seu superior e seu superior, passa seu recado para o seu superior, que por sua vez, passa para seu superior e assim procede. O rei, obviamente, não o recebe de imediato, porém o homem insiste em conversar com seu rei, afirmando que não se retira do local antes de ter sua solicitação apreciada.
Depois de tanto persistir, o rei decide apreciar seu desejo, concedendo um tempo de sua preciosa presença ao rapaz. O homem por sua vez, ao ter seu desejo contemplado empreende seu pedido ao rei, dizendo-lhe que quer um barco. O rei perplexo, indaga-o do porquê quer um barco. O rapaz, diz que deseja o barco pois vê em si um desejo pleno de descobrir ilhas desconhecidas.
O rei, ainda não satisfeito, diz que todas as Ilhas já desconhecidas foram descobertas. Todavia, é surpreendido por um argumento incontestável. O homem lhe persuade dizendo que verdadeiramente, por vezes, todas as Ilhas desconhecidas já foram achadas, mas… só sabe-se deste fato, porque saiu-se a descoberta dessas ilhas, que se assim não fosse, jamais chegaria a ciência, que essas ilhas existiam. O rei, convencido, cede o barco ao rapaz e assim ele parte rumo a sua aventura.
Neste conto, Saramago não somente nos apresenta a perspicácia de ser um tanto insistente nos propósitos que residem em nós. Ele busca também, explorar por meio da metáfora e da filosofia, levarmos-nos à atividade reflexiva sobre não temer o misterioso, sobre ir de fato atrás daquilo que para nós, é uma verdade e que depositamos toda a nossa fé.
Ele nos conduz ao questionar as múltiplas possibilidades das conjunturas do que aconteceu com o rapaz. Se de fato ele chegou ao seu destino, se realmente achou a Ilha que tanto queria. A mim, limito-me aos questionamentos à pouco citados, contudo acredito que o conto vai nos levar a pensar sobre o tentar. Não sabemos como se dá o desfecho de tudo, no entanto algo é seguro em nossos corações: o rapaz tentou. E só a questão de ter tentado, é motivo para nos fazer refletir e alegrarmos-no. Refletir, atrelado ao tentar. Alegramo-nos, atrelado ao sentimento de que se não conseguirmos o que idealizamos, ao menos a tentativa, nos foi objeto de trabalho.
Portanto, Saramago se mostra com verdade, um exímio autor, e mais do que merecedor de ser o portador de um dos maiores prêmios globais: o prêmio Nobel.
Capítulo 02: AIR: A História Por Trás do Logo.
Ao analisar o texto da Ilha Desconhecida, e traçando um paralelo de uma possível intertextualidade com outros textos ou até mesmo um possível mero diálogo. Lembro-me do filme: AIR: A História Por Trás do Logo. Audiovisual lançado em 6 de abril de 2023 e dirigido por Ben Affleck. O filme nos conta os desafios enfrentados pela equipe de design da NIKE, para manter a relevância do logo da marca ao longo do tempo. A marca precisa acompanhar as tendências estéticas e de design, ao mesmo tempo, em que atende às preferências e expectativas do público.
Sobre esse viés, Sonny Vaccaro (olheiro da marca), interpretado por Matt Damon, acredita que o prestigiado jogador de basquete, Michael Jordan, seja a solução para os problemas da empresa. Um jogador fantástico que conversa com os interesses de seu público e que possui todos os recursos para elevar o nome da marca.
O filme segue nessa perspectiva, Sonny Vaccaro, a princípio tem que convencer a NIKE a apostar todas as suas fichas no jogador e logo após, convencer o jogador a aceitar a proposta da marca. Uma tarefa que nos parece fácil, mas que se prova um desafio muito grande para o olheiro. No entanto, com um bom discurso persuasivo e um jogo de cintura admirável, Sonny Vaccaro consegue concluir seu objetivo. (Ele chega até a sua ilha).
Capítulo 03: Traçando paralelos.
Ora no conto de José Saramago, ora no filme AIR. Podemos analisar uma série de fatores gêmeos. A princípio, temos a insistência do homem na porta dos pedidos, pedindo para falar com rei, com a insistência do olheiro para convencer a NIKE a fazer uma proposta para Michael Jordan.
No filme, a marca não se via em um estado onde seus recursos estivessem privilegiados para cometer o risco de fazer uma proposta ao jogador, haja vista, de que este, cobraria um valor elevado. Porém, Sonny Vaccaro, ousado, corajoso e insistente como o homem que batia a porta do Castelo, não desistiu facilmente e continuou a pedir a marca que lhe desse um voto de confiança, e depois de muito insistir, depois de muito tentar, teve sua solicitação contemplada e pode fazer sua proposta a Mike Jordan. Assim como o homem, conseguiu o seu tão desejado barco para que pudesse ir em frente, à descoberta de ilhas desconhecidas.
Sobre a ótica de nossa análise, podemos também citar os discursos persuasivos que são contemplados em ambas as narrativas, onde os personagens principais, se utilizam de uma lábia sagaz e conseguem por meio de seus discursos e argumentações, convencer seus superiores, e portanto, saciar seus desejos e objetivos.
Ademais, no processo analógico, temos a participação do coletivo no auxiliamento da conclusão do objeto de trabalho, isto é, na efetivação daquilo em que ambos os personagens desejam obter. No conto da Ilha desconhecida de José Saramago, temos a participação da serviçal que trabalhava limpando o chão do castelo, e que passa a ajudar o homem não somente a chegar até o rei, como também, a ir de encontro a sua missão. Ajudando-o com o barco. Percebemos isto, no trecho em que ela limpa o veículo para o rapaz. Além disso, ela presta apoio motivacional e emocional a ele.
No filme AIR: A História Por Trás Do Logo. Temos a equipe que trabalha juntamente com o olheiro, o auxiliando e ajudando-o em tudo o que se vê que é necessário para que o contrato seja assinado por Michael Jordan.
Sendo assim, percebemos um diálogo explícito, entre ambas as histórias, que é encontrado através de seus fatores gêmeos, como os discursos persuasivos, a persistência invejável dos protagonistas e a prestação de auxílio do coletivo.
Capítulo 04: uma breve reflexão.
Concluímos portanto, a partir desta costura de analogias que foi travada entre os dois textos, a questão da persistência, da ousadia, da coragem, da persuasão e da ajuda do coletivo.
De fato, é importante corrermos incessantemente atrás daquilo que temos para nós como uma verdade. Devemos considerar que os desafios são inerentes a qualquer atividade que venhamos a realizar, entretanto não são eles a plenitude de tudo aquilo que enfrentaremos no processo,.são apenas uma parcela daquilo que veremos.
Se temos algum objetivo em mente, se temos alguma idealização, se temos em nós, uma chama que cresce a cada dia em relação a um determinado projeto a uma determinada atividade, seja um texto, seja um audiovisual, seja abertura de um empreendimento, seja algo até mesmo relacionado ao subjetivo, individual, devemos nós, explorar ao máximo possível este mistério que se apresenta diante dos nossos olhos, com o objetivo de ir até o fim. E precisamos ter a ciência de que em nosso caminho, teremos de enfrentar adversidades.
Outro ponto importante que deve ser abordado, que está presente no conto de Saramago, e que externaliza-se muito bem na frase: “É preciso sair da ilha para ver a ilha.” É a questão de que: não nos vemos se não saímos de nós.
Quando estamos submersos nas nossas próprias ideias, podemos chegar ao ponto de nos perdermos. De não conseguirmos pensar, ou raciocinar corretamente. Pois estamos muito centralizados em um só ponto.
Em algumas cenas do filme AIR, percebemos que Sonny Vaccaro, sai da ilha, sai daquela caixinha fechada que era sua mente, para poder enxergar o lado de fora, para poder analisar as possibilidades, bolar estratégias e conseguir aquilo que ansiava.
Precisamos sair de nós mesmos em alguns momentos, sairmos das nossas verdades, das nossas conjecturas, dos nossos pensamentos, só por um momento, para que possamos olhar o todo.
Averiguar as possibilidades, analisar tudo aquilo que pode ser analisado, nos acalmar e não permitir que o desejo, que a chama bruta por aquilo que idealizamos, nos consuma de uma forma que nos faça errar.
Que possamos ter serenidade para ponderar tudo aquilo que projetamos, que possamos sair da ilha para ver a nós mesmos. Que através desse olhar externo, nós possamos enxergar as múltiplas possibilidades que se apresentam ao nosso ver.
Isso é muito importante, pois só assim, poderemos nós conseguir aquilo que queremos da porta do rei. Pois só assim, poderemos nós conseguir o contrato com Mike Jordan. Pois só assim, poderemos nós conseguir o que desejamos da vida…