Primeiras impressões da leitura de dois textos
Esta semana iniciei a leitura de dois textos, os quais são: um dos tomos da imensa obra de Diderot e D’Alembert, a Enciclopédia, e também do Novo Testamento cristão. Dizemos imensa a empreitada dos iluministas franceses não apenas pelos seus 71.818 artigos, reunidos em cerca de trinta e cinco livros, mas principalmente pelo projeto em prol da disseminação do conhecimento que os seus organizadores pretenderam alcançar, o que creio também foi o pretendido pelos sábios gregos que redigiram, em um período de poucos anos após a morte de Jesus, os vinte e sete livros que compõem o Novo Testamento.
Como pode ser visto no título deste texto aqui escrito, digo primeiras impressões porque, em relação a Enciclopédia, li cerca das trinta páginas iniciais, que contêm a definição de conceitos para os verbetes Filósofo e Filosofia, antes da abordagem da história desta; e em relação ao Novo testamento, li os dez primeiros capítulos do primeiro livro de Mateus; e o que fica bem claro, na minha compreensão, é que Jesus pode ser considerado um filósofo segundo a noção de Diderot a este tipo de pessoa.
Embora Diderot escreva que “a razão está para o filósofo como a graça para o cristão”, dando brecha para que os menos atentos possam distanciar os dois tipos (na maioria das vezes estes desatentos são o filósofo sem razão e o cristão sem graça), logo em seguida ele escreve que “os homens que caminham nas trevas, que são os que são levados por suas paixões sem que suas ações sejam precedidas de reflexão”, estes são os antípodas do filósofo, já que este “mesmo em suas paixões, não age sem reflexão: caminha na noite, mas precedido por uma chama.”
Associar estas sábias palavras com as vistas no evangelho de Mateus, no texto conhecido como O Sermão da Montanha, é uma tarefa que necessita apenas de uma visão desprovida de preconceitos que separam as ideias de Jesus de grande parte da filosofia ocidental desde há muito tempo. Por paixão, a filosofia entende que são estados emocionais intensos e muitas vezes irracionais que influenciam o comportamento humano, que podem ser o ódio, a raiva, o medo, o desejo, a inveja, entre outras. No discurso de Jesus, ocorrido na montanha, o qual, a meu ver, deva ser interpretado não literal, mas alegoricamente, como a elevação do espírito em direção a total compreensão do dever humano para com seus semelhantes, podemos ver ensinamentos que vão ao encontro do que prega a filosofia no tocante aos conflitos que acometem todos os seres humanos, independentemente da época ou condições vividas. Lemos no Sermão a transmissão de lições espirituais e morais profundas, como não revidar o mal ao seu irmão, mas antes, perdoá-lo e com ele reconciliar-se; não agir como os hipócritas, que ao praticarem “obras de justiça” ou nos momentos de oração, fazem na frente de todos e não em segredo, com a intenção de passarem uma boa impressão e caírem na tentação do orgulho e da vaidade; não acumularem tesouros na Terra, “onde a traça e a ferrugem destroem e onde os ladrões arrombam e furtam”; não se preocuparem “quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa?”; “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.”
Em suma, os ensinamentos contidos no Sermão podem muito bem ser interpretados como a visão de um verdadeiro filósofo, fazendo de Jesus um dos maiores que já viveram.
Para encerrar, deixo aqui as palavras de Diderot que mais sintetizam essa ideia do Jesus filósofo: “Em todas as ações que os homens fazem, não procuram senão a própria satisfação imediata: é o bem, ou ainda melhor, o atrativo presente, conforme a disposição mecânica em que se encontrem e que o fazem atuar. Ora, o filósofo, por suas reflexões, está mais disposto do que qualquer outra coisa a encontrar prazer na convivência convosco, a atrair vossa confiança e estima, a cumprir os deveres da amizade e do reconhecimento. Estes sentimentos são ainda nutridos, no fundo de seu coração, pela religião, à qual o conduziram as luzes naturais da razão”.