Campo geral, de Guimarães Rosa
por Márcio Adriano Moraes
Publicado inicialmente em 1956, como uma das sete novelas de Corpo de Baile, a história de Miguilim, em Campo Geral, apresenta ao leitor a vida de uma criança que passa por uma série de desafios que moldam o seu amadurecimento psicológico. Além de conflitos familiares, sobretudo o desentendimento afetivo entre Pai e Mãe, Miguilim tem de lidar com as dores da perda: sua cachorrinha Pingo-de-Ouro, seu irmão Dito e do próprio Pai. Sua travessia encontra dimensões físicas e transcendentais, além de alegóricas como a descoberta de sua miopia. Consideráveis episódios desencadeiam uma jornada interna no protagonista, levando-o a encarar a complexidade da vida no sertão e a adquirir uma perspectiva mais crítica do mundo ao seu redor.
Como praticamente toda obra rosiana, esta não seria diferente em sua riqueza simbólica na captura da essência sertaneja de Minas Gerais. Todo o espaço se concentra no estado natal do autor com referências verossímeis geograficamente. A linguagem inventiva e única de Guimarães Rosa cria uma atmosfera poética e cativante, mergulhando o leitor nos pensamentos e emoções de Miguilim, mediante um narrador onisciente e empático. Os eventos narrativos não são apenas eventos isolados, mas representações de um amadurecimento gradual, em que cada desafio enfrentado pelo protagonista contribui para sua evolução psicológica. Momentos de reflexão e crescimento surgem, por exemplo, quando Miguilim decide não entregar o bilhete de Tio Terêz à mãe, demonstrando uma ética pessoal em formação; quando se desfazer de seus brinquedos, simbolizando sua transição da infância para a maturidade; quando aguenta a surra dada pelo pai, sem choro, numa nítida resistência provocativa.
Intertextualmente, é possível perceber leituras de correntes filosóficas como o Epicurismo e o Platonismo na obra, a qual traz reflexões sobre a condição humana, explorando temas universais como a perda, a superação, a ética e a transição da inocência para a experiência. O sertão se revela não apenas como um cenário físico, mas como um espaço que desafia e molda a psique do protagonista, tornando-se um elemento essencial na construção da identidade de Miguilim.
Guimarães Rosa, através de Campo geral, oferece uma análise profunda sobre o crescimento pessoal, a compreensão da realidade e a complexidade das relações humanas. A riqueza dos detalhes, a profundidade psicológica e a capacidade de conectar o leitor com a essência do sertão e das experiências de Miguilim conferem à narrativa um lugar de destaque na literatura brasileira, demonstrando a genialidade do autor em retratar não apenas o ambiente, mas também as nuances da alma humana em um sertão que transcende uma região, ganhando o universalismo.
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