Virginius- Machado de Assis- Análise
Um conto aparentemente mais direto no que se pretende dizer e com um viés de crítica social mais sobressalente, porém, que não chega nem perto da literatura militante da atualidade. Mesmo quando somos tentados a enquadrar Machado a um tipo de literatura utilitária- nesse caso no campo da observação sociológica- ele nos surpreende com o que a literatura pode nos dar de melhor. Pesquisei um pouco sobre o conto e encontrei algumas críticas e artigos que sempre pendiam para esse assunto imediato e mais superficial do texto, por isso mesmo é que os deixo de lado por aqui. Vamos ao que o conto nos traz nas suas camadas mais internas e de modo mais sutil. As terras do Pio(pai de todos) se apresentam como uma espécie de refúgio com um distanciamento tanto físico como cultural-espiritual das grandes cidades. Um local onde até mesmo a escravidão, legalizada e estruturada na sociedade brasileira, não tem vez. Onde as regras de vida parecem ser tiradas da própria alma das pessoas, ou, para ser menos piegas, da própria lei natural que em nós reside. Um despojamento do espírito das metrópoles que, em vez de nos deixar menos humanos, nos aproxima mais do que deveríamos ser em todos os tempos e em todos os lugares. Vejamos por exemplo que o menino que conversava com a filha de Julião tão abertamente, quando volta de ter feito "as primeiras letras", já não faz o mesmo. Ao contrário do que o senso comum poderia imaginar, depois de formado o que ele demonstra é uma grande desumanização. E o mais irônico de tudo é que seus "estudos" nem ao menos serviram para o aproximar dos livros e de uma verdadeira vida intelectual. Ele carrega em si a figura do homem que ganhou o mundo, mas perdeu sua alma. Julião, por sua vez, é a imagem do homem que carrega em si, como se em uma pedra, a clareza das verdades eternas. Com um cálculo prático e sem paixão, é capaz de matar a própria filha para manter sua honra, sua pureza e, em última instância, ganhar sua alma. É Interessante ver que Pio, pai do rapaz que deu causa a essa tragédia, se não consente explicitamente com a decisão de Julião, ao menos não a recrimina como coisa tola e sem nexo. Além disso, parece sentir tanto a perda da menina quanto a de seu filho, e esta, talvez até mais.
Não são poucas as mártires da castidade que são louvadas há séculos, porém, a grande tragédia do conto está em dois pontos:1- O desenlace do enredo mostra que, naquela ocasião, pelo menos, o sacrifício da menina foi desnecessário. 2- Uma coisa é, com nosso livre arbítrio, darmos a vida por um ideal, outra coisa é uma pessoa nos sacrificar, sem nosso prévio consentimento(pleno, pois o dela não o foi), por este mesmo ideal, mesmo que esta outra pessoa seja seu próprio pai, que até ali tudo fez por ela.
Em suma, eram três os pontos que queria destacar neste conto: 1- A desumanização sofrida pelo rapaz, relacionada diretamente com seus estudos e com a vida urbana. 2- Um modo de vida recluso e pacato que se apresenta como ideal e modelo. 3- A presença de valores transcendentais como regra absoluta de vida.
(Interessante ver também que Machado apresenta uma possibilidade de redenção ao causador da tragédia através de uma vida de expiação. Algo que, ao menos para este leitor não muito experiente de sua obra, não é tão comum nos seus textos e um tanto alheia à sua cosmovisão, aparentemente)