Akame é majestosa e de poucas mas refletidas palavras. Entretanto sua existência é trágica.

 

AKAME GA KILL! volume 1: Ataque Noturno

 

AKAME GA KILL! volume 1: Ataque Noturno

Miguel Carqueija

 

Com mais de 200 páginas em seu volume de estreia, “Akame ga kill!” é um mangá que atrai interesse pela história criativa e envolvente, mas possui detalhes fortes. Tem como heróis um grupo intitulado “Night Raid” (Ataque Noturno), cujos membros são e se intitulam assassinos. Todavia existe todo um contexto radical a explicar e talvez justificar a existência do grupo.

Estamos em um mundo paralelo, numa realidade diferente, com ares medievais. Tatsumi, um rapaz idealista, preocupado com a miséria da sua vila, parte para a capital (cujo nome, estranhamente, não é mencionado) disposto a se tornar um herói, um oficial militar, e ganhar dinheiro suficiente para ajudar a aldeia.

Mas nada será tão fácil. A capital era um local complicado e cruel, sob o domínio de um tirano e onde a crueldade é endêmica. Conforme Tatsumi descobre, quem governa em nome do imperador é um primeiro-ministro despótico. Acolhido por uma família aparentemente generosa, Tatsumi obtém algumas informações de um dos guardas, que lhe mostra alguns cartazes de “procura-se”, um grupo de assassinos, “Night Raid” (Ataque Noturno) que, como o nome diz, age à noite.

Mas nada é o que parece e naquela mesma noite a Night Raid aparece e ataca o local. Tem mais mulheres que homens no grupo e logo Tatsumi, querendo defender a garota da casa, Aria, acaba confrontando a sinistra Akame — de longos cabelos escuros, saia curta, botas e capa, e uma longa espada. Tatsumi faz o possível, mas Akame, que já havia eliminado os guardas da casa — e ela parece obcecada em “eliminar” — o mataria fatalmente se outra Night Raid, a Leone, não desse uma chance ao garoto, mostrando-lhe que aquela família era de monstros sádicos, que atraiam pessoas para torturá-las até a morte. Tatsumi tem o desprazer de encontrar, na câmara de tortura, uma porção de cadáveres torturados e mutilados, inclusive sua colega Sayo e ainda vivo, mas agonizante, Ieyasu, também seu colega da vila; Sayo e Ieyasu, como Tatsumi, tinham vindo também se aventurar na capital.

A chocante descoberta leva Tatsumi a matar Aria e, relutante de início, a se juntar à Night Raid.

O raide fôra feito por Akame, Leone (que tem uma transformação que a torna meio felina, com garras e força descomunal), Bulat (que usa uma armadura especial), Mine (de longas marias-chiquinhas) e Lubbock (parece ser o elemento sem-vergonha); depois aparece a Sheele (de óculos) e a “chefe” que tem o braço direito mecânico.

A Night Raid é o braço executor de uma vasta organização revolucionária que visa derrubar o governo tirânico e, supostamente, estabelecer uma democracia. Seus elementos são “usuários de teigus”, ou armas especiais encantadas, e parecem ter em geral passados sombrios. Akame, por exemplo, com sua irmã havia sido vendida (sic) pelos próprios pais ao império, onde foi treinada para ser uma assassina, tendo deserdado e se juntado à Night Raid.

Há cenas muito violentas na história, com mortes e mutilações, embora os personagens sejam bem caracterizados. Por outro lado os vilões são tão monstruosamente perversos que os agentes da Night Raid, cruéis mas não perversos, tornam-se simpáticos, principalmente o impulsivo e idealista Tatsumi. E ainda existe muito humor entremeando o enredo.

O conteúdo é considerado impróprio para menores de 16 anos.

É interessante notar que, no relacionamento com Tatsumi, Akame vai mostrando seu lado humano.

“Akame ga kill!” tem a violência e a confusão gráfica em várias passagens. A história tem interesse, mas com essas restrições. A mensagem de que matar malvados é lícito quando o sistema vigente é uma tirania, reflete-se até nos títulos dos capítulos: “Mate as trevas”, “Mate o reino”, “Mate a autoridade”, “Mate a compaixão”.

O argumento é muito complexo, uma sopa de personagens que não é qualquer um que faz; e é o primeiro mangá desse autor Takahiro.

A violência é um tanto alta para o meu gosto, embora suavizada pela arte de Tashiro Tetsuya, com a suavidade de traços de diversos personagens, como Tatsumi.

 

Mine explica a Tatsumi a situação do país, que na vila ele ignorava.

 

Resenha do volume 1 do mangá “Akame ga kill!” (Assassina Akame), de Takahiro (roteiro) e Tashiro Tetsuya (arte). Editora Panini, Barueri-SP, 2016. Square Enix Co., Japão, 2010. Tradução: Fernando Mucioli. Volume com os capítulos 1 a 4.

 

 

O confronto entre Tatsumi e Akame. Tatsumi tenta defender uma garota, sem saber que ela e seus pais eram três assassinos sádicos. Para cumprir seu dever de justiça Akame seria capaz de matar Tatsumi "se ele atrapalhasse". A intervenção de Leone impede o pior e ela mostra a Tatsumi o que aquela família fazia.

 

“Você disse que queríamos matar uma menina inocente, certo? Consegue repetir essa frase depois de ver o que tem aí dentro?”

(Leone)

 

“Uma vez que você sabe onde nosso esconderijo fica... se não virar nosso companheiro, teremos que matá-lo.”

(Sheele)

 

“Continue voltando vivo... Tatsumi.”

(Akame)

 

“Quando a nova nação se erguer, ela abrirá suas portas para o exterior... o sangue dos povos vai se misturar... e não vai haver mais crianças sofrendo pelo mesmo que eu passei.”

(Mine)

 

Entrando para a Night Raid, Tatsumi agora trabalha com Akame. Logo ele descobre que é possível conviver com ela.

 

Porém, diferente dos personagens do culto à violência (como Pokemón e Cavaleiros do Zodíaco), “Akame ga kill!” tem o charme das histórias individuais, dos dramas pessoais dos personagens como a própria Akame: vidas trágicas que encontram na justiça sumária (tiranocídio) a razão de ser das suas existências. Existem até traços de humor nos personagens, como os arroubos de entusiasmo de Tatsumi ou as nuances de personalidade de Akame, que embora algo selvagem, também tem o seu lado humano. Como detalhe característico, é uma grande consumidora de carne.

Mine, com suas marias-chiquinhas, tem em sua história ser uma mestiça com um passado de discriminação desde a infância na fronteira oeste e que aspira um futuro em que não haja mais um “apartheid”, que os sangues se misturem e que haja paz para as crianças.

Idealismo em meio a uma existência violenta — é preciso arte para produzir uma narrativa de conteúdo nesse panorama — mas essa história realmente envolve.

 

Rio de Janeiro, 25 de outubro a 5 de novembro de 2023.

 

Mine, a garota das marias-chiquinhas, carrega o trauma de uma infância infeliz e atingida pela discriminação.