Vidas Secas, de Graciliano Ramos
por Márcio Adriano Moraes
Publicado em 1938, em Vidas secas, Graciliano Ramos retrata a vida difícil e árida, tanto interna como externamente, de uma família de retirantes nordestinos, na qual se deixam ver questões sociais, econômicas e políticas da época. Único romance do autor narrado em terceira pessoa, com onisciência e onipresença, o narrador penetra profundamente na mente das personagens, trazendo seus pensamentos mediante discurso indireto-livre. Essa escolha narrativa contribui para a profundidade psicológica das personagens, além de gerar empatia do leitor com a história contada. A linguagem empregada pelo escritor é marcante por sua concisão e secura, refletindo o ambiente árido e implacável do sertão. Esse estilo seco de Graciliano Ramos se revela na escolha cuidadosa das palavras, na economia de detalhes e na ausência de adornos desnecessários. Dessa forma, a linguagem se torna um reflexo direto da dureza da realidade retratada na obra, em que cada palavra é essencial para transmitir a complexidade das vidas secas, sem concessões à retórica excessiva.
O primeiro capítulo traz a chegada da família em uma fazenda aparentemente abandonada; e o último, a saída dessa fazenda, sugerindo um ciclo constante de retirada. Assim, o tempo segue linearidade cronológica, com momentos de flashbacks (analepses), revelando eventos passados que influenciam o presente. O autor também utiliza o tempo de maneira simbólica, representando a persistência da seca como uma constante na vida dessas pessoas. O espaço é um elemento fundamental na obra, uma vez que a seca e a aridez do sertão nordestino são representadas como forças opressivas que moldam a vida das personagens. Graciliano descreve o cenário de forma realista para enfatizar a luta diária pela sobrevivência no interior, em um cenário desfavorável, onde a seca e a pobreza moldam a existência das personagens.
O enredo gira em torno da família de Fabiano, com sua esposa Sinha Vitória, seu filho Mais Velho, o Mais Novo, além da cachorra Baleia. Há capítulos específicos que tratam de cada um, os quais representam diferentes aspectos e anseios diante das adversidades. Muitas vezes, o ser humano é animalizado, contrastando com certa humanidade na cachorra Baleia. O pai, Fabiano, é a personagem central e representa a luta constante pela sobrevivência. Ele personifica a marginalização do homem simples, enfrentando as adversidades da seca e da exploração. A sua natureza reservada e o desejo de proporcionar uma vida melhor para a sua família desperta reflexões humanas e sociais. A falta de instrução e a sua relação com a linguagem destacam a questão da educação como um fator limitante nas oportunidades para os mais pobres. Há ainda o patrão, o soldado amarelo e o fiscal da prefeitura, personagens secundários que representam as diferentes formas de opressão e exploração que Fabiano e sua família enfrentam. O Patrão simboliza o sistema latifundiário que perpetua a desigualdade, enquanto o Soldado Amarelo e o Fiscal da Prefeitura representam a autoridade que, em vez de proteger os mais fracos, muitas vezes os oprime. Ilustram, dessa maneira, a falta de justiça e a presença de uma estrutura social que perpetua o ciclo de pobreza.
A escolha do título, "Vidas Secas", se refere tanto ao ambiente quanto à relação afetiva das personagens, marcada por uma existência árida. Com uma a linguagem precisa, Graciliano Ramos transmite a miséria e a opressão vivenciadas pela família, revelando também as complexidades morais e emocionais de cada personagem. O livro, portanto, serve como uma denúncia das condições de vida enfrentadas por milhares de pessoas na região nordeste, ao mesmo tempo que destaca a resiliência e a humanidade que persistem mesmo nas situações mais adversas.