Investigação acerca do entendimento humano – David Hume
É muito comum vermos, por motivos didáticos, um grupo de vultos históricos agrupados segundo as características as quais se assemelham em relação à matéria de suas divagações filosóficas ou artísticas. Na maioria das vezes, esse grupo é formado por uma trinca de personalidades. Quando nos debruçamos sobre o estudo do teatro grego, por exemplo, surgem-nos os nomes de Sófocles, Ésquilo e Eurípedes; já no estudo do teatro francês do século XVII, Corneille, Racine e Molière são os objetos de análise; assim decorre em muitos outros casos: Aristóteles, Platão e Sócrates em filosofia grega; Dante, Petrarca e Boccaccio no humanismo italiano; bem como Locke, Berkeley e Hume quando se trata do Empirismo filosófico. E é sobre o pensamento deste último filósofo, contido principalmente na sua obra “Investigação Acerca do Entendimento Humano”, que faremos uma breve análise no decorrer do presente texto.
David Hume escreveu sobre diversos temas. Epistemologia, Ética, Estética, Teologia, Política, História e Economia são os assuntos mais abordados em seus ensaios e tratados. Na sua obra, que é o título deste texto, podemos dizer que a principal ideia deste filósofo escocês é a crítica do Princípio da Causalidade. Hume questiona a ideia de que podemos observar uma conexão necessária entre os eventos de Causa e Efeito, tão essencial na explicação de, praticamente, toda teoria científica, filosófica, bem como moral e teológica, haja vista os argumentos dos pensadores deste último ramo das indagações humanas, à medida que seria Deus a Causa de todos os fenômenos percebidos pela mente do homem. Este ponto de vista particular do pensamento de Hume o faz um pensador da corrente filosófica denominada Ceticismo, embora o próprio Hume situe suas ideias dentro de um Ceticismo não tão radical como o pirrônico, mas em um Ceticismo o qual ele chamou de Acadêmico, por não levar ao extremo a incredulidade dos fenômenos como o fazia Pirro de Élis e os seguidores de sua escola cética, na Grécia Antiga. Hume argumentou que nossa crença em causa e efeito é baseada em hábito e costume, e não em raciocínio lógico mediante ideias abstratas, assim como um bebê aprende, por exemplo, a não encostar o dedo em uma vela acesa depois de ter se queimado uma primeira vez. Deste modo, Hume afirma que todas as nossas ideias são derivadas de impressões obtidas pelos sentidos e que nosso intelecto as associa a partir de princípios fundamentais da observação, como o de semelhança e contiguidade. Hume argumenta que é por meio desses princípios que as ideias são conectadas e formam cadeias de pensamento, não havendo uma conexão intrínseca entre causa e efeito. Se sabemos que o sol vai se levantar na manhã seguinte é devido a experiência adquirida por meio da observação durante milhares de anos, mas não há uma maneira de percebermos esse fenômeno senão empiricamente. Hume quer dizer que o fato do sol aparecer é uma questão apenas de probabilidade relacionada a regularidade observada na natureza, e não uma verdade absoluta, como acreditavam muitos filósofos de um período mais antigo ao da sua época ou mesmo seus contemporâneos, como os filósofos racionalistas, que, além da crença no princípio da causalidade, também acreditavam na natureza inata das ideias, havendo uma grande diferença epistemológica nos conceitos de empirismo e racionalismo. Caso não houvéssemos tomado conhecimento de tal movimento do astro rei, não haveríamos como deduzir tal fenômeno a priori. Como, para Hume, todas as inferências tiradas da experiência são efeitos do costume e do hábito e não do raciocínio, as conclusões que a razão falha da mente humana elabora são nada mais que a fonte de origem das crenças do espírito dogmático, o que também é a origem de todos axiomas filosóficos que tentam dar conta do conhecimento do mundo, o que o fez persona non grata para a igreja anglicana, a qual ditava as diretrizes dos problemas metafísicos na Grã-Bretanha do século XVIII.
A abundância de assuntos relacionadas à teoria do conhecimento humano presente na obra de Hume é algo impressionante. Com a quantidade de notas que tomei para fazer esse breve texto, daria para escrever um longo artigo, mas como a intenção aqui é apenas abordar os principais conceitos do livro, procurando ser o mais sucinto possível, encerrarei o texto com um aforisma visto na sua obra que sintetiza muito bem a teoria deste pensador extremamente importante para a filosofia ocidental: “O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação mais embaçada.”