Morte Súbita
a palha cobria o telhado
sujeito sujo e difuso - o objeto
pés juntos sugere morte.
(Pedro Cardoso)
Em MORTE SÚBITA, Pedro Cardoso, apresenta um poetrix de notório predomínio lírico-reflexivo, de interrogação existencial e filosófico, movido por inquietudes voltadas para “o ser e o estar-no-mundo”.
O tema da inconstância do mundo, da instabilidade da vida, da fugacidade de tudo, é constatado a partir do próprio título: a morte súbita - aquela que ocorre de forma abrupta, uma morte imprevisível e inesperada.
O poeta Pedro Cardoso, de forma surpreendente, traça uma relação conjuntiva entre o título e o primeiro verso “a palha cobria o telhado”, emprestando ao poetrix uma riqueza de recursos imagéticos e metafóricos.
Há um simbolismo em uni-los e sustê-los estruturado no sentimento de vulnerabilidade perante a morte.
O “telhado” se estabelece como objeto divisor: limita o espaço, impede a visão do céu e está estruturado em tensões e antinomias entre céu e terra; vida e morte; infinito e finito; condenação e salvação; pecado e perdão.
É importante ressaltar que aparentemente o telhado causa uma sensação de segurança, de aconchego; entretanto, trata-se de uma falsa proteção, pois, não tem resistência, está coberto por palha, reforçando a ideia de fragilidade, de ilusão, de vaidades, que resulta no questionamento do mundo, sobre a precariedade e os desenganos da vida.
A “palha”, dessa forma, justifica-se como referência instável e oscilante, que confere mais sentido à angustiada meditação diante da adversidade do tempo.
Os elementos opostos de abstração (morte) e concretude (palha, telhado) reforçam a ideia de um enigma existencial que permanece sem resolução.
No segundo verso, “sujeito sujo e difuso - o objeto”, alegoriza o homem com suas imperfeições, “sujo e difuso” e ciente de estar se debatendo com seus próprios limites buscando uma saída nem que seja pela dissolução do próprio ser, antecipando o terceiro verso.
Pode-se apreender nesse verso o “racionalismo” evidente na contenção emocional, uma vez que ao começar pela palavra o “sujeito” e ao terminar em “objeto”, o poeta traça um círculo que nos devolve sempre à mesma questão, nunca respondida, numa espécie de “moto perpétuo”, que permanece sempre em essência, não só como possibilidade à procura do ato, mas também como uma fatalidade que o faz permanecer dentro do redemoinho da sua contingência humana.
No terceiro verso, “pés juntos sugere morte”, leva-nos a um desfecho desconcertante com a barreira intransponível da morte, reduzindo-a em silêncio, melancolia e solidão, reflexo da sua própria existência.
A expressão “pés juntos” remete a ideia de complemento de um juramento. Tem origem com a Inquisição, onde uma das torturas empregadas para que o preso se declarasse consistia em amarrar seus pés. A expressão se popularizou e passou a designar a morte, o não mais caminhar, o estático.
O poetrix MORTE SÚBITA, ainda, possui um caráter discursivo ou conceitual, pois pretende comunicar-nos, através de uma argumentação cerrada, antes um “pensamento” acerca de Vida e Morte que um “sentimento” sobre esses extremos.
O referido poetrix não propõe nenhuma transcendência religiosa, nem conciliação imaginária para o sofrimento, pois a ferida aberta da condição humana é a sua temática nuclear. Também, não reflete um sentimento negativista da vida, e, sim, a conscientização da efemeridade de todas as coisas.
Pedro Cardoso, em MORTE SÚBITA, nos presenteia com um poetrix não apenas filosofante, mas, também, uma filosofia poetizada. Cria dentro do poetrix um dinamismo vital, pois ao terminar com a afirmação de “pés juntos sugere morte”, volta ao princípio, que o “sujeito sujo e difuso - o objeto” está à mercê a qualquer momento de uma morte súbita.
Nesse sentido, o poetrix MORTE SÚBITA comunga com a trilogia universal: a esfera material (“sujeito” e “objeto”), o caminho e os obstáculos (“telhado”) e o espiritual (“morte”), e traça uma travessia de expressão lírica da angústia do ser, que se sabendo racional, quer tornar redutíveis a termos poéticos as suas perplexidades de homem e a sua experiência vital, e dela, conclui-se, o Poeta não vê saída.
Análise de Valéria Pisauro - Cadeira Nº 20 da Academia Internacional Poetrix.