A minha tragédia - Florbela Espanca

A MINHA TRAGÉDIA

Tenho ódio à luz e raiva à claridade

Do sol, alegre, quente, na subida.

Parece que a minha alma é perseguida

Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,

Trazes-me embriagada, entontecida!...

Duns beijos que me deste noutra vida,

Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo

Que me leiam nos olhos o segredo

De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,

Como esta estranha e doida borboleta

Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

A MINHA TRAGÉDIA é um poema de Florbela Espanca (1894-1930), poetisa portuguesa que fez parte do modernismo. O presente texto faz parte de uma das duas antologias de poemas que a autora publicou em vida, chamada LIVRO DE MÁGOAS, de 1919.

A estrutura do poema é a do soneto, que consiste em catorze versos distribuídos ao longo de quatro estrofes. O eu - lírico da autora é fortemente trazido à tona através de expressões que caracterizam a erotização e a feminilidade, temas predominantes na construção dos escritos da poetisa lusitana.

Embora, como já mencionada, a autora fizesse parte da escola literária denominada modernismo, a respectiva obra contém elementos textuais característicos do simbolismo, haja vista a forte subjetividade e pessimismo no poema.

O EMJAMBEMENT, que consiste em terminar um verso em discordância flagrante com a sintaxe, com a intenção de realçar as palavras que foram separadas, é visto na primeira, terceira e quarta estrofe, caracterizando a não conclusão da ideia em apenas um verso, levando para o verso seguinte o complemento de sentido. Apesar de este recurso ter surgido durante o período da idade média, foram os poetas modernistas que usufruíram em grande parte na construção de suas obras.

A METÁFORA aparece nos dois últimos versos da primeira estrofe, já que há uma comparação implícita, sem a utilização de elementos comparativos, como determinadas conjunções, que, se houvesse, configuraria a figura de linguagem tida como COMPARAÇÃO, muito similar à metáfora, e que aparece no último terceto do soneto, - “GOSTO DA NOITE INTENSA, TRISTE, PRETA/COMO UMA ESTRANHA E DOIDA BORBOLETA". Também neste trecho do poema pode ser visto a ALITERAÇÃO, que se caracteriza pelo uso repetitivo de consoantes em uma ou mais orações; no presente caso, a letra T é o elemento usado para a construção da aliteração.

A APÓSTROFE, figura de linguagem caracterizada pela evocação de determinada entidade, pode ser vista no primeiro verso da segunda estrofe, “Ó MINHA VÃ, INÚTIL MOCIDADE”, onde a autora evoca um período de sua vida transcorrido no passado, trazendo um sentimento de nostalgia por parte do eu - lírico, além da PROSOPOPEIA, por vezes também chamada de PERSONIFICAÇÃO, onde é atribuída uma qualidade humana a algo que não pode ter essa qualidade – “DUNS BEIJOS QUE MEDESTE NOUTRA VIDA”. A PROSOPOPEIA também pode ser vista na conotação do sentimento de tristeza para a NOITE, no trecho já visto onde também ocorre a ALITERAÇÃO. O ponto de exclamação ao final do segundo e quarto verso desta estrofe, que aparecem também mais adiante, são usados para realçar o tom marcante da experiência vivida pelo eu-lírico, fazendo com que um ponto de vista existencial se faça presente.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 02/12/2023
Reeditado em 02/12/2023
Código do texto: T7945310
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