Amor é fogo que arde sem se ver - Luís Vaz De Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

AMOE É FOGO QUE ARDE SEM SE VER é um poema de Luís Vaz de Camões (1524-1580), considerado por grande parte dos estudiosos o maior poeta da língua portuguesa. O famoso poema foi publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada postumamente em 1598.

Camões utilizou o “Soneto” para dar forma aos seus versos. Soneto é uma estrutura literária de forma fixa composta por catorze versos, dos quais dois são quartetos (conjunto de quatro versos) e dois tercetos (conjunto de três versos) feitos em versos decassílabos, ou seja, cada verso contendo dez sílabas poéticas. Petrarca (1304-1374), poeta humanista italiano, é tido como o inventor do soneto.

ANÁLISE DO SONETO

O tema principal do poema é o Amor. Camões, como todo grande poeta, usou essa temática para compor muitos de seus poemas; e não foi diferente nos presentes versos que serão aqui analisados.

Durante todo o corpo do soneto, podemos perceber que o poeta português usou certas estratégias de construção poética, as chamadas FIGURAS DE LINGUAGEM, para criar os famosos versos.

Na primeira estrofe, o Paradoxo, uma figura de pensamento, é visto nos dois primeiros versos e no último, já que Camões utiliza elementos que se fundem e ao mesmo tempo se excluem na construção dos mesmos – “é ferida que dói e não se sente; é dor que desatina sem doer."; mais um paradoxo podemos ver no terceiro verso – “contentamento descontente”.

É possível ver também a Elipse, uma figura de construção que altera a sintaxe das orações contidas nos versos e que se caracteriza pela ausência do sujeito no processo enunciativo. A palavra AMOR aparece no primeiro verso e depois é omitida nos três próximos versos, o que não anula a presença de mais uma figura, a Metáfora. Quando Camões utiliza o verbo de ligação é nos quatros versos, ele utiliza-o para ligar o AMOR aos predicativos/qualidades que vêm após o primeiro verbo de cada verso.

Outra figura presente é a anáfora, que consiste na repetição da mesma palavra no início dos versos; neste caso, a partícula que se repete é a palavra É. Podemos ver que o autor usou esse recurso estilístico na construção dos dois quartetos e do primeiro terceto. Mas não é apenas a Anáfora que se encontra repetida na segunda e na terceira estrofe; o paradoxo encontra-se novamente no verso É UM ANDAR SOLITÁRIO ENTRE A GENTE; a antítese em É UM CUIDAR QUE GANHA EM SE PERDER; este último verso é interessante, já que pode ser visto por dois ângulos: se formos analisar o verso pelo emprego das palavras GANHAR e PERDER, temos uma antítese, como mencionado, mas se formos analisar do ponto de vista lógico, temos novamente um paradoxo, visto que GANHAR e PERDER são duas ideias que se anulam, aparentando haver um conflito de ideias. Mas essa dualidade entre opostos viria a ser mais abordada no período após o renascimento, no barroco, época das grandes crises existenciais advindas com a reforma protestante. Embora haja alguns paradoxos, a racionalidade é uma das grandes características da época em que viveu o poeta, e Camões, sendo um poeta do período renascentista, ou seja, tendo a racionalidade como um dos principais fatores que permeavam as ideias do momento histórico literário - uma vez que a velha visão de mundo sob a ótica medieval não estava mais em voga - tinha assim a lógica orbitando seus pensamentos.

Sendo assim, o Silogismo, que é a estrutura básica de um argumento ou um raciocínio dedutivo para se chegar a uma conclusão lógica através de duas ou mais proposições – também conhecidas como premissas - foi usado pelo autor português. Podemos perceber que o primeiro quarteto serve como uma tese sobre o que é o amor, como se o autor quisesse racionalizar sobre esse sentimento universal, fazer algo que de certa forma soa como um paradoxo, já que, como diria Blaise Pascal “o amor tem razões que a própria razão desconhece”. As duas estrofes seguintes – segundo quarteto e primeiro terceto – servem como uma contraposição da primeira estrofe, ou seja, funcionam como antíteses da ideia introdutória sobre o amor contida na primeira estrofe. Desta forma, a última estrofe tem um caráter de conclusão, de síntese da ideia que Camões tinha do amor.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 02/12/2023
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